inovação nacional

De amaciante que repele insetos a banco comunitário, jovens cientistas inovam

No total, 763 deles apresentaram seus protótipos ao longo da semana na maior feira de ciências do país. “Queríamos desenvolver algo que ajudasse as pessoas”, diz estudante

Divulgação

“Temos uma mania de subdesenvolvimento, como se disséssemos ‘posso consumir, mas saber como funciona é para os coreanos'”, diz coordenadora

São Paulo – Amaciante de roupas que repele o mosquito Aedes Aegypti, sachê de purifica a água em 12 minutos, rampa portátil para que cadeirantes subam com facilidade qualquer degrau e um banco comunitário que facilita o microcrédito para fomentar pequenos comércios locais. Estes são alguns dos 346 projetos inovadores desenvolvidos por cientistas de 13 a 20 anos, de todos os estados, com um único objetivo: encontrar soluções para problemas de suas comunidades e ajudar as pessoas a viver melhor.

Os 763 jovens cientistas apresentaram seus protótipos para estudantes e profissionais de áreas tecnológicas ao longo dessa semana na 15ª edição da Feira Brasileira de Ciência e Engenharia (Febrace), a maior do país na categoria, realizada na Escola Politécnica de São Paulo, na Cidade Universitária, zona oeste da cidade. Ainda hoje (24) o corpo de jurados selecionará projetos para representar o Brasil na Feira Internacional de Ciências e Engenharia em Los Angeles,  nos Estados Unidos, em maio. Na edição do ano passado foram 13 representes brasileiros, dos quais 10 foram premiados. Participam da feira 70 países e só 20% deles ganham prêmios.

“Temos assistido ao problema do aumento de doenças provocadas por mosquitos: zika, dengue, chicungunha e febre amarela, e por isso começamos a pesquisar sobre substâncias repelem insetos. Daí tivemos a ideia de desenvolver um repelente que fosse misturado ao amaciante de roupas, comumente usado pela população”, conta Luana Engelmann, de 17 anos, que em 2016 concluiu o curso técnico de Química no Senai de Joinville (SC).

Preocupados em resolver um problema que afeta milhares de pessoas, Luana e mais dois colegas de curso chegaram a uma fórmula a partir princípio ativo IR 3535, que misturado ao amaciante foi capaz de manter as roupas com toque agradável e manter os mosquitos longe. Os cientistas também fizeram testes na pele de voluntários e nenhum apresentou alergias.

Ideias

“Fizemos testes em três armadilhas de mosquitos: uma com um tecido lavado com nosso amaciante, outra com um amaciante convencional e outra com um tecido lavado só com água. Apenas na armadilha com o produto que desenvolvemos, os insetos se concentraram na parte de cima, tentando se afastar do tecido, o que comprou a efetividade do produto”, relata Luana, que hoje estuda Engenharia Química. Outros testes mostraram que o amaciante não manchou a roupa. “Queríamos desenvolver algo que ajudasse as pessoas”, disse.

Foi o mesmo princípio que moveu estudantes da escola municipal La Salle, em Sapiranga (RS) a desenvolverem uma rampa portátil para que cadeirantes possam subir degraus com facilidade e autonomia. “Temos na cidade um vereador com deficiência física que instalou placas nas vagas reservadas com a proposta: ‘você trocaria de lugar comigo?’ Nós aceitamos a proposta”, conta o estudante Lucas Richet, de 14 anos.

Os estudantes foram para o centro da cidade conversar com cadeirantes e testar cadeiras de rodas. “Percebemos que de fato a locomoção é difícil por haverem poucos locais adaptados. Então pensamos em criar uma rampa portátil, que fica acoplada embaixo da cadeira de rodas e que os cadeirantes possam usar em qualquer lugar”, completa a estudante Eduarda dos Reis, de 13 anos.

O protótipo foi testado por pelo menos 40 cadeirantes, que aprovaram a ideia e sugeriram que ele fosse feito de alumínio para ficar mais leve e com materiais com superfície antiderrapante. As sugestões foram acatadas, dando origem ao segundo protótipo, com altura regulável de 13 a 21 centímetros. “Esse protótipo nos custou R$ 200, mas acreditamos que, se produzido em larga escala, poderia ser mais barato, para mais pessoas terem acesso”, conclui a estudante Luana Gabrielli Boes, também de 14 anos.

