Eventos lembram 75 anos de ‘Angústia’

Para Antonio Candido, o escritor Graciliano Ramos atuou em um dos momentos mais ricos da literatura brasileira. Obra será debatida durante simpósio em cinco cidades

São Paulo – Graciliano Ramos estava preso quando Angústia, seu terceiro romance, foi publicado. No início de 1936, o autor de Caetés (1933) e São Bernardo (1934) havia sido nomeado diretor da Instrução Pública de Alagoas, cargo equivalente ao de secretário estadual da Educação, mas foi demitido meses depois. Entre as explicações, o escritor disse que “não tivera a habilidade necessária de prestar serviços a figurões”, além de suprimir das escolas o hino alagoano, “uma estupidez com solecismos”.

Foi preso em março, no mesmo dia em que havia dado o manuscrito do romance à datilógrafa. Nesta terça-feira (20), os 75 anos de Angústiacomeçaram a ser lembrados com um simpósio que será realizado em outubro, em cinco cidades. O livro ganhou uma edição comemorativa.

A abertura ocorreu em uma pequena sala da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), na zona oeste da capital paulista, com um dos principais leitores de Graciliano, o escritor e crítico Antonio Candido.

“Graciliano Ramos atuou em um dos momentos mais ricos da literatura brasileira, e eu me pergunto se não foi o mais rico”, diz Antonio Candido, referindo-se a um intervalo dos anos 1920 a 1960. Período iniciado pelo Modernismo, movimento importante do ponto de vista histórico, mas sem impacto naquele momento. “Quando estudamos hoje o Modernismo, temos a impressão de que todo o Brasil estava interessado nele. Foi um movimento pequeno, de grande importância histórica, mas sem muita repercussão.”

Nessa abordagem histórica, os anos 1930 trazem o declínio das oligarquias e o lançamento de romances mais acessíveis, abordando a realidade do país, no que se chamou neorrealismo ou neonaturalismo. Naquele momento, Antonio Candido, hoje com 93 anos, morava no interior de Minas Gerais e era um dos jovens que aguardavam com ansiedade a chegada dos livros que eram trazidos de trem e levados à livraria local por um rapaz chamado Batata.

São obras que, na visão de Antonio Candido, representaram uma descoberta do Brasil, sem que houvesse um projeto racionalmente elaborado, mas integrantes do processo histórico. São exemplos de romances que, conforme conta, aproximaram o leitor Antonio Candido do “pobre e do desvalido, da vida do negro, do plantador de cacau, do jagunço”. “Começamos a ver o Brasil pobre, esquecido, espezinhado.”

Ele conheceu Graciliano em 1947, quando o escritor preparava Memórias do Cárcere, publicado postumamente em 1953, ano de sua morte. Definiu-o como um homem muito educado e de pouca fala. Graciliano era “um militante muito convicto” do Partido Comunista; Antonio Candido, do Partido Socialista. Tempos em que essas legendas se estranhavam. “À esquerda às vezes se odeia mais do que à própria direita”, lamenta o crítico.

Em resenha publicada no ano de lançamento de Angústia, Jorge Amado disse que soube de gente que não conseguiu passar da página 30 do livro com medo de enlouquecer. “Mais uma vez eu quero dizer aqui uma coisa que já escrevi a respeito de Graciliano Ramos: os romancistas em geral nos dão diversas sensações fortes ou amáveis: nos comovem, por vezes nos fazem chorar, nos revoltam, nos põem melancólicos, enfim, fazem muita coisa. Porém, o romancista de Angústia nos arranca o estômago”, afirmou.

Para Antonio Candido, Angústia não é o melhor livro de Graciliano, mas foi recebido com reverência. Ele lembra de um primo que saudou o lançamento da obra como um verdadeiro Dostoéivski. O seu preferido é São Bernardo, que ele acredita ter lido no mínimo 20 vezes. Gosta também do filme baseado na obra, dirigido por Leon Hirszman em 1972. “Othon Bastos nasceu para aquele papel.”

“Acho uma sorte extraordinária da literatura brasileira contar com escritores de polos opostos”, diz Antonio Candido, citando estilos como o romântico, o barroco e o clássico. “Essa é a grande força da literatura brasileira”, acrescenta, destacando o “jogo dialético” que formaria autores como José de Alencar e Joaquim Manuel de Macedo, Machado de Assis e Euclides da Cunha e “o gordo e o magro”: Guimarães Rosa e Graciliano Ramos.

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