Luxo ou desperdício

‘Administrar cultura se transformou em cortar custos’, diz professora da USP

'Mas não é só na cultura. De maneira geral, administrar se transformou em cortar custos, principalmente com medidas que acabam sendo como as pragas do Egito, como gafanhotos. Atacam tudo'

Marcos Santos/Jornal da USP

“Cultura popular é deixada de lado; os produtores parecem que são culpados pelas despesas”, afirma Maria Cristina

São Paulo – A justificativa do pedido de demissão do cineasta João Batista de Andrade, terceiro ministro da Cultura de Michel Temer, na última sexta-feira (16), é sintomática do status que a pasta adquiriu sob o atual governo. Ainda interino, Andrade alegou “desinteresse em ser efetivado como ministro da Cultura”. Temer assumiu o Planalto extinguindo o MinC no dia 13 de maio de 2016, mas com a pressão do setor, artistas e produtores culturais, recuou e “recriou” a pasta uma semana depois.

“A cultura está sofrendo muito com a crise do país, na medida em que administrar está se transformando em cortar custos, e não privilegiar e desenvolver programas, avaliar desempenho, consultar os produtores”, diz a professora Maria Cristina Castilho Costa, titular em Comunicação e Cultura da Escola de Comunicações e Artes (ECA), da Universidade de São Paulo (USP).

Mas ela ressalta que esse estado de coisas não se restringe à esfera federal e nem ao setor cultural.”De maneira geral, administrar se transformou em cortar custos, principalmente com medidas que acabam sendo como as pragas do Egito, como gafanhotos. Atacam tudo independentemente dos conteúdos e da avaliação.”

Maria Cristina lembra que a cultura não está sofrendo apenas com Temer. Em São Paulo, por exemplo, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) extinguiu em fevereiro a Banda Sinfônica do Estado de São Paulo, demitindo com uma canetada 65 músicos de uma das principais bandas do país. Alckmin justificou a medida dizendo que gastava com a banda R$ 7 milhões, que seriam destinados ao projeto Guri.

“Investimentos como esse vão demorar muito tempo para se recompor. Como a crise hídrica de São Paulo. São perdas difíceis de recuperar. A cultura popular está sendo deixada de lado, os produtores parecem que são culpados pela despesa que têm. Hoje cultura é desperdício, e não investimento”, diz a professora da ECA.

Para piorar, as dificuldades da cultura no país são agravadas pela globalização, que torna o setor ainda mais frágil diante do mercado internacional. “No cinema, por exemplo, temos uma avalanche de filmes estrangeiros que ficam em 50 salas. E o filme brasileiro não é visto. Como as pessoas dizem que não gostam de filme brasileiro se nem assistem?”, observa Maria Cristina. “Diante da agressividade do mercado internacional, a fragilidade em que estamos, ao encarar a cultura seja como luxo, seja como desperdício, está se ceifando uma produção que precisamos ter. Não tem como adotar as leis de mercado na cultura.”

“Desinteresse”

O principal motivo do “desinteresse” de João Batista de Andrade pela pasta é o corte de 43% no seu orçamento, segundo sua carta de demissão. O primeiro ministro da Cultura de Temer foi Marcelo Calero, que tomou posse em 21 de maio de 2016, após a “recriação” do MinC. Ele deixou a pasta seis meses depois, com acusações ao então ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, para liberar a obra de um prédio em Salvador onde o próprio Geddel tem um apartamento, segundo reportagem da GloboNews. 

Calero colecionou desafetos como ministro. Criticou os protagonistas do filme Aquarius (dirigido por Kleber Mendonça Filho), que fizeram um protesto contra Temer no Festival de Cannes que teve repercussão internacional e foi vaiado inúmeras vezes em eventos públicos.

O ministro seguinte, Roberto Freire, é presidente do PPS, partido que apoiou o impeachment de Dilma sob a liderança do próprio Freire. Ele se demitiu em maio passado, também seis meses depois de assumir e logo após o escândalo da JBS envolvendo Temer.

O substituto de João Batista de Andrade vai ser anunciado depois que Temer voltar da viagem  de quatro dias à  Rússia e à Noruega, iniciada nesta segunda-feira.

O Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura divulgou carta aberta, assinada por 19 secretários de estados do país, na qual criticam a política de Temer para o setor. Segundo eles, ” o MinC não foi e nem tem sido capaz de aprovar qualquer Plano de Trabalho, responder diligências, empenhar recursos, ordenar despesas e repassar recursos financeiros referentes aos convênios com os estados da federação brasileira, acarretando em prejuízos imensuráveis para a política de descentralização dos recursos e do pacto federativo de fortalecimento do Sistema Nacional de Cultura”.