Distorções

Taxa real de juros desmente Temer e segue elevada, apesar da redução na Selic

Apesar das sucessivas reduções na Selic, juros reais registraram elevação até três meses atrás e só agora começam a cair, ainda timidamente, colaborando para o aprofundamento da recessão

CC/Pixabay

Taxa Selic cai, mas juros reais no Brasil são so mais altos do mundo, mesmo com recessão e desemprego

São Paulo – O governo Temer vem alardeando a superação da crise econômica, com base, entre outros indicadores, na queda dos índices de inflação e também na queda da taxa básica de juros, a Selic, supostos méritos do dream team (time dos sonhos) da área econômica liderado por Henrique Meirelles (ministro da Fazenda) e Ilan Goldfajn (presidente do Banco Central). Contudo, uma leitura mais atenta aponta certo “falseamento da realidade”, pois os números oficiais escondem verdade muito mais dura, em que persiste o aumento do juro real, num período de grave recessão econômica, colaborando para o agravamento da crise. “Na verdade, as boas notícias são derivadas de péssimas notícias”, resume o professor Guilherme Mello, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). 

Apesar do corte de 1 ponto percentual, decida na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em abril, fixando a taxa Selic em 11,25% ao ano, ainda vigora no país uma taxa de real juros em torno de 6,55%, a maior do mundo. O juro real considera a taxa básica em relação à inflação. Mesmo com a trajetória de redução da Selic iniciada em setembro de 2016, a taxa real de juros seguiu subindo até janeiro deste ano. Desde então, a taxa real teve leve redução, mas ainda se mantém em patamares equivalentes aos do fim do ano passado, conforme demonstrado no gráfico abaixo. 

Vai seguir nessa trajetória enquanto a queda da inflação for mais veloz que a queda na Selic. Existe perspectiva, no médio prazo, de que a inflação pare de cair – devendo chegar próximo a 4% e estacionar – e a Selic continue caindo e, só então a taxa real cair também”, diz Guilherme Mello. Para que essa distorção fosse corrigida em tempo, os cortes na Selic teriam de ser mais ousados, completa o economista. O Copom se reúne novamente no final de maio.

Essa taxa de juros real pode ser calculada dividindo a taxa de juros nominal (a Selic) pela inflação para o mesmo período. Com a prévia da inflação para abril em 4,41%, –  de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-15), calculado pelo IBGE – chega-se a uma taxa real de cerca de 6,55%. 

Analistas de mercado chegam a prever taxa de real de juros de 5% no final de 2018, ainda assim, bastante elevada no comparativo internacional. Entre os países em desenvolvimento, Argentina e México, por exemplo, registram juro real de 3,53% e 2,25%, respectivamente. Já nos países desenvolvidos, as taxas são ainda menores, chegando até a números negativos para Estados Unidos, zona do euro e Japão. 

“Na realidade, o fenômeno da queda da taxa de juros é derivado do processo de desinflação criado pela recessão. A inflação está caindo porque temos um desemprego recorde, as pessoas não estão comprando, a miséria está crescendo e não tem demanda”, detalha o economista.

Segundo ele, a manutenção da taxa de juros real elevada inviabiliza a retomada do crescimento econômico, porque encarece a tomada de crédito (empréstimos) pelos agentes econômicos (indivíduos, famílias e empresas). Sem crédito, o consumo não avança, impedindo, assim, o combate ao desemprego. 

“Não há queda estrutural dos juros. O que importa, que é o crédito, não está barateando, seja pela taxa de juros real muito elevada, seja pelas taxas cobradas pelos bancos”, aponta Guilherme Mello. Para ele, o “falseamento da realidade” produzido em torno das taxas de inflação e de juros podem ser comparados aos também alardeados superávits na balança comercial, que só são possíveis por conta da retração das importações, o que é mais um sintoma da crise. São essas as “péssimas notícias” comemoradas como positivas pelo governo e, majoritariamente, pela mídia tradicional.