Autoridades pedem investigação sobre ação da PM na Aldeia Maracanã

MPF e Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio querem apurar as responsabilidades sobre a desocupação truculenta do terreno pelo Batalhão de Choque

Para os indígenas, é decepcionante que o governo estadual tenha apelado à força para promover a desocupação (Foto: Tânia Rêgo. Agência Brasil)

Rio de Janeiro – O acordo que determinou a saída hoje (22) dos indígenas que ocupavam o terreno do antigo Museu do Índio, no Rio de Janeiro, não colocou um ponto final na novela da Aldeia Maracanã. A truculenta invasão pelo Batalhão de Choque da Polícia Militar para retirar as pessoas que ainda estavam no terreno, realizada mesmo após os índios já terem aceitado o acordo e em um momento no qual a maioria já se encontrava do lado de fora, mereceu críticas dos mais variados setores e poderá ter desdobramentos em nível federal.

“Na negociação entabulada pela Defensora Pública da União, já havíamos conseguido a retirada de mulheres, crianças e idosos, além de boa parcela dos adultos. Eles só pediram mais dez minutos. As pessoas já estavam decididas a sair, não havia necessidade da invasão, foi uma precipitação da polícia. Boa parcela já havia saído, não havia necessidade dessa truculência”, diz Daniel Macedo, defensor público que acompanha há meses as negociações entre o governo e os moradores da Aldeia Maracanã.

Outro que esteve no terreno do antigo museu durante as últimas horas de tensão, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), deputado Marcelo Freixo (PSOL), também condena a ação policial e promete “tomar providências” para apurar as responsabilidades pela invasão. “Nós vamos representar contra a Polícia Militar, que agiu com enorme truculência e desrespeito para com quem está aqui trabalhando. Nós estamos aqui ajudando na negociação, o que eles fizeram foi inaceitável. Não estou aqui para tomar spray de pimenta na cara nem ser insultado. A negociação estava muito bem encaminhada e a medida judicial era muito categórica ao exigir que não houvesse violência”, diz o parlamentar, que foi candidato a prefeito do Rio nas últimas eleições.

Quem também promete exigir investigações para apurar responsabilidades pela invasão é o Ministério Público Federal (MPF). “Vamos ver isso tudo e apurar o responsável. O calor do confronto não é o momento mais adequado para tratar disso, mas é necessário apurar sim, com certeza”, disse o procurador regional dos direitos do cidadão, Jaime Mitropoulos, momentos após a invasão do terreno.

Em nota divulgada horas depois, Mitropoulos afirma que “a Polícia Militar agiu com evidente força desproporcional” durante a desocupação e que “os índios se retiraram de forma ordeira, até a entrada da PM”. O MPF avisa que também irá acompanhar o cumprimento pelo governo estadual do acordo firmado com os indígenas, “inclusive o compromisso extrajudicial de preservar o prédio e o deslocamento das famílias para um Centro de Referência Indígena, previsto para ser instalado em Jacarepaguá, zona oeste do Rio”.

Daniel Macedo também defende a apuração de responsabilidades e ressalta que a decisão judicial da 8ª Vara Federal para retirada dos índios da Aldeia Maracanã determinava que ela somente poderia ser feita sem o recurso à força. “A ordem judicial tinha de ser cumprida sem qualquer violência. Houve violência, portanto houve descumprimento da ordem judicial. Era uma ordem judicial que tinha de ser cumprida, mas deveria ter sido cumprida com retidão, e não foi isso o que aconteceu”, diz.

‘Força necessária’

Porta-voz da Polícia Militar do Rio, o coronel Frederico Caldas defendeu a corporação das críticas e disse que o objetivo foi evitar que alguns manifestantes ateassem fogo ao prédio do antigo museu: “Os índios realmente já tinham saído. Permaneceram no interior algumas pessoas que não eram da tribo de índios. Todas as tentativas de negociação foram feitas dentro de um clima de diálogo e tranquilidade. Foi estabelecido um horário a partir do qual eles começaram a tacar fogo e, se nós não interviéssemos, eles com certeza iriam colocar fogo em tudo. A decisão pela entrada foi em função de termos que, inclusive, chamar os bombeiros. Ficou evidente que o objetivo deles era colocar fogo no prédio. A PM interveio exatamente para evitar isso”, disse.

Marcelo Freixo contesta a versão dada pelo coronel. “Ele está mentindo. Os bombeiros já estavam lá dentro, acionados por nós. O que aconteceu foi que havia uma fogueira na porta e pegou fogo em uma placa do lado de fora do prédio. Foi coisa simples e o fogo já estava dominado pelos bombeiros. Quando a polícia entrou, já não havia mais fogo”, afirma o deputado.

Segundo o coronel Caldas, “não houve excesso de força, houve a força necessária” na ação da polícia. “Quando o Choque entrou, de forma pacífica e com formação em linha para que todos pudessem sair do terreno, começaram a tacar pedras e dejetos nos policiais. Aí, naturalmente, eles tiveram que usar os meios necessários”, disse. A reação da polícia foi considerada normal: “Os manifestantes chegaram ao nível máximo da intolerância. A partir do momento que eles adotaram esse tipo de comportamento, que é inaceitável sob o ponto de vista da legalidade, aí a Polícia Militar teve que intervir”, disse o porta-voz.

Novo terreno

O cacique Carlos Tukano, índio mais velho e principal liderança da Aldeia Maracanã, explica como foi tomada a decisão de deixar o local: “A negociação com o governo vem caminhado desde 15 de janeiro. Ontem, o secretário de Assistência Social, Zaqueu Teixeira, nos disse que não teria mais como retardar ou impedir a execução da reintegração de posse para retirar os indígenas que estavam dentro do museu. Disse que não nos daria falsas esperanças nem nenhum tipo de garantia de que não houvesse violência. Ele cumpriu o que disse. Para nós é uma coisa muito decepcionante e muito triste o que está acontecendo”, diz.

Tukano diz esperar que, agora, o governo cumpra o acordo firmado. “Agora eles vão nos mostrar algumas áreas aqui dentro da cidade do Rio de Janeiro onde o governo prometeu construir o Centro de Referência dos Povos Indígenas e a Secretaria de Assuntos Indígenas. Nos disseram que essa proposta vai demorar mais de um ano e meio. Enquanto isso, nós vamos ficar no terreno que a gente escolher agora como melhor área para viver e continuar o nosso trabalho. O secretário ficou de criar alojamentos em 72 horas no local que escolhermos”, disse o cacique, estimando que cerca de 40 índios devam ocupar o novo terreno.