Vida e arte

Para diretor de ‘Aquarius’, cidades se afastam das pessoas quando entregues ao mercado

'Meus filmes no Recife vieram de observações muito pessoais minhas', disse Kleber Mendonça Filho durante debate em São Paulo sobre a relação da arte com os conflitos sociais

Divulgação EBC

À direita, o espigão de 40 andares no centro histórico do Recife desperta a raiva do cineasta

São Paulo – O cineasta Kleber Mendonça Filho não poupa palavras para dizer o quanto tem “raiva” de dois prédios gêmeos de quarenta andares, erguidos “como verrugas gigantes na testa” bem no centro histórico do Recife, de frente para o mar e ao lado do antigo bairro construído pelos imigrantes holandeses.

“São dois prédios que não têm nada a ver com a região e deram início em mim a uma relação raivosa, há leis que impediriam a construção desses prédios. A expressão artística passa também pela raiva e, no meu caso, por uma libertação de energia que me faz sentir bem”, afirmou o diretor do aclamado longa-metragem Aquarius, durante debate na quinta-feira (26) sobre o papel da arte diante dos conflitos sociais presentes nas grandes cidades contemporâneas.

As duas torres gêmeas atrapalham Kleber Mendonça desde o curta Recife Frio, em 2009, quando a indesejada construção se destaca num plano aberto do centro histórico da capital pernambucana. Anos depois, no longa O Som ao Redor, a mesma raiva. “Lá estão elas atrapalhando o meu plano”, resmungou. No filme Aquarius o diretor se incomodou de vez e simplesmente apagou os espigões que apareceriam em outro plano aberto. “Me custou R$ 2 mil reais”, disse, rindo. 

Para ele, a relação das pessoas com a cidade tende a ser como na própria casa, onde estamos acostumados com o que encontraremos em cada curva, cada aposento. “É a minha paisagem afetiva com a cidade”, explicou, dando como exemplo também a cidade de São Paulo, a qual frequenta há muito tempo e onde afirmou esperar ver sempre grafites nas paredes.

O diretor de Aquarius, filme em que a temática da especulação imobiliária conduz o roteiro, acredita que a influência do mercado é um dos fatores para o afastamento dos moradores diante da própria cidade. “As cidades se tornaram muito problemáticas, precisam se reinventar. Quando ficam completamente descobertas e vão para as mãos do mercado, o mercado tem seus objetivos e está cagando pra cidade.”

Salientando que parecia falar como um marxista que não é, Kleber Mendonça Filho criticou o modelo de desenvolvimento urbano que não privilegia os indivíduos. “O problema das construções é que a cidade é formatada para o mercado e não para as pessoas. É aí que entra a importância de uma boa prefeitura para dizer ‘não, espera, isso não pode’”, afirmou.

Diretor de dois longas-metragens rodados no Recife, ele disse ser fascinante cineastas que filmam em suas próprias cidades, dando como exemplo a Nova York de Spike Lee e de Woody Allen, completamente diferentes. “Há segredos que cada um conhece, informações bem observadas sobre o lugar. Meus filmes no Recife vieram de observações muito pessoais minhas. Gosto dos segredos das cidades expostos em narrativas.”

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