Estudo

Brasil investe menos por universitário do que Grécia, Holanda e EUA

Reitora da Unifesp desmonta mitos de que universidades federais têm orçamento elevado, gasta muito por aluno e atende a privilegiados

Arquivo/EBC

Maioria dos estudantes da Unifesp tem renda familiar de até cinco salários mínimos

GGN – Três questões sustentam os debates contra a manutenção das universidades públicas brasileiras: o primeiro, que o orçamento dessas instituições é desnecessariamente elevado; segundo, que o custo por aluno é alto; e, terceiro, atendem mais a parcela da população economicamente privilegiada.  

Durante sua participação no fórum Brasilianas – Saídas para o Brasil crescer, representando a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), a reitora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Soraya Smaili, apresentou dados que desmontam todos esses mitos, se baseando em um estudo feito pelo professor Nelson Amaral, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que há vinte anos acompanha o orçamento das instituições de ensino superior públicas.  

Em relação ao orçamento, diferente das universidades públicas de São Paulo que têm garantia de 9,57% de todo o recurso recolhido do ICMS, as instituições federais precisam da aprovação Lei Orçamentária Anual (LOA) da União, ficando refém, ano a ano, de contingenciamentos do Estado. 

De 2010 a 2017 o recurso disponibilizado para todo o sistema de universidades federais passou de cerca de R$ 38 bilhões para R$ 45 bilhões, não acompanhando, percentualmente, o aumento de unidades e do volume de novos estudantes que entraram no sistema. De 2003 a 2016, por exemplo, o total de Universidades Federais passou de R$ 45 bi para R$ 63 bi. Nesse mesmo período, a reitora aponta que os gastos com pessoal e aposentadorias saltou de cerca de R$ 29 bilhões para R$ 37 bilhões, portanto mais de 80% do orçamento.  

Para ajudar, do total de recursos disponibilizados para obras no sistema para este ano – R$ 1,5 bilhões –, 40% foram contingenciados pelo Estado. “E o mais dramático é que em 2018, onde o investimento vai ser zero, o ministério da Educação (MEC) determinou que o orçamento ficará retido e os recursos serão distribuídos conforme critérios que não conhecemos, tirando mais um pouco da nossa autonomia”, completa Soraya.  

Sobre a crítica de que o gasto por aluno universitário no Brasil é elevado – R$ 14 mil ao ano –, Soraya destaca que nosso investimento médio é inferior ao de países de ponta como Holanda, Noruega, Israel e, até mesmo, Grécia que viveu um período de grande crise econômica, como mostra a seguir o quadro montado pelo professor Nelson Amaral:

Vale destacar também que a expansão de matrículas foi significativa nas últimas duas décadas, passando de 363 mil, em 1995, para 1 milhão, em 2015. No mestrado, o número de matrículas no mesmo período passou de 23 mil para 136 mil. Já a contratação de professores, de 34 mil para 90 mil.

O trabalho de Amaral também apontou que no custo de um aluno das universidades federais está embutido outros gastos como despesas com pesquisa ou extensão, e a quantidade de professores que trabalham em tempo integral. 

Por fim, desmistificando que a universidade atende a classe economicamente mais rica do país, Soraya apresentou dados do perfil socioeconômico realizado em 2014, mostrando que 10% dos estudantes das federais vem de famílias com renda média de meio salário mínimo, 23% com renda entre 1 a 2 salários e 15% com renda entre 2 a 3 salários mínimos.

A Unifesp realizou um levantamento semelhante onde descobriu que o perfil socioeconômico do seu estudante é próximo ao da população do Estado de São Paulo. Além disso, volume de universitários vindos de família com renda bruta acima de 5 salários mínimos diminuiu de 51% para 31%, entre 2012 e 2017, e o volume de estudantes de famílias que recebem até 5 salários mínimos passou de 47% para 60,5% no mesmo período. 

“A universidade pública é o retrato da sociedade hoje. Não só cresce o número de estudantes mais vulneráveis e com pais que não tiveram educação superior, como aumentou muito o número daqueles que são o primeiro membro da família a cursar uma universidade”.

Mito da universidade de ‘classe mundial’ 

Para a reitora da Unifesp, o que atrapalha a conquista de autonomia financeira das universidades públicas é a disputa entre duas visões: de uma universidade de classe mundial versus a de uma universidade autônoma e inclusiva. 

A primeira compreende a Universidade como um local que, obrigatoriamente, deve se voltar à formação de elites, desvinculada de um projeto de país. A internacionalização está na diretriz da produção de conhecimento que precisa estar alinhado aos interesses da economia de mercado. Nessa dinâmica a acumulação de capital é central, exigindo a formação acelerada de pessoas. 

Por outro lado, o fator que permitiu, a partir do século 20, que a universidade se tornasse local do pluralismo científico e do conhecimento que, em alguns em diversos momentos transbordaram para a melhorar a sociedade, foi justamente a disputa para ampliar a democratização do ensino atendendo aos filhos das classes populares. 

Por isso, a Soraya defende a necessidade de reerguer o debate sobre a autonomia e proteção do ensino público, refletindo sobre a responsabilidade dessas instituições na popularização do ensino, pesquisa e extensão, produção de inovação e tecnologia, e outras questões que revelam o papel mais abrangente do ensino superior na sociedade do que simplesmente formação de mão de obra para o mercado.