Paes tenta vencer resistências na Vila Autódromo e na Aldeia Maracanã

Para fazer as remoções previstas nas obras para a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016, prefeito do Rio de Janeiro aposta na barganha

Índios resistem à desocupação da Aldeia Maracanã (Foto: Percurso da Cultura/Flickr)

Rio de Janeiro – O tempo é cada vez mais curto. O Carnaval se aproxima e o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, não conseguiu aproveitar o começo do ano para remover, literalmente, dois obstáculos que podem atrasar o cronograma de obras previsto para a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016. Localizados ao lado do Autódromo de Jacarepaguá e do estádio do Maracanã, respectivamente, a comunidade da Vila Autódromo e o prédio do antigo Museu do Índio, onde atualmente existe a Aldeia Maracanã, têm a demolição prevista pela prefeitura, mas, ao angariar apoios por sua permanência, são hoje os dois maiores focos de resistência ao “projeto olímpico” que move as autoridades públicas cariocas.

Imbróglio iniciado ainda no primeiro mandato de Paes, a remoção da Vila Autódromo precisa ser feita, segundo o projeto da prefeitura, para permitir a construção do Parque Olímpico, principal complexo esportivo dos Jogos, e a passagem do traçado do futuro ônibus BRT Transolímpico, que ligará os bairros da Penha, na zona Norte da cidade, à Barra da Tijuca, na zona Oeste. A meta inicial do prefeito era concluir a remoção da comunidade este ano, mas o prazo foi estendido para o primeiro semestre de 2014, quando os moradores da Vila Autódromo deverão ser reassentados em um conjunto habitacional que está sendo construído, também em Jacarepaguá, como parte do programa Minha Casa Minha Vida do governo federal.

Batizado como Parque Carioca, o conjunto é o trunfo com o qual Paes espera quebrar as últimas resistências à remoção entre os moradores da Vila Autódromo. Por isso, o prefeito anunciou o início de sua construção esta semana como a solução para o impasse de tantos anos. Serão 900 apartamentos de 40 metros quadrados (dois quartos) ou 55 metros quadrados (três quartos), com área de lazer. O custo total estimado para a obra é de R$ 105 milhões, sendo R$ 38 milhões da prefeitura e R$ 67 milhões financiados pela Caixa Econômica Federal.

Os moradores da Vila Autódromo, no entanto, não querem nem ouvir falar do novo projeto e, com o apoio político das diversas organizações dos movimentos sociais reunidas no Comitê Popular para a Copa e as Olimpíadas, elaborou e encaminhou à prefeitura um projeto próprio de reurbanização do local. O projeto foi elaborado em parceria com o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Paes, no entanto, não demonstra preocupação com a resistência à remoção da comunidade, pois acredita que a maioria das famílias topará a mudança quando conhecer o projeto do novo conjunto habitacional: “Não tenho dúvidas de que o desfecho será tranqüilo. Quando as obras estiverem mais adiantadas, montaremos um showroom no terreno, mostrando detalhes de como será o condomínio. A nova estrutura será melhor do que no local onde as famílias vivem atualmente”, diz o prefeito, que promete construir uma escola e uma creche, além de favorecer o desenvolvimento das atividades comerciais no futuro Parque Carioca.

O impasse não é menor na Aldeia Maracanã, onde a disputa travada entre os indígenas que habitam o local e poder público municipal e estadual ganhou a Justiça. O prazo dado pela Procuradoria Geral do Estado para que os índios deixem o terreno se esgota na próxima segunda-feira (28), mas o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) ainda aguarda a resposta da União, que foi instada a se manifestar oficialmente sobre o recurso apresentado pelo Ministério Público Federal para impedir a demolição do prédio do antigo Museu do Índio.

Marta apoia índios

A resposta oficial, que deverá ser encaminhada pela Advocacia Geral da União (AGU) também no início da próxima semana, ainda não veio, mas os índios da Aldeia Maracanã já ganharam um aliado de peso na Esplanada dos Ministérios. A ministra da Cultura, Marta Suplicy, durante reunião na quarta-feira (23) com o vice-governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, afirmou ser favorável a preservação do local e ao seu tombamento pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

O prédio que a prefeitura e o governo estadual pretendem demolir foi erguido em 1865 pelo Duque de Saxe, seu primeiro proprietário. Décadas mais tarde, ali passou a funcionar o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), comandado pelo Marechal Cândido Rondon. Em 1953, o antropólogo Darcy Ribeiro inaugurou ali o primeiro Museu do Índio da América Latina.

O perfil do local, conclui a ministra, se enquadra exatamente naquilo que cabe ao Iphan preservar: “Esperamos que prevaleçam o interesse na preservação do patrimônio material e imaterial e a sensibilidade do governo do estado”, afirmou Marta em nota divulgada à imprensa.

Também em nota, o governador Sérgio Cabral não escondeu sua contrariedade: “Há uma verdadeira distorção dos fatos históricos e recentes. O governo do Rio tem trabalhado com as aldeias indígenas do estado de forma respeitosa e parceira. Chamar de ‘Aldeia Maracanã’ a invasão, em 2006, de um prédio federal abandonado é, na verdade, um desrespeito ao conceito de aldeia indígena”.

Já Eduardo Paes aposta na mesma tática utilizada na Vila Autódromo e pretende quebrar resistências entre os indígenas a partir de um processo bem sucedido de barganha: “A prefeitura não vai abandonar essas pessoas”, repete o prefeito, que já teria acenado aos indígenas com a construção de uma sede para o Centro Cultural Indígena dentro da Quinta da Boa Vista, também situada ao lado do Maracanã e conhecido ponto turístico da cidade, onde já se encontram o Museu de História Natural e o Jardim Zoológico.