Educação solidária

Na UFFS, estudantes são estimulados a criar cooperativas agroecológicas

Pioneira, Universidade Federal da Fronteira Sul vai abastecer restaurantes universitários com alimentos produzidos por alunos e abrir feiras orgânicas nos campi, beneficiando também produtores locais

Divulgação/UFFS

Em breve, restaurantes como o do campus gaúcho de Cerro Largo terão no cardápio itens da produção agroecológica de cooperativas de estudantes

São Paulo – Estimular a pesquisa agroecológica e a economia solidária por meio do cooperativismo entre os estudantes e do apoio à produção orgânica da agricultura familiar e associações de produtores locais. Estes são os principais objetivos de duas iniciativas pioneiras em curso na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS).

A mais adiantada, com início previsto para 2018, teve edital publicado no final de julho e está em fase de análise dos resultados. Consiste em uma linha de pesquisa no âmbito da iniciação científica, com início em 2018, que prevê a constituição de cooperativas de produção agroecológica pelos estudantes da graduação. E já tem comprador para os alimentos produzidos durante o projeto: os restaurantes universitários da própria universidade. 

Outro projeto, com proposta de edital sendo analisada pelo departamento jurídico, pretende instalar uma feira agroecológica no estacionamento da reitoria, localizada no centro da cidade de Chapecó (SC). Esse projeto-piloto de feira deverá funcionar a partir do final da tarde.

Assim, servidores da universidade e trabalhadores de Chapecó em geral poderão comprar frutas, legumes e verduras frescas, livres de agrotóxicos. Mais do que ser a primeira feira noturna da região, é também a primeira dentro de uma universidade federal do país a cadastrar feirantes para exibir e vender seus produtos sem ter de pagar quaisquer taxas.

“A agroecologia é um dos princípios norteadores da UFFS e é a ênfase dos nossos cursos de Agronomia. Para além disso, o fomento às práticas agroecológicas também foi um dos encaminhamentos das rodadas de debates realizadas nos campi da instituição sobre o uso de agrotóxicos nas áreas experimentais. É uma iniciativa que está integrada a um conjunto de outras ações que estão em andamento”, diz o vice-reitor e professor do mestrado em Agroecologia e Desenvolvimento Sustentável no campus Laranjeiras do Sul (PR), Antônio Andrioli.

Com campi na cidade catarinense de Chapecó, em Laranjeiras do Sul e Realeza, no Paraná, e Cerro Largo, Erechim e Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, a UFFS é uma das universidades criadas a partir da expansão da rede federal de ensino superior no primeiro governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A instituição tem mais de 10 mil estudantes matriculados em 44 cursos de graduação e 12 mestrados, que enfatizam em seus programas o cooperativismo, a economia solidária, a agricultura familiar e a agroecologia.

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Cadastrar produtores locais para expor e vender em feiras agroecológicas é um dos projetos na UFFS

Integração

Andrioli conta que a universidade trabalha para fortalecer a pesquisa em agroecologia e consumo de alimentos agroecológicos. “Nossa expectativa maior é em relação ao estímulo ao desenvolvimento de projetos de pesquisa integrando professores, técnicos e estudantes na produção de conhecimento através de experimentos produtivos nas áreas experimentais”.

De acordo com ele, as compras da agricultura familiar, por meio de cooperativas e associações para os restaurante universitários instalados em todos os campi, já são realidade na instituição. No entanto, a prioridade agora passa a ser as compras de alimentos orgânicos, produzidos sem agrotóxicos e transgênicos, fortalecendo assim a produção agroecológica na região e a oferta de produtos diferenciados para a comunidade acadêmica da universidade.

“Ao estimular a criação de cooperativas de estudantes, para comercializar a produção resultante das atividades experimentais, no âmbito da iniciação científica, em feiras orgânicas dos campi e nos restaurante universitários, aliamos economia solidária com agroecologia. E considerando que parte do resultado da comercialização dos produtos reverterá a um fundo, que destinará novamente recursos para projetos de pesquisa e extensão, a sustentabilidade futura estará sendo viabilizada pela união das iniciativas”, explica o vice-reitor.

Cooperativismo, agroecologia e educação estão entre os temas mais pesquisados por Andrioli. Em Trabalho Coletivo e Educação  (Editora Unijuí), de sua autoria, ele relata a experiência de educação cooperativa em escolas, iniciada 1993, na região noroeste do Rio Grande do Sul. Trata-se de uma reflexão critica de um trabalho que ele próprio desenvolveu aos 19 anos de idade, e que coordenou, por 6 anos seguidos, em 41 escolas de ensino fundamental de 11 municípios, envolvendo mais de 10 mil estudantes.

Diferente de outras experiências de educação cooperativista, o Programa de Cooperativismo nas Escolas (PCE) foi pioneiro no Brasil ao desenvolver atividades práticas de cooperação em escolas, que serviam de base para a produção de conhecimento e a aprendizagem. Os alunos criavam cooperativas e a sua experiência de convivência cooperativa era analisada de forma multidisciplinar nas aulas.

“Assim como a democracia, cooperativismo se aprende com a prática. Por isso os alunos faziam viagens de campo a cooperativas da região e do estado, participavam de debates com dirigentes e lideranças. O curso culminava com um grande encontro dos estudantes para praticar Jogos Cooperativos“, conta Andrioli. 

Ele lembra que a necessidade humana da convivência é o terreno fértil para a cooperação. E que os estudantes clamam por espaços de convivência, de vida social, de participação. “As cidades se tornaram espaços de vidas solitárias, deprimidas e sem sentido. Tecnologias de comunicação certamente contribuem com isso; ao mesmo tempo que oferecem a ilusão da interatividade. As escolas estão cada vez mais confrontadas com os problemas da violência, da falta de respeito ao ser humano, da ausência de solidariedade”.