Autoestima

“O Brasil não conhece o Brasil. Temos um problema de autoestima e de passividade de ficar esperando uma solução mágica para resolver os problemas e ela não vai aparecer. Claro que de cima para baixo precisa melhor as políticas, mas é muito importante que de baixo para cima a gente tenha pessoas que usem o método científico para vida, não necessariamente para uma carreira científica, mas para tomar decisões baseadas naquilo que estou observando e analisando em profundidade”, diz a coordenadora da Febrace Roseli de Deus Lopes.

Foi a partir da observação da realidade do seu município que um grupo de estudantes também do Senai de Joinville desenvolveu um sachê químico que transforma água de rios, lagos, açudes e sistemas em água potável, em apenas 12 minutos, corrigindo 13 parâmetros impostos pelo Ministério da Saúde para a qualidade da água. “Na nossa cidade muitas pessoas moram em bairros de ocupação e usam água de poço porque não há abastecimento, por isso desenvolvemos essa substância”, conta a estudante Djenifer Karolayne, de 17 anos, que pretende patentear a invenção junto com os colegas e o Senai.

Para cada litro de água que se quer purificar, basta adicionar o pó químico presente no sachê e em poucos minutos o pó se une às impurezas e as leva para o fundo da vasilha, por meio de decantação. As impurezas são então removidas com filtro de coar café ou tecidos limpos. Testes realizados comprovam que o composto elimina a presença de amônia, cloretos e coliformes fecais sem prejudicar a saúde humana. “Ela pode inclusive otimizar processos produtivos que demandam água”, planeja.

“Comecei a trabalhar com crianças antes de entrar na universidade porque se não trabalharmos esse espírito empreendedor, quando eles entrarem na universidade estarão apáticos, estudando para resolver o problema individual de ter uma emprego e não para transformar o mundo para melhor”, diz Roseli. “Acompanhamos esses jovens depois da feira e muitos têm uma trajetória totalmente diferenciada. No final do ano, uma delas se formou em Biologia e aprofundou o trabalho que tinha apresentado aqui. Ele foi publicado nos Estados Unidos e ela entrou direto no doutorado na Universidade de Oxford. Outra foi direto para o doutorado na Universidade da Pensilvânia (também nos EUA). Lá fora eles veem que são alunos diferenciados e pegam.”

De Maripá (PR), dois jovens do Colégio Estadual Pio XI trouxeram para a Febrace um projeto inovador. “Queremos que as pessoas possam verificar em suas casas se estão de fato comendo produtos orgânicos ou não, já que eles custam mais caro”, conta o estudante Matheus Thim, de 16 anos. Para isso, ele e a colega Maria Fernanda Baumann apresentaram na feira uma fita que, misturada a um composto químico desenvolvido pelos jovens, muda de cor de acordo com a presença de agrotóxico.

Depois de ter contato com a substância de análise, a fita fica azul escura. Ela então deve ser friccionada à hortaliça por 30 segundos. Se o alimento for 100% orgânico, a fita ficará azul mais claro, porém, se for atestada a presença de agrotóxicos, ficará verde.

“Temos uma mania de subdesenvolvimento. É como se disséssemos ‘eu posso consumir, mas saber como funciona é para os coreanos, eles são muito inteligentes’. A gente precisa mudar essa cultura, precisamos de investimentos e de política pública”, diz a coordenadora do evento, Roseli de Deus Lopes. Em um recado para os professores, ela pede: “valorize a pergunta do aluno, porque as coisas não são óbvias, a humanidade demorou séculos para descobrir muitas coisas.”

A coordenadora geral de Popularização e Divulgação da Ciência, do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Leda Cardoso, concorda. “O Brasil custou muito a começar a investir em ciência e ainda está atrasado em relação a outros países. Os pesquisadores têm muitas dificuldades com apoio, poucos recursos, falta de equipamentos e muita burocracia, mas em relação a fazer a ciência chegar na criança é uma coisa cultural, que as pessoas ainda não entendem o benefício. Para ser cientista tem que começar de pequeno perguntando: ‘Por que o mar é salgado?’”, diz.

“É importante dizer que o país precisa de mais investimentos nessa área. A gente teve picos em 2013 e 2014, mas de lá para cá vem caindo muito. As feiras de ciências estão com orçamento muito reduzido. Até certo ponto conseguimos sem dinheiro, mas a partir daí não dá mais e são necessários investimentos e investimentos de forma continuada, senão acaba destruindo tudo o que se levou anos para construir”, diz Leda.