Polêmica

Comissão debate o pagamento dos mais ricos nas universidades públicas

Tema dividiu opiniões durante audiência na Câmara. Para alguns, pode ser uma fonte de recursos. Para outros, o importante é uma reforma tributária que aumente a contribuição geral

Acervo/Comissão de Educação

Contribuição dos mais ricos no ensino superior estimula debate mais amplo sobre justiça tributária no Brasil

São Paulo – A Comissão de Educação da Câmara dos Deputados debateu hoje (22) a possibilidade de contribuição financeira de alunos ricos em universidades públicas. A audiência pública foi convocada pelo deputado federal e presidente do colegiado, Caio Narcio (PSDB-MG), que afirmou que o encontro não tinha o objetivo de discutir um projeto, mas era “para decidir se iremos ou não propor algo”.

As opiniões se dividiram durante as três horas de debate. No começo da audiência, o professor da Instituição de Ensino Superior em São Paulo (Insper) e da Universidade de São Paulo (USP) Naercio Menezes apresentou dados indicando a queda da desigualdade nos últimos 20 anos, aumento da escolarização no ensino superior e crescimento do número de matrículas. Entretanto, desde 2014 as despesas da União ultrapassaram as receitas, comprometendo a situação financeira do ensino superior público.

Para o professor do Insper e da USP, o sistema atual é injusto, pois as “famílias ricas estudam em escolas privadas no ensino médio e entram em universidades públicas no ensino superior,  subsidiadas pelo governo”. Segundo Naercio Menezes, apesar da política de cotas ter resolvido parte do problema sem diminuir a qualidade da educação, o sistema ainda subsidia os mais ricos. Como proposta, o professor sugeriu que os alunos paguem no ensino superior o mesmo valor pago na escola privada durante o ensino médio.

A proposta foi logo depois rechaçada pelo deputado Flavinho (PSB-SP). De acordo com o parlamentar, muitos pais pagam a escola privada de seus filhos no ensino médio com enorme “sacrifício”. “Não é justo isso ser parâmetro”, afirmou.

Na audiência, a professora da Universidade de Brasília (UNB) e pesquisadora em financiamento da educação Cristina Helena Carvalho apresentou um estudo dividindo os alunos do ensino superior público em cinco quintos, do mais pobre ao mais rico. Com dados do IBGE, ela mostrou que o quinto mais rico, considerando o rendimento mensal domiciliar per capita, representa 36,4% dos alunos matriculados em 2014. Em comparação, em 2004, os estudantes mais ricos representavam 54,5%.

Esses dados, segundo a professora da UNB, comprovam a “modificação expressiva” do perfil dos alunos, uma mudança que tem aproximado o perfil dos estudantes do ensino superior público ao da população brasileira. Cristina Helena ponderou que, em 2014, 19,8% dos alunos nas instituições federais tinham renda familiar mensal média entre cinco e 10 salários mínimos, e apenas 10,6% acima de 10 salários. Diante desse cenário, a professora avaliou que a cobrança dos mais ricos teria “pouca relevância como fonte de financiamento”.

“Esse debate tem aparecido também em outros países, mas no sentido inverso, dado o agravamento do endividamento das famílias”, afirmou Cristina Helena, citando como exemplo a situação nos Estados Unidos, Inglaterra e Chile.

Divergências

Lembrando o ditado em que se diz que “onde passa um boi, passa uma boiada”, a presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE), Marianna Dias, disse ser contrária à proposta e que a universidade pública e gratuita “é inegociável” para a entidade.

“Começa com os mais ricos e depois se abre um precedente”, analisou. Para ela, dizer que a cobrança dos alunos mais ricos ajudará no financiamento do ensino superior público é “não ter conhecimento da realidade” das instituições. “Precisamos ter responsabilidade com a nossa Constituição, que não pode estar à mercê da conjuntura.”

Entre os deputados membros da Comissão de Educação, o tema causou divergências. Enquanto os deputados Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), Pedro Cunha Lima (PSDB-PB) e Caio Narcio defenderam algum tipo de pagamento dos alunos mais ricos, os parlamentares Flavinho (PSB-SP), Pedro Uczai (PT-SC), Glauber Braga (Psol-RJ) e Alice Portugal (PCdoB-BA) criticaram a proposta. Para estes, a solução para o financiamento das universidade públicas deve estar associada à reforma tributária, para que os ricos paguem mais de modo amplo e não apenas pontualmente no ensino superior.

“Fico reticente em apoiar a proposta, não a discussão. Acredito que quem pode pagar mais, deve pagar. Por isso, primeiro deve ser feita a reforma tributária e depois de haver uma nova situação fiscal, podemos analisar o tema específico”, disse o deputado Flavinho (PSB-SP).

Em sua intervenção, Pedro Uczai incluiu o pagamento de impostos sobre lucros e dividendos na discussão. O parlamentar afirmou ser “demagogia” haver deputado favorável à proposta, ao mesmo tempo em que esses parlamentares aprovam o congelamento dos gastos públicos por 20 anos. “Levando em conta o que tem sido votado nessa casa, não acredito que todos querem a melhoria da escola pública”, afirmou.

“Devemos lutar pela justiça tributária e a taxação das grandes fortunas. Espero que tenhamos juízo histórico, por que isso levará a uma regressão”, exclamou a deputada baiana Alice Portugal.

Em posição intermediária, o deputado Aliel Machado (Rede-PR) criticou duramente o congelamento dos gastos públicos por 20 anos, defendeu uma auditoria da dívida pública e a taxação das grandes fortunas, mas ponderou que a polarização do debate deve ser evitada e o tema analisado com responsabilidade.

“Talvez não seja o caminho antes de resolver outros problemas, mas também não é verdade que se trata de privatização, pois sobre isso sempre serei contra. Mas não é o caso, é a canalização de um mecanismo que custeie as universidades”, afirmou, numa tentativa de encontrar um meio termo diante de proposta sabidamente polêmica.