Para economista, câmbio causa desindustrialização no Brasil desde 1994

Setor industrial perde participação no PIB desde o início do Plano Real. Valorização da moeda acentua perda de competitividade

Economista refuta também a ideia de que a queda da participação da indústria na economia, com o crescimento do setor de serviços, seja um movimento natural com o crescimento de renda per capita (Foto: © Guilherme Pupo/Folhapress – arquivo)

Porto Alegre – Para o economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE), Fernando Lara, ocorre, de fato, uma desindustrialização do Brasil, causada principalmente pela valorização do real. Mas isso acontece desde 1994, conforme mostra a análise da participação da indústria na composição do Produto Interno Bruto (PIB) e na geração de empregos no país.

“Nesses dois critérios (PIB e geração de empregos), temos redução da participação industrial”, constata Lara. O mesmo pensa o ex-ministro da Fazenda, Rubens Ricupero. Ele afirma que o câmbio é uma das causas da desindustrialização. O presidente do Sindicato das Indústrias de Máquinas e Implementos Agrícolas do Rio Grande do Sul (Simers), Claudio Bier, aponta a questão trabalhista, que tira a competitividade das empresas, como uma das principais razões para a desindustrialização sofrida pelo país.

Lara divide o período de 1994 até os dias de hoje em três épocas diferentes. De 1994 até 1999, com o real muito valorizado, ocorreu uma redução da importância da indústria na economia brasileira ao mesmo tempo em que a própria atividade industrial teve queda absoluta em geração de empregos e produção. Entre 1999 e 2003, com o real desvalorizado, não houve queda nem relativa à participação da indústria nem em números absolutos.

A partir de 2004, com uma valorização cambial crescente, emprego e PIB industriais apresentam aumentos, mas em ritmo inferior a outros setores da economia. Na prática, a participações proporcional vem diminuído. “Os dados sugerem a importância da valorização do câmbio para o processo de desindustrialização”, afirma Fernando Lara.

O economista refuta também a ideia de que a queda da participação da indústria na economia, com o crescimento do setor de serviços, seja um movimento natural com o crescimento de renda per capita. “Tem autores que dizem que isto é natural, mas nos países asiáticos isto não se verifica com tanta força como na América Latina. Se fosse natural, seria de se esperar que isto ocorresse também por lá”, diz.

Para Lara, o câmbio também explica em parte isto: “Os asiáticos conseguem manter taxas de câmbio competitivas”. Além do câmbio, Lara acredita que os altos preços das commodities estimulam a produção do setor primário. “É possível que o aumento do preço das commodities esteja influenciando”, diz.

Importância relativa internacional

O ex-ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, afirma que a desindustrialização também ocorre de forma relativa ao crescimento de outros países. “Não significa apenas que o país está produzindo menos. Também tem a desindustrialização relativa. Se na siderurgia, por exemplo, o Brasil cresce de um para dois, e Índia e China crescem de um para 15, em termos relativos o Brasil está se desindustrializando”, explica.

Para Ricupero, o câmbio é o problema que acentua recentemente a falta de competitividade causada por problemas antigos do país: alta carga tributária, altas taxas de juros, problemas de infraestrutura e burocracia. “As razões são muitas. O câmbio é um dos fatores. De uns dois anos para cá, é o que tem feito mais diferença”.

O economista afirma que a desindustrialização é mais perceptível em alguns setores. Ricupero diz que o Brasil não consegue ser competitivo nos setores mais dinâmicos da indústria. “Nunca conseguiu criar uma indústria farmacêutica comparável às grandes indústrias mundiais; perdeu a chance de construir uma indústria eletrônica avançada e a indústria química é também muito precária”, diz. Ele recorda, por exemplo, que o país teve uma indústria incipiente em informática e telecomunicações nos anos 1980 e até meados da década de 1990, indústria que praticamente sumiu.

Concorrência forte

Outros setores que sofrem desindustrialização no Brasil são os que necessitam de muita mão-de-obra, como as indústrias têxtil e calçadista – esta última com grande repercussão no Rio Grande do Sul. “Basta ver o que aconteceu com a indústria calçadista no Rio Grande do Sul. Boa parte desta indústria não existe mais. Muitos técnicos da indústria de Novo Hamburgo hoje moram na China”, diz Rubens Ricupero.

As questões trabalhistas são um dos fatores que tornam a concorrência não só da China, mas de outros países asiáticos, muito difícil de ser batida, especialmente nestas atividades que carecem de muita mão-de-obra. Claudio Bier, ressalta que na China, por exemplo, os trabalhadores têm jornada de doze horas e apenas um dia de descanso por semana. “É uma concorrência muito difícil”.

Bier afirma que o Rio Grande do Sul tem sofrido como todo o Brasil com esta concorrência e também lembra do câmbio como um problema. “O Rio Grande do Sul, como todo o país, está sofrendo essa invasão da China e de outros países asiáticos, como a Coreia do Sul e até o Vietnã. Estão tirando muito mercado da indústria brasileira. O dólar muito baixo, a entrada de produtos até subfaturados, isto é um problema muito sério”.

O empresário conta que esteve na China há pouco tempo e retornou com medo do que ainda está por vir. “Estive na China e voltei assustado. Antes eles só produziam bugigangas e produtos de má qualidade. Agora estão começando a produzir coisas de primeira qualidade e com preços bem inferiores aos nossos”, diz. Bier afirma que a indústria de maquinário agrícola ainda não teve maiores problemas com os chineses, porque eles não possuem tecnologia comparável à brasileira neste setor. “O pessoal está começando a comprar componentes na China para agregar nas máquinas. Para a fabricação das máquinas eles ainda não chegaram à tecnologia do Brasil”.

Inflação ou câmbio?

Segundo Fernando Lara, o Brasil não consegue resolver a questão do câmbio porque vive hoje um grande dilema. Com os juros altíssimos, o país atrai muito capital estrangeiro, mantendo assim o real valorizado. Se reduzir os juros, porém, o país poderá perder o controle sobre a inflação. “Este é o grande dilema: o câmbio valorizado tem muito a ver com a estabilização dos preços. Se o câmbio for desvalorizado, gerará um choque inflacionário importante”, afirma.

Para Rubens Ricupero este problema teria uma solução, que os governos relutam em tomar. Ele afirma que a redução drástica de gastos do governo permitiria ao país baixar os juros sem gerar inflação. “A solução seria combater a inflação com a redução forte dos gastos do governo e, com isso, a redução da dívida pública. Isto permitiria reduzir os juros, e haveria menos pressão sobre o câmbio. Soluções existem, mas que o governo tem relutado em tomar”, diz.

Fonte: Sul21