Retomada?

Não há vetores para o crescimento, e limite de gasto é ‘jabuticaba’

Economista não vê motivos para 'euforia' com redução da Selic. Para ele, emenda do teto parte de premissa equivocada e vai limitar políticas anticíclicas do Estado. Impeachment agravou a crise, afirma

arquivo pessoal / facebook

Lacerda: juro real projetado está agora em quase 7,5% ao ano e representa a taxa mais alta do mundo

São Paulo – Para o economista e professor-doutor Antonio Corrêa de Lacerda, coordenador do Programa de Estudos Pós-graduados em Economia Política da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, não há motivo para euforia com a queda nos juros básicos anunciada na semana passada, quando o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central cortou a Selic em 0,75 ponto percentual. O Brasil continua sendo um país “muito fora da curva”, diz, com taxa elevada para os padrões internacionais.

Ele vê uma tendência de recuperação cíclica, mas critica a emenda que limita gastos públicos, que chama de “jabuticaba” – por só existir no Brasil. “Estamos limitando desnecessariamente um instrumento muito importante, que é a participação do Estado em políticas contracíclicas”, afirma.

Para Lacerda, o impeachment, em vez de acabar, intensificou a crise. Provocou mais instabilidade, diz ele, “pelo simples fato de que foram quebradas regras básicas de funcionamento da normalidade democrática e do Estado de direito, com casuísmos absolutamente incompatíveis com a transparência e lisura do processo”.

 

Na semana passada, ao comentar a redução da Selic, o sr. falou que o Brasil continua “muito fora da curva”, considerando inflação e juro real. O quanto estamos fora?

Desde a crise de 2008, o mundo vive um longo período de taxas de juros muito baixas e até mesmo negativas. O Brasil é uma grande exceção. Muitos demonstraram euforia com a queda de 0,75 ponto percentual ocorrida na taxa básica de juros, agora em 13% ao ano. O fato é que pouca coisa mudou. Considerando a projeção do Boletim Focus (média do “mercado”), a inflação (IPCA) para o ano 2017 é de 4,8%. Considerando ainda que a inflação fechou em 6,3%, em 2016, a média esperada de 2017 é de 5,5%. Portanto, o juro real projetado (Selic-IPCA) está agora em quase 7,5% ao ano. De longe, a mais alta do mundo e muito acima da rentabilidade média das atividades produtivas. Ou seja, continuamos (muito!) fora da curva.

Historicamente, o país nunca esteve na taxa “ideal”, certo? Em um período recente tivemos uma série de cortes, até 7,25%, mas parece ter havido reação forte do sistema financeiro. O chamado mercado continua predominando em relação ao setor produtivo?

Há ainda uma cultura de juros elevados. Quando a taxa caiu há alguns anos, observava nas minhas palestras e conversas que muita gente reclamava que suas aplicações financeiras renderiam menos! E não se tratava de grandes, mas pequenos aplicadores. Ou seja, no Brasil até quem não é rentista, pensa e age como tal!

A política monetária do atual BC inspira confiança? As sinalizações são de novas reduções nos juros.

De novo recorrendo ao Boletim Focus, que é publicado semanalmente pelo Banco Central e que colhe a expectativa de boa parte do mercado financeiro, o prognóstico é que a Selic se reduza gradualmente chegando a 9,75% ao ano, o que tem sido apontado como grande feito. Mas, considerando-se a expectativa de inflação, no mesmo Focus, é de 4,8% em 2016 e 4,5% em 2017. Ou seja, considerando este cenário a Selic real cai, mas permanece em 5% ao ano. Excessivamente elevada para padrões internacionais.

Em um sentido mais amplo, a política econômica sinaliza um caminho de recuperação? Os editoriais dos grandes jornais parecem mais otimistas…

Há uma tendência de recuperação cíclica. Depois de dois anos de queda, o PIB deve parar de cair em 2017, podendo apresentar leve crescimento. Mas, para isso é preciso que a política monetária seja mais favorável ao crescimento, com juros mais baixos, não apenas na taxa básica, mas ao tomador final, além de outras medidas. (O governo prevê crescimento de 1% no PIB, mas vai revisar essa estimativa.)

E a chamada “PEC do Teto”, a agora Emenda Constitucional 95, que limita os gastos por 20 anos? Quais os efeitos possíveis para a economia? Recentemente, o sr. usou o termo “auto-engano coletivo” (por causa de comparações entre a PEC e o orçamento doméstico).

A PEC do teto parte de um diagnóstico equivocado de que todo gasto público é maléfico, o que é um grande equívoco. A consequência é que estamos limitando desnecessariamente um instrumento muito importante, que é a participação do Estado em políticas contracíclicas. É outra “jabuticaba” que só existe no Brasil. Nenhum outro país criou uma rigidez tão grande para os seus gastos públicos.

Ainda em relação a esse ponto, há algum indício de retomada dos investimentos, que são imprescindíveis para um começo de recuperação?

Se o setor público está limitado, vamos depender do setor privado. Mas há grande ociosidade na indústria, por exemplo. Outro ponto, se é possível ganhar tanto aplicando em títulos públicos, para quê investir na produção?

Essa recuperação não fica mais difícil com a diminuição do Estado?

Sim, porque o Estado tem nos seus gastos com investimentos e programas sociais um papel anticíclico, ou seja, de estímulo à economia.

O país cresce em 2017? Parece que as previsões ficaram mais moderadas. O sr. vê alguma chance de melhora, por exemplo, na produção e no mercado de trabalho, com investimentos represados, renda em baixa e crédito restrito?

O mercado de trabalho depende fundamentalmente da atividade econômica, que continuará fraca. Portanto, o desemprego ainda vai piorar antes de melhorar. A renda continuará apertada. O crédito escasso também vai continuar limitando a demanda. Portanto, não há vetores para o crescimento.

No setor externo, o cenário pode ser mais favorável ao Brasil, que teve superávit recorde em 2016?

O saldo das contas externas é muito bom, mas, decorrente muito mais das nossas mazelas do que virtudes: a recessão derrubou as importações, enquanto que a reação das exportações não é suficiente para alavancar a economia.

Qual foi o peso da crise política na crise econômica? Havia base para acreditar que um impeachment resolveria os nossos problemas? Ou, pelo contrário, caminhamos para um agravamento da situação?

Está claro que o impeachment gera mais instabilidade do que confiança, pelo simples fato de que foram quebradas regras básicas de funcionamento da normalidade democrática e do Estado de direito, com casuísmos absolutamente incompatíveis com a transparência e lisura do processo. O resultado é que a crise não acaba, mas se intensifica com o impeachment.