Documentário

‘Estopô Balaio’: a arte como estratégia de sobrevivência

Longa-metragem de Cristiano Burlan apresenta o trabalho de um coletivo de artistas do Jardim Romano, em São Paulo, que usa teatro e música para reinventar o cotidiano e sobreviver às constantes inundações

Ramilla Souza/Divulgação

‘No Jardim Romano, é necessário inventar e reinventar o cotidiano para sobreviver às constantes inundações’

São Paulo – Em 2010, o Jardim Romano, bairro do extremo leste da capital paulista, passou três meses debaixo d’água por causa da maior enchente que já atingiu aquela região. As inundações e o fato de o bairro contar com uma enorme comunidade nordestina foi o que chamou a atenção do Estopô Balaio, um coletivo de artistas, em sua maioria migrantes, que atua naquela comunidade com a intenção de “redescobrir” o Nordeste escondido na cidade São Paulo e ressignificá-lo, baseado em memórias da população local. A residência artística do grupo já resultou em três espetáculos feitos a partir dos relatos e depoimentos dos moradores sobre suas experiências com enchentes.

O documentário Estopô Balaio, de Cristiano Burlan, que estreia em São Paulo e em São Luiz nesta quinta-feira (16), acompanha o coletivo em seu cotidiano pelo bairro. Estimulado pela comunhão do teatro com a comunidade, o diretor decidiu fazer um longa-metragem a partir da inquietação: como opera a arte em situações de trauma social?. “Conheci o coletivo Estopô Balaio por meio da minha parceira criativa, Ana Carolina Marinho, que é integrante do grupo e me convidou para assistir à peça O Que Sobrou do Rio. Aquela história de resistência me estimulou a conhecer melhor o lugar e as pessoas. Passei a visitar o bairro e o grupo, sempre com um câmera na mão. Com esses encontros, surgiu a vontade de realizar o documentário Estopô Balaio“, afirma Cristiano, diretor do longa-metragem Fome e do documentário Mataram Meu Irmão.

Com imagens de arquivo captadas pelos próprios moradores e com o registro feito por Cristiano e sua equipe, o filme mostra a relação íntima dos artistas do coletivo com os moradores do Jardim Romano. Mais do que escutar e representar as histórias daquelas pessoas, eles promovem uma espécie de investigação da memória social de um bairro marcado (e muitas vezes devastado) pelas enchentes. “As águas inundam com frequência as casas, as ruas e devastam o cotidiano dos moradores, que são obrigados a reinventar a vida, a criar perspectivas de sobrevivência e de re-existência. A arte se alia a esse processo. São todos atores nesse processo de fabular a própria vida. Todos pactuam com o ato teatral”, descreve a apresentação do filme.

Intervenções urbanas do coletivo Estopô Balaio

O coletivo promove intervenções urbanas, ensaios de cena na rua, saraus, espetáculos, festas, projeções de filmes em espaços públicos, instalações e espetáculos teatrais a partir dos depoimentos dos moradores sobre suas experiências com as inundações. O grupo acaba fazendo com que os moradores sejam protagonistas dessas experiências e atores sociais que têm a possibilidade de ressignificar suas memórias por meio da arte. “Fui criado no Capão Redondo, bairro da zona sul de São Paulo. Com certeza esse trabalho que realizei junto com o grupo Estopô Balaio é um retorno às minhas origens e um diálogo político e social com meu passado. (…) Há seis anos, o coletivo reside artisticamente no bairro, o que faz com que o bairro tenha uma relação muito íntima com o teatro. O projeto [do filme] foi de três anos, não costumo filmar muito. Meu trabalho em documentário se dá muito mais por um contato pessoal, a câmera acaba entrando mais como uma consequência desse contato. O projeto se iniciou como um registro audiovisual das ações do coletivo e depois decidi transformar o material em um longa-metragem”, afirma Cristiano.

Com um orçamento de apenas R$ 20 mil, o longa-metragem consegue mergulhar profundamente na vida dos moradores e no dia a dia do coletivo, apresentando memórias que opõem a seca do Nordeste com abundância das águas da Terra da Garoa, aliada aos impactos que a falta de planejamento urbano traz à vida das pessoas. Também vêm à tona histórias de vida doloridas como a Keli Andrade, que conta à câmera porque decidiu se mudar definitivamente para São Paulo. Em sua solidão na capital paulista, a atriz afirma que encontra no coletivo o que sempre lhe faltou em relação à família.

Sobre a inquitação acerca de como a arte opera em situações de trauma social, Cristiano afirma que é preciso reinventar o cotidiano: “Acredito que a arte vai até onde a imaginação e a criatividade alcancem. No Jardim Romano, é necessário inventar. É necessário reinventar o cotidiano para sobreviver às constantes inundações. A arte não é só artifício do real, é realidade. Os moradores são artistas de suas próprias vidas, eles recriam o cotidiano. Onde não há escapatória, os moradores do Jardim Romano revelam novas e criativas estratégias de sobrevivência: a arte é o meio para tudo”.

O documentário Estopô Balaio encerrou o Festival Latino-Americano de 2016 e participou do 40° Festival de Brasília, onde foi selecionado para a mostra APolítica no Mundo e o Mundo da Política.

CartazEstopô Balaio
Direção: Cristiano Burlan
Produção: Ana Carolina Marinho, Henrique Zanoni
Fotografia e câmera: João Macul, Cristiano Burlan
Roteiro: Ana Carolina Marinho, Cristiano Burlan, Marcelo Paes Nunes
Montagem: Marcelo Paes Nunes Cristiano Burlan
Coletivo Estopô Balaio: João Júnior, Adrielle Rezende, Ana Carolina Marinho, Ana Maria Marinho, Bruno Fuziwara, Clayton Lima, Edson Lima, Keli Andrade, Juão Nin, Lisa Ferreira, Paulo Oliveira, Ramilla Souza, Wemerson Nunes, Amanda Preisig e Jhonny Salaberg
Duração: 78 minutos
Gênero: Documentário
Classificação: 10 anos
Distribuição: Bela Filmes
Ano: 2016