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O vice-reitor Andrioli (direita) e a então presidenta Dilma Rousseff, em 2011, conversando sobre plano de obras

Trabalho coletivo

Uma das principais conclusões do seu livro sobre trabalho coletivo e educação é a percepção acerca da importância da convivência humana na escola. Ou seja, trata de reconhecer que, para além da aprendizagem de conteúdos, a educação precisa ser capaz de humanizar, de construir novas relações sociais, mais democráticas e mais participativas.

“E essa é uma experiência que dá certo. Mas, certamente, encontra muitos limites na estrutura escolar tradicional, autoritariamente hierarquizada, fragmentadora e reprodutora de conhecimento e centrada na competição por notas.”

O trabalho coletivo, presente em todos os espaços – assim como a apropriação privada dos resultados dele – é um grande diferencial do cooperativismo: que não somente o trabalho seja coletivo, mas também a apropriação dos seus resultados. Trata-se da democratização da economia.

“Não adianta primeiro acumular para depois distribuir. É necessário construir formas de autogestão e auto-organização que permitam a distribuição dos resultados de acordo com o trabalho realizado. Isso é democracia no seu sentido pleno, não apenas democracia formal, mas real. O absurdo é constatar que as pessoas normalmente preferem o contrário e passam a ser excluídas, exploradas e alienadas na sua condição de trabalhadores. As pessoas aceitam isso por que foram educadas assim. Eis o maior desafio da educação: construir espaços de vivência da democracia que permitam uma ampliação cada vez maior da participação coletiva, num processo que humaniza e liberta sem chegar a um final, pois nunca seremos humanos e democráticos demais”, explica.

Convergência

No doutorado, na Alemanha, Andrioli pesquisou soja, comparando as versões transgênica e orgânica. Entre as conclusões, a importância da auto-organização de agricultores e consumidores, com base na economia solidária. O tema cooperativismo voltou a ser estudado por ele no pós-doutorado, na Áustria, e seu livro, em alemão, está pronto para ser publicado.

Com trajetória marcada pela crença na juventude e na necessidade de ampliar o acesso de jovens ao ensino superior, ele participou da comissão de implementação da Universidade Federal da Fronteira Sul.

Ele destaca que a criação da UFFS é um dos raros momentos de convergência de movimento sociais fortes, preparados, interessados e motivados com a disposição de um governo em criar uma universidade naquela região. “Venceram a participação, a democracia, a educação, a aprendizagem e a organização social”, diz.

E chama atenção para o fato de que cooperação e a solidariedade são mais fortes entre grupos sociais mais necessitados e em períodos de crise econômica, como agora, quando o cooperativismo volta a ser visto como alternativa.

“A união das pessoas geralmente decorre de uma necessidade econômica, mas, a partir da cooperação, se inicia um movimento que ultrapassa o âmbito da economia, e se converte em movimento político, educativo e pedagógico. O pressuposto inicial, entretanto, não é teórico e, por isso, não se trata de moralizar a economia ou afirmar princípios de convivência. O importante é partir da experiência prática, de exemplos que mobilizam, pois não são os discursos que mudam a realidade e sim as ações”, pondera. “O conhecimento serve para refletir a ação e construir práticas transformadoras. Por outro lado, analisar a conjuntura é uma atitude necessária para modificar a realidade, mas todo conhecimento precisa ser contextualizado localmente, culturalmente e historicamente.”

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Em 2013, Dilma Rousseff sancionou lei que destina para a educação 75% dos royalties do pré-sal

Ameaças

Ele lembra o ciclo de expansão da educação brasileira em todos níveis de 2003 para cá. Que o Plano Nacional de Educação estabeleceu metas e que, finalmente, era possível contar com um planejamento rumo a um novo cenário.

“Mais do que isso, com uma lei determinando que 75% dos royalties do petróleo e 50% do chamado Fundo Social do Pré-Sal fossem destinados à educação, estava, finalmente, prevista a origem dos recursos para isso”, diz.

Conforme ele, o reconhecimento de que não haveria nada mais estratégico do que investir em educação animou educadores de todo o país, após um longo período de crise, desmonte, sucateamento e privatização da educação.

Estavam em pauta, conforme Andrioli, problemas estruturais, como a superação do analfabetismo, dos déficits da escola básica pública e do elitismo do acesso à educação superior, ambos contemplados na proposta. As novas universidades, o Reuni, o ProUni e o Fies deram um impulso muito grande para isso. O período era de novas oportunidades.

“Assim, por exemplo, chegamos a 15% de estudantes de 18 a 24 anos no ensino superior. A expectativa era de chegarmos a 20% em 2020. Parece pouco isso? Sim, na América Latina empataríamos, por exemplo, com o Paraguai.  Mas, antes era de apenas 10%”.

O vice-reitor lembra que até então a maioria das vagas nas universidades públicas era ocupada por alunos de escolas privadas e com recursos para pagar cursos preparatórios ao vestibular.

E que com a ampliação da oferta de vagas, o acesso por meio do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), a Política de Cotas e de auxílio à permanência de estudantes, mudou o perfil dos estudantes brasileiros.

Andrioli adverte, porém, sobre as ameaças que pairam sobre essas conquistas. “Com a EC 95 e a desvinculação dos gastos do orçamento do governo federal com a educação, aliado à mudança na destinação de recursos do pré-sal, o contexto é de cortes. Falo em cenário de risco, porque é algo que ainda não se sabe. Mas também temos os perigos. Ou seja, já estamos sabendo de alguns desdobramentos mais sérios como os cortes de investimentos nas universidades públicas. Essa política é conhecida da década de 1990 e a mesma equipe que naquela época estava no governo agora está dirigindo o Ministério da Educação.”

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