Parelheiros

Prefeitura de São Paulo reafirma ilegalidade de aeroporto em área ambiental da zona sul

Com parecer negativo da Secretária de Negócios Jurídicos, obra fica dependente de lobby na Câmara dos Vereadores para mudanças no plano diretor e na lei de uso e ocupação do solo

divulgação/Harpia

Aeródromo serviria para aviação executiva e receberia até 154 mil pousos e decolagens por mês

São Paulo – A construção do aeródromo de Parelheiros, na zona sul de São Paulo, vai depender de muita articulação política por parte de seus acionistas André Skaf, filho do pré-candidato ao governo do estado pelo PMDB Paulo Skaf, e Fernando Augusto Botelho, um dos herdeiros do grupo Camargo Correia, donos da Harpia Logística.

No mês passado, a Secretaria Municipal de Negócios Jurídicos emitiu parecer técnico, obtido com exclusividade pela RBA, em que considera ser ‘inadmissível’ a construção do aeroporto dentro dos parâmetros legais para uso e ocupação do solo daquela região.

O parecer responde a um questionamento da Harpia sobre um suposto conflito entre duas legislações específicas: o artigo 158 da lei de uso e ocupação do solo (13.885/2004 – Plano Diretor Estratégico), e o artigo 4º da norma que regulamenta instalação de aeródromos na cidade (15.723/2013).

A primeira norma proíbe a construção de certos tipos de empreendimentos não residenciais (nR3), dentre os quais se enquadram os aeródromos, em Zonas Especiais de Preservação Ambiental (Zepam) e Zonas de Proteção e Desenvolvimento Sustentável (ZPDS). A segunda determina que não se construa aeródromos em áreas exclusivamente residenciais. Para a Harpia, a situação compreende uma contradição entre as leis. E como a segunda trata diretamente de aeroportos, deveria se sobrepor à primeira.

A ação da empresa buscava reverter a decisão da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, que, em 31 de julho do ano passado, negou a certidão para o empreendimento.

A Procuradoria Geral do Município, no entanto, entendeu que as normas são complementares, o que foi acolhido pela secretaria jurídica. Além disso, o parecer ainda sublinha que, como se trata de um aeródromo privado, não se caracteriza necessidade pública. E a autorização da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), obtida pela Harpia em agosto do ano passado, não obriga o município a autorizar a construção na área desejada.

Sobre essa autorização, chamou a atenção a rapidez com que foi obtida pela Harpia, empresa constituída somente um ano e meio antes, conforme demonstrou o site Jornal GGN, do jornalista Luis Nassif.

Para o economista Mauro Scarpinatti, um dos idealizadores do Movimento Aeroporto em Parelheiros Não!, a ilegalidade da obra está demonstrada.

“O parecer é perfeito. Esclarece ponto a ponto que não há qualquer possibilidade legal de construir o aeroporto ali. Não se trata somente do impacto socioambiental, mas da lei”, afirmou.

Lobby

Por esse motivo, a implementação do aeródromo de Parelheiros depende agora de uma mudança na legislação municipal, no caso o Plano Diretor Estratégico (PDE) e a Lei de Uso e Ocupação do Solo, que permita este tipo de empreendimento na região.

Esse mesmo Plano Diretor está em processo de revisão, que deve ser concluído e votado pela Câmara de Vereadores neste ano. O texto preliminar entregue à casa, depois de uma série de debates e audiências públicas, não altera o quadro vigente, mantendo o local em que se pretende a construção como Zona de Proteção e Desenvolvimento Sustentável.

A RBA procurou a Harpia para saber quais seriam as alternativas para o impedimento da construção em Parelheiros. A assessoria de imprensa da empresa informou apenas que a companhia está “dialogando com autoridades municipais” sobre o caso.

Em uma audiência pública realizada em 9 de dezembro do ano passado, na Comissão de Política Urbana da Câmara Municipal, os vereadores Antônio Goulart (PSD), Alfredo Alves Cavalcante, o Alfredinho (PT), Milton Leite (DEM), Ricardo Nunes (PMDB) e Andrea Matarazzo (PSDB) se manifestaram favoráveis à construção do aeródromo. Como a revisão passa necessariamente pelos vereadores, existe a possibilidade de emendas e alterações no texto, que permitam a construção.

Nabil Bonduki, vereador pelo PT e relator do projeto de revisão é contrário à sua construção. “Não se pode deixar a região sem desenvolvimento, mas é preciso pensar em formas adequadas de empreendimentos, que respeitem o potencial da região”, disse, à época da audiência.

Porém, o vereador Goulart foi categórico ao afirmar que a Câmara não iria deixar a região sem o aeródromo. “Nós não podemos permitir que o desenvolvimento seja impedido”, disse.

A Câmara Municipal retoma os trabalhos na próxima semana. A previsão é de que a revisão do Plano Diretor seja votada até julho. A Lei de Uso e Ocupação será discutida em seguida na casa.

Histórico

A área de quatro milhões de metros quadrados onde a Harpia quer construir o aeródromo é conhecida como Fazenda da Ilha e fica próxima às Áreas de Preservação Ambiental (APAs) Capivari-Monos e Bororé Colônia, remanescentes de Mata Atlântica que se ligam ao Parque Estadual da Serra do Mar. Ao lado do terreno está a várzea do rio Embu-Guaçu, um dos principais formadores da represa Guarapiranga, responsável pro cerca de 30% da água potável consumida em São Paulo.

Os militantes do Movimento Aeroporto em Parelheiros Não! temem que a obra abra caminho para a ocupação desenfreada da região, tanto por empresas quanto por novos moradores. O projeto já contempla a construção de um posto da Receita Federal e de hotéis no local. Uma flexibilização do zoneamento atual permitiria o adensamento da ocupação e do comércio.

“É uma área que deveria ter apenas ações de desenvolvimento sustentável, que garantissem a preservação. Em 2007, começou a ser construído o Rodoanel. Agora vem o aeroporto. O que virá depois?”, ponderou o biólogo Leo Malagoli, especialista em biodiversidade, um dos contrários à implementação do aeródromo.

A Harpia alega que somente 15% da área será construída. O local receberia serviços de táxi aéreo, helicópteros, movimentação de cargas e armazenagem de peças de aeronaves. A capacidade seria de até 154 mil pousos e decolagens por mês. A pista teria 1.830 metros, 230 a mais que a do Campo de Marte (1.600), na zona norte da Capital, também destinado à aviação executiva.

A empresa defende que o empreendimento criaria 2 mil empregos diretos e 5 mil indiretos, contribuindo para o desenvolvimento da região, além de ter baixo impacto ambiental.