Mesmo sob pressão de movimentos sociais, BNDES não muda foco de investimento

Em audiência com comunidades afetadas por projetos financiados pelo BNDES, o presidente do banco, Luciano Coutinho, afirmou que medidas de mitigação estão sendo discutidas, mas se esquivou de cobranças por redirecionamento

O único compromisso assumido pelo BNDES foi de “levar a sério” o documento produzido por movimentos sociais que criticam a ação do banco (Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil)

Rio de Janeiro (RJ) – Representantes de comunidades e populações atingidas por empreendimentos financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) se reuniram esta semana com o intuito de pressionar por mudanças na conduta do principal banco estatal brasileiro de fomento. Após três dias na capital fluminense para o encontro organizado pela Plataforma BNDES – rede de mais de 30 organizações e movimentos sociais que acompanha os impactos da atuação do banco, eles ouviram do presidente do banco, Luciano Coutinho, apenas uma promessa de “reiterar o compromisso de levar a sério o documento (elaborado pelos participantes)”.

Na audiência entre as partes realizada na quarta-feira (25), Luciano Coutinho não deu abertura para as demandas de reorientação política e econômica sugeridas pela sociedade civil. Segundo o presidente do BNDES, a instituição tem desempenhado um papel fundamental no setor produtivo – muitas vezes evitando que empresas quebrem, o que, segundo ele, “seria pior”. De acordo com ele, o banco tem atuado nos setores sociais e ambientais dos projetos onde tem participação societária e tem financiado apenas projetos com licenciamento ambiental. Advertiu ainda que “se a empresa omite ou distorce (dados sobre os impactos), isso é um problema de interlocução entre nós”.

A possibilidade de debate sobre a redirecionamento do crédito e a priorização de investimentos em projetos de desenvolvimento social em detrimento dos apoios ao setor macroempresarial parece não encontrar espaço na agenda do atual presidente do BNDES. De acordo com João Roberto Lopes, coordenador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Luciano Coutinho reafirmou total alinhamento com o atual modelo, desconsiderando a Plataforma BNDES como interlocutor na medida em esta se baseia na cobrança de mudanças estruturais e não se contenta com mitigações.

O encontro da Plataforma BNDES se concentrou em questões como acesso maior a informações (disponibilização da totalidade da carteira de projetos privados, classificação de risco ambiental dos projetos e critérios de aprovação, condicionantes socioambientais e cláusulas de suspensão de contrato), participação e controle (as populações diretamente impactadas pelos projetos devem ser consideradas, informadas e consultadas durante a análise dos projetos de financiamento do Banco), e remodelação da agenda de desembolsos do banco, atualmente direcionada a grandes empreendimentos. As demandas vieram acompanhadas de depoimentos de lideranças indígenas e de agricultores sobre problemas ambientais, sociais, fundiários e econômicos gerados pelos projetos apoiados pelo BNDES.

“É difícil conversar com o senhor, que financiou a nossa desgraça”, desabafou Cleide Passos, ribeirinha atingida pelas obras de construção da Usina Hidrelétrica (UHE) de Santo Antônio, no Rio Madeira, em Rondônia, que recebeu R$ 6,1 bilhões do BNDES. A família de Cleide foi uma das desalojadas pela obra, e hoje enfrenta grandes dificuldades em função da impossibilidade de praticar a agricultura de subsistência. “O senhor está financiando a nossa morte; é a nossa desgraça que o senhor assinou”, acusou a ribeirinha, que não conteve o choro e teve que sair da sala para se acalmar.

Balanço

João Roberto Lopes, do Ibase, frisou também a falta de implementação de medidas acordadas no primeiro encontro do presidente do Banco com a Plataforma BNDES em 2007. Na ocasião, o presidente do banco prometera reexaminar financiamentos do setor de papel e celulose, um dos mais impactantes do ponto de vista socioambiental.

De acordo com João Roberto, apesar de um pequeno avanço no quesito transparência – o BNDES passou a publicar, trimestralmente, dados sobre os financiamentos ao setor privado referentes aos últimos 12 meses, mas retira da pagina eletrônica as informações anteriores a cada nova publicação -, todas as demais demandas, e principalmente um estreitamento do diálogo com as entidades da sociedade civil, pouco avançaram e não apresentam nenhuma realização concreta.

Como resultado do I Encontro Sulamericano de Populações Afetadas por Projetos Financiados pelo BNDES, que reuniu cerca de 200 representantes de comunidades atingidas de todo o país, o coordenador do Ibase apresentou ao presidente do banco a exigência de que assuma as responsabilidades e co-responsabilidades pelos problemas causados por obras como as usinas do Madeira, e projetos de empresas como Aracruz e Votorantim (papel e celulose), bem como da Vale (mineração) e dos setores sucroalcooleiro e da pecuária, recordistas na exploração de mão-de-obra escrava.

Em resposta às organizações sociais, Luciano Coutinho refutou a falta de abertura para o diálogo e mencionou as recentes audiências com ambientalistas e com o Ministério Público Federal (MPF) para discutir mitigações e compensações dos impactos causados pelo agronegócio. De acordo com o presidente do BNDES, o banco está preparando uma série de manuais para os diversos setores em que atua – guias que deverão estabelecer protocolos e regras de conformidade para a observação de direitos sociais e ambientais das populações.

Uma nova rodada de negociações foi marcada para meados de dezembro, quando deverão ser apresentadas as considerações oficiais do banco de fomento sobre o documento do “I Encontro Sulamericano de Populações Afetadas por Projetos Financiados pelo BNDES”.

Na avaliação de Gabriel Strautman, secretário executivo da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, apesar superficialidade e da falta de compromisso que marcaram o posicionamento de Luciano Coutinho durante a audiência com os atingidos pelos empreendimentos, “ele ouviu as nossas considerações com atenção”. “Mas o diálogo com o BNDES só vai avançar com pressão e sob exigência contundente da sociedade”, prevê.

Fonte: Repórter Brasil