Plano Diretor de São Paulo é atrapalhado por conflito com leis de regulação urbana

Em segundo debate sobre PDE, representante da gestão Fernando Haddad sinaliza possibilidade de rever operações urbanas para garantir direito a moradia para pessoas de baixa renda

Nakano (direita) afirmou que o atual zoneamento da cidade é “um grande mosaico” (Foto: Renatto dSousa. Câmara Municipal)

São Paulo – É preciso equacionar o Plano Diretor Estratégico da cidade de São Paulo com a Lei 13885, de 2004, que disciplina o uso e a ocupação do solo da capital. A situação atual é de uma lei que boicota o plano, criado dois anos antes. Esta foi a principal conclusão do segundo debate para a revisão do projeto de ordenamento da cidade, realizado na noite de ontem (30), no Centro Cultural São Paulo, no bairro Paraíso, região central. Além disso, tanto o secretário Municipal de Desenvolvimento Urbano, Fernando de Mello Franco, como ativistas concordam que é preciso rever o objetivo das operações urbanas e a destinação da verba arrecadada com a outorga onerosa, que é o pagamento ao município para poder construir acima dos limites estabelecidos para determinada área.

A atividade teve inicio com a apresentação do diagnóstico técnico feito pela secretaria, explicado pelo Diretor do Departamento de Urbanismo, Kazuo Nakano. Segundo ele, há uma incompatibilidade entre o zoneamento disposto no Plano Diretor e o estabelecido na lei sobre uso e ocupação do solo. O resultado é que os limites das macrozonas, uma de proteção ambiental e outra de requalificação urbana, são distintos em cada documento. Além disso os zoneamentos praticamente se sobrepõem, tornando impossível a compreensão do ideal de cidade proposto e a coerência entre o plano e a lei, inviável. “O zoneamento é um grande mosaico. Essas coisas não conversam e deviam servir de base para se pensar o projeto de cidade”, avalia Nakano.

Os zoneamentos são as definições de um certo território da cidade por características específicas ou em relação à destinação que devem ter os empreendimentos realizados no local. Atualmente a cidade conta com seis zonas: Zona Especial de Preservação Ambiental (Zepam); Zona Especial de Preservação Cultural (Zepec); Zona Especial de Produção Agrícola e de Extração Mineral (Zepag); Zona Especial de Interesse Social (ZEIS); Zona Especial de Preservação (Zep); Zona de Ocupação Especial (Zoe).

A arquiteta urbanista Roquel Rolnik concorda com Nakano e defende uma discussão mais conceitual da cidade que queremos. “O zoneamento é o grande instrumento do Plano Diretor. No entanto, ele é autônomo, não há aderência entre eles. É preciso rever os conceitos de uso e ocupação do solo, pois os nossos são baseados em leis dos anos 1970”, afirma.

Um dos principais problemas para Raquel é a possibilidade de construir prédios mais altos, desde que maior área de terreno permaneça livre no solo. “Isso estimula a intensa verticalização de condomínios com grandes áreas de lazer privadas. Não promove boa relação entre público-privado e não promove adensamento habitacional”, avalia. Para ela, as operações urbanas são “a cobra comendo o rabo”.

O vereador José Police Neto (PSD) afirmou que o governo não está fazendo autocrítica, como se esquecesse que foi uma gestão petista que concebeu o plano. “Foi a condição de se verticalizar até duas vezes a área do terreno que permitiu a extrema verticalização a que chegamos. Além disso, criaram o direito de protocolo, que permitiu aos construtores, durante um ano, a apresentação de projetos concebidos pelos critérios legais anteriores ao plano. Isso causou a urbanização indevida das Zonas Especiais de Interesse Social, com empreendimentos de alto padrão onde devia ser privilegiado a moradia social”, critica.

Nakano concorda que o direito de protocolo precisa ser revisto e, se possível, evitado. Mas pondera que houve problema em virtude do descompasso entre a aprovação das leis. “O Plano Diretor é de 2002 e a lei de uso do solo é de 2004, mas só foi começar a valer mesmo em 2007, o que causou vários problemas”, explica.

No caso da outorga onerosa, Nakano expôs a arrecadação desde 2007 e a destinação pouco criteriosa da verba. No período, que compreende a gestão de Gilberto Kassab, a prefeitura obteve pouco mais de R$ 1 bilhão. Esse dinheiro deveria ser aplicado em regiões que demandam maior investimento em infraestrutura e têm carências urbanísticas, mas a prática é diferente da teoria: a maior parte da verba foi utilizada na região do centro expandido e a verba para as periferias acabou destinada na maior parte à reurbanização de favelas e a desapropriações.

Sobre as operações urbanas, que promovem intensas ações de urbanização em alguns locais da cidade, como a região da avenida Faria Lima e do bairro Água Branca, Nakano afirmou que elas causaram muitos problemas e não possibilitaram adensamento habitacional, como se esperava. “É preciso discutir, rever e usar com mais critério. A operação urbana atinge grandes áreas, mas não define claramente o que fazer. É preciso, por exemplo, que esteja atrelada aos traçados do transporte público, para permitir moradores de diversas condições sociais na região”, defende.

Para a arquiteta e diretora do Movimento Defenda São Paulo Lucila Lacreta, as operações urbanas são o maior desastre urbanístico que a cidade já sofreu. “O que se vê é a superutilização do solo sem qualquer contrapartida. As operações mais antigas não têm projeto urbano. É preciso saber como se está gerenciando tudo isso, pois o pouco dinheiro recolhido não foi sequer aplicado”, afirmou.

O secretário Fernando de Mello Franco, no entanto, defendeu os instrumentos de ação e política urbanas, ressaltando que é preciso melhorá-los. “O objetivo deste trabalho não é somente revisar o plano diretor e as demais leis, mas sim estabelecer um marco regulatório que seja coerente como conjunto”, disse. “As operações urbanas não são um problema em si. A questão é a unidade destes projetos. Temos de repensar isso a partir de uma visão de cidade”, complementa.

Nakano explicou que o município arrecadou R$ 5,6 bilhões com outorga onerosa em quatro operações urbanas: Água Espraiada, Centro, Faria Lima e Água Branca. Destes, R$ 2,3 bilhões foram utilizados e o restante já tem destinação definida. A grande questão é que o poder público tem cobrado valores considerados baixos pela concessão do direito a construir mais. Na revisão atual da Operação Urbana Água Branca, o valor cobrado em empreendimentos residenciais é R$ 700 por metro quadrado (m2). Para ilustrar, em 2002 o metro quadrado na Faria Lima custava cerca de R$ 3.900. Em 2011 chegou a R$ 13.674.

Cerca de trezentas pessoas estiveram presentes ao debate. O próximo será sábado, dia 4, no Campus Memorial da faculdade Uninove, na Barra Funda. A atividade terá início às 8h, com o tema habitação. Na parte da tarde a discussão será sobre meio ambiente.

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