Restringida pela lei, verticalização em SP estimula mercado e cria controvérsias

Plano Diretor inibiu construção de edifícios, mas demanda crescente por imóveis aumentou o número de empreendimentos: adensamento é visto como solução pelo setor imobiliário, mas cria problemas

A demanda anual por imóveis em São Paulo gira em torno de 30 mil unidades. “O mercado deve atendê-la”, diz o Secovi (Foto: Fernando Stankuns/Flickr)

São Paulo – Não há dúvida de que a cidade de São Paulo vem passando por um bum imobiliário nos últimos anos. Uma pequena volta pelas ruas provavelmente topará com obras em andamento, e uma olhadela nos números comprovará a tendência. De 2004 pra cá, foram lançados 263,4 mil novos imóveis residenciais na capital, dos quais 253,7 mil foram vendidos. O ano mais movimentado para o mercado imobiliário paulistano foi 2007, quando 39 mil unidades receberam o pontapé inicial e 36,6 mil acabaram encontrando comprador. A esmagadora maioria são prédios de apartamentos.

Coincidentemente, esse foi o período de vigência do Plano Diretor Estratégico (PDE), aprovado em 2002 e complementado, em 2004, pela Lei de Zoneamento. Mas se engana quem pensa que a legislação foi a responsável pela explosão dos empreendimentos imobiliários na cidade. “Houve uma ampliação no crédito imobiliário, e a renda das pessoas melhorou. O acesso à moradia ficou mais fácil. Então, se construiu muito”, contextualiza o ex-vereador e urbanista Nabil Bonduki, relator do PDE na Câmara Municipal. “Há uma impressão de que o plano diretor aumentou a possibilidade de verticalização, mas na verdade ele restringiu. E a restrição foi muito grande.”

As incorporadoras concordam. Porém, enquanto Nabil Bonduki avalia essa restrição como um dos pontos positivos do PDE, as empresas do setor imobiliário a criticam fortemente. De acordo com o Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo (Secovi), o plano diretor encareceu a construção de metros quadrados ao implementar um instrumento urbanístico chamado ‘outorga onerosa’, que vende às construtoras o direito de construir além da média permitida pela lei. A regra geral em São Paulo diz que, num terreno de x metros quadrados, está permitido construir até 2x sem permissão adicional. Portanto, caso o empreendimento queira superar esse índice, até um máximo de 4x, deve pagar por isso.

“Naquela época, já foi algo que causou muito impacto”, lembra o presidente do Secovi, Cláudio Bernardes. “Como havíamos dito, a outorga onerosa aumentaria o custo final dos apartamentos e dos produtos imobiliários, o que acabou ocorrendo efetivamente ao longo do tempo.” Daí que os representantes do mercado digam que a outorga onerosa, na tentativa de redistribuir pela cidade os lucros criados pelo capital imobiliário, acabou fabricando uma legislação elitista, que não facilitou o acesso da população à casa própria. “Não adianta fazer regra urbanística que economicamente não fecha a conta.”

Verticalização

Talvez o principal ponto de enfrentamento durante a elaboração do plano diretor em 2002 tenha sido a definição do potencial construtivo dos terrenos e dos bairros, ou seja, a quantidade máxima de metros quadrados que podem ser erguidos numa determinada área. A controvérsia continuará na revisão do PDE, em 2013. Os movimentos de moradia e principalmente as associações de bairro defendem que o plano diretor estabeleça um potencial construtivo pequeno, para restringir a verticalização da cidade: prédios em demasia, dizem, são um dos principais responsáveis pela descaracterização dos bairros e pelo caos no trânsito.

Já o mercado imobiliário argumenta que São Paulo não tem outra opção que não seja verticalizar e adensar cada vez mais, sobretudo nas regiões já providas de serviços, empregos e infraestrutura pública. “A cidade vai crescer ainda pelos próximos dez ou quinze anos, no mínimo. A demanda por apartamentos na cidade gira em torno de 30 mil unidades anuais, às vezes mais. Onde vamos colocar essa demanda? Vamos espalhar mais? Não tem mais lugar”, argumenta Cláudio Bernardes. “A verticalização é a única saída.” E é o que tem ocorrido.

O discurso do Secovi bate em algumas teclas já conhecidas por urbanistas, associações de bairro e movimentos de moradia. “Em todos seus pronunciamentos, o mercado afirma que precisamos ter uma cidade mais compacta e adensada. Mas não defende limites para esse adensamento”, contesta o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Cândido Malta Campos Filho. “Isso é irresponsável do ponto de vista social.”

Para o diretor do Instituto Pólis, Kazuo Nakano, as críticas do Secovi à outorga onerosa radicam na natural aversão do mercado em opor-se a qualquer regulação pública que afete sua margem de lucro. “O setor imobiliário sempre pressionou a prefeitura e os vereadores para garantir áreas onde pudesse ter o maior aproveitamento financeiro possível de seus empreendimentos”, diz. “Para eles, quanto maior a área que pode ser construída dentro de um terreno, melhor, porque podem vender mais e lucrar mais.”

Essa preocupação com a viabilidade econômica dos lançamentos imobiliários nem sempre vem acompanhada de uma preocupação com a dinâmica da cidade. Responsável pela elaboração do PDE em 2002, Jorge Wilheim, então secretário de Planejamento, afirma que as incorporadoras se prendem a outro princípio. “A lógica do mercado é lote por lote, não é o funcionamento da área urbana. A solução de cada empresa é maximizar os metros quadrados que serão colocados à venda”, afirma. “A rua só interessa como endereço do prédio.”

Demanda

Ao ser questionado sobre a saturação urbanística de algumas regiões de São Paulo com alto índice de verticalização, e seus reflexos no trânsito e na vida do bairro, o presidente do Secovi explica que não cabe ao mercado decidir onde haverá adensamento. “O setor não prefere lugares, o setor atende a demandas”, pontua. “O lugar que a população prefere, onde há demanda, é lá que o mercado vai atuar.”

Mas há controvérsias. “Não podemos ver a cidade como negócio”, contrapõe o advogado Heitor Marzagão, presidente do Movimento Defenda São Paulo, ao enumerar uma série de poréns no discurso do setor imobiliário. “Eles querem adensar em áreas de valorização imobiliária para depois produzir capital, e não resolver os problemas da cidade e dos cidadãos.”

“A questão chave é como a gente promove um tipo de verticalização que conduza a um melhor aproveitamento da terra urbana, mas que ao mesmo tempo garanta mais qualidade de vida à cidade”, pondera Kazuo Nakano. “Devemos induzir não só o adensamento de metros quadrados construídos mas também de pessoas vivendo e realizando atividades no mesmo espaço. Nosso padrão de verticalização não concentra pessoas, não qualifica a vida de calçada ou a convivência de moradias com comércio, e sim desertifica o espaço público e sobrecarrega o sistema viário.”

O adensamento, todos concordam, não é um problema em si. “Ter muita gente junto não é mal, é bom, porque isso cria oportunidades e atividades coletivas”, sublinha o arquiteto Jorge Wilheim. “O ruim é que, em São Paulo, junto com as pessoas, vêm os automóveis. E muitos automóveis juntos não é nada bom.” O idealizador do PDE de 2002 avalia que o sistema viário paulistano não tem flexibilidade para absorver a quantidade crescente de veículos. Atualmente são 7,6 milhões de carros circulando pela cidade, ou seja, 0,7 automóvel por habitante. “O próximo plano diretor tem que considerar o problema do adensamento a partir dos veículos, e não das pessoas.”

A Rede Brