Wall Street e o 'Brazil'

‘Mercado’ quer mais reformas e eleição sem candidatos ‘esquisitos’

Representante de fundo de investimento diz que não mexer na Previdência seria um desastre: 'Acho que essa informação já chegou em Brasília'

Reprodução/Amcham-Brasil

Representantes do mercado financeiro afirmam que visão do Brasil “é positiva no longo prazo”

São Paulo – Se em pesquisas o governo Temer aparece com índices altos de rejeição, entre os gestores do mercado financeiro a aprovação é plena. Representantes de empresas e de investidores analisaram hoje (12) a economia brasileira e seu poder de atração para negócios, “sob a perspectiva de Wall Street”, tema de evento promovido pela Amcham (Câmara Americana de Comércio) e o Council of the Americas, entidades que se dedicam a influenciar e debater políticas públicas e a fomentar “melhor ambiente” para investimentos. O encontro foi concluído com discurso do prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), que enfatizou seu programa de privatizações e, com olho em 2018, atacou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Para a CEO da Amcham Brasil, Deborah Vieitas, “o Brasil está na rota da melhoria”. Os analistas que participaram do evento elogiaram o plano de reformas do atual governo, que consideram indispensável, e pediram continuidade. Só manifestaram alguma preocupação, sem citar nomes, com a possível presença de candidatos “esquisitos”, que provoquem instabilidade, nas eleições marcadas para 2018. Dali em diante, a expressão sobre os “esquisitos” seria repetida pelos convidados.

“Estamos bastante otimistas com a reforma da Previdência e trabalhista”, disse o diretor da Temasek Holding (companhia de investimentos de Cingapura, com US$ 1 bilhão investidos no Brasil), Matheus Villares. “Acho que todo mundo está apostando nisso”, acrescentou. Segundo ele, o efeito das reformas já está “precificado” pelo mercado. “Acho que se não acontecer vai ser um desastre, e acho que em Brasília já chegou essa informação.”

Para a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, a queda da inflação é um sinal de direção adequada. Talvez com uma “dose de sorte”, com um cenário internacional de pouca volatilidade cambial ajudando o Banco Central. Ela enfatizou o diagnóstico que teria sido negligenciado durante anos: “Não tem pedalada, não tem contabilidade criativa, a gente está falando de uma agenda muito importante de ajuste fiscal”. Zeina destacou o “time econômico impecável e um governo com capacidade política de aprovar reformar difíceis, como a da Previdência”.

O único senão estaria em “nomes esquisitos no ano que vem”, que poderiam conturbar o ambiente político e econômico. “A gente precisa de um político conectado para dar continuidade ao ajuste fiscal. Temos um Estado disfuncional, inchado. As políticas públicas precisam ser reavaliadas, cada uma delas tem dono.”

“Reforma crucial”

O diretor-executivo da Fitch Ratings, Rafael Guedes, disse que o mundo vem de um ciclo negativo, mas já existe melhora no horizonte, com alguns “focos de atenção”, como África, América Latina e Oriente Médio. Ele elogiou a Emenda Constitucional 95, de controle de gastos públicos, comparando-o a uma garrafa com um líquido em fermentação – o recipiente, que antes era de borracha, agora é de vidro. “Essa parede ainda é fraca, mas o líquido não consegue mais se expandir”, afirmou Guedes, para quem a reforma da Previdência “é crucial para o desenvolvimento futuro do Brasil”. 

Ele disse esperar que da montanha não saia um “ratinho”, em relação à reforma que será aprovada. O ideal, segundo o diretor, seria manter a idade mínima de 65 anos tanto para homens como para mulheres. Mas Guedes observou que as reformas no setor previdenciário são periódicas. “Os Estados Unidos fizeram várias, a Suíça acho que fez 17, é algo constante.”

Segundo ele, o país tem um mercado interno “muito atrativo, mais confiável, mais previsível”. É preciso solucionar a morosidade do Judiciário, acrescentou.

Zeina enfatizou a permanência, com percalços, de uma agenda liberal no Brasil, desde o governo Collor, no início do anos 1990. Fernando Henrique fez privatizações, implementou um tripé macroeconômico e iniciou algumas políticas sociais. Lula “consolidou essas políticas, consolidou a política macroeconômica e avançou em agendas microeconômicas, principalmente no primeiro mandato, enquanto estava o (ex-ministro Antonio) Palocci”. Já a ex-presidenta Dilma Rousseff, segundo ela, “não entendeu nada, o retrocesso foi enorme”. 

Para o diretor da CPP Investment Board (administradora do plano de previdência oficial do Canadá), Rodolfo Spielmann, a visão do Brasil “é positiva no longo prazo”, com ambiente regulador mais estável, previsibilidade e instituições sólidas. “Temos um mix de fatores que fazem o país atrativo no longo prazo”, afirmou, também elogiando as reformas e observando que ainda “temos muitas pela frente”, como a tributária e a política.

Matheus, da Temasek, vê no Brasil uma “classe média relevante” e um “setor privado muito ativo, muito bem preparado, até globalmente”. Para ele, é preciso enfrentar problemas como a quantidade de processos trabalhistas, a burocracia e a questão tribuitária. “O paciente saiu da UTI, está na recuperação”, avaliou.

O país tem problemas sérios de infraestrutura, diagnosticou o CEO do J.P. Morgan Brasil, José Berenguer. O banco norte-americano tem aqui sua quinta operação em termos mundiais, atrás apenas de Estados Unidos, Inglaterra, Hong Kong e Japão. Ele destacou estudo em que se projeta para 2030 mais da metade (52%) do PIB mundial em mercados emergentes, ante 28% do G7, o grupo das nações mais desenvolvidas.

Grande parte desse movimento virá da China, mas Berenguer considera o Brasil como o mercado mais desenvolvido, só que com desafios no “mundo real”, citando rodovias, “as piores dos mercados emergentes”, assim como ferrovias, porto e transporte aéreo.