MEC defende recomendação de extinguir reprovação nos primeiros anos do ensino fundamental

São Paulo – O Ministério da Educação (MEC) recomenda a implantação da progressão continuada nos três primeiros anos do ensino fundamental das redes pública e privada. Se adotada, a medida […]

São Paulo – O Ministério da Educação (MEC) recomenda a implantação da progressão continuada nos três primeiros anos do ensino fundamental das redes pública e privada. Se adotada, a medida representa, na prática, o fim da reprovação dos estudantes nesse período. Apesar disso, a coordenadora de Ensino Fundamental do MEC, Edna Martins Borges, não vê contradição entre a orientação e o compromisso da presidenta Dilma Rousseff para a área.

Em seu, até agora, único pronunciamento em rede nacional de TV, em fevereiro, Dilma expressou a intenção de “acabar com essa trágica ilusão de ver aluno passar de ano sem aprender quase nada”. A alusão é à situação de estudantes da rede pública de estados e municípios que adotaram um modelo de extinção da reprovação, sem avaliações periódicas, o que produz déficits de aprendizado em uma parcela significativa dos alunos.

A coordenadora acredita que a presidenta fala em encerrar episódios de aprovação automática no país. A diferença disso para a progressão continuada é que, neste caso, o fim da reprovação seria acompanhada de outras medidas pedagógicas.

“Temos de acabar com a cultura da reprovação que é muito forte no Brasil e temos de criar a cultura da progressão continuada”, destaca, em entrevista à Rede Brasil Atual. “O Brasil é um dos países que mais reprova no mundo. Se reprovação significasse melhor aprendizagem e melhores resultados, nós estaríamos no topo”, dispara.

A recomendação defendida pela coordenadora do setor no MEC partiu do Conselho Nacional de Educação (CNE). A orientação foi publicada e homologada pelo ministério em dezembro de 2010. Trata-se de uma resposta à ampliação do ensino fundamental para nove anos e a entrada mais cedo das crianças na escola, aos 6 anos.

A progressão continuada seria aplicada pelo menos aos três primeiros anos do ensino fundamental, que constituem o ciclo da alfabetização, mesmo se o sistema de ensino ou a escola fizerem opção pelo regime seriado. Neste último caso, a sugestão é de considerar os três anos iniciais do ensino fundamental como um bloco pedagógico ou um ciclo sequencial em que não há interrupção provocada pela reprovação.

“Reprovar crianças de seis anos é antecipar o fracasso escolar”, prevê Edna. Ela explica que a decisão do MEC procura justamente melhorar o processo de alfabetização. “É preciso dar mais tempo para que as crianças concluam o processo de leitura, escrita e conhecimento básico dos cálculos”, aponta.  

Em 2008, de acordo com dados do censo escolar, 78 mil crianças de 6 anos foram reprovadas em todo Brasil. A frustração das crianças ao sofrerem uma reprovação nessa idade causa grandes traumas e pode tirá-las do processo de aprendizagem, segundo Edna.

A medida também procura garantir a ampliação do tempo de alfabetização e respeitar ritmos diferentes de aprendizagem. “Algumas crianças aprendem mais rápido do que outras”, lembra Edna. A reprovação seria possível apenas ao final do ciclo. “Quanto mais velha a criança for, mais condições de compreender (os motivos de haver) a reprovação”, diz.

Progressão continuada

Edna sabe da polêmica que envolve o assunto e considera positiva a discussão. Mas critica a confusão entre progressão continuada e aprovação automática. “Há uma diferença entre aprovação automática e progressão continuada. A primeira é aquela em que criança é aprovada sem nenhum trabalho especial para ela. Na progressão continuada, a criança é acompanhada diariamente nos seus processos de aprendizagem”, distingue.

Na análise da coordenadora, a adoção da progressão continuada exige a reestruturação dos currículos e conteúdos, avaliação contínua e processual, acompanhamento constante e um projeto específico para alunos com dificuldades no processo de aprendizagem.

O pleno funcionamento da fórmula também depende de uma maior participação dos pais na vida estudantil dos filhos e continuidade das ações em casa. “Isso exige da parte dos pais acompanhamento muito grande. Que os pais participem das reuniões, ajudem os filhos, leiam para as crianças, acompanhem  o desempenho e não deixem que elas faltem em hipótese alguma”, enumera Edna.

A professora frisa que alunos com dificuldades de aprendizagem precisam de estratégias específicas durante o processo educacional. “Supondo que um aluno chegue ao final do ano com dificuldade, no ano seguinte ele vai ter um projeto específico, porque assim tem condições de avançar mais do que se não ficar abandonado, jogado.”

A coordenadora do MEC admite que, na prática, esse sistema de ensino exige amadurecimento. Na ausência de mecanismos de apoio necessários, há o risco de se instalar a aprovação automática.

Polêmica

Especialmente pela falta de condições, outros especialistas questionam a adoção da progressão continuada. A professora Onaide Schwartz Correa de Mendonça, coordenadora do curso de pedagogia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Presidente Prudente, acredita que o Brasil não está preparado para adotar a progressão continuada.

“Esse sistema pode funcionar em países avançados, onde a população alcançou um nível de conscientização e compreendeu que o estudo faz parte da vida, que é indispensável, e que o conhecimento, além de ser um instrumento poderoso, é o único bem que não pode ser roubado”, descreveu, em entrevista realizada em setembro.

“Hoje as condições de trabalho nas escolas estão precárias, não só do ponto de vista material, mas principalmente emocional. Os professores estão adoecendo em função do desgaste causado pela falta de respeito, interesse e vontade dos alunos”, situa Onaide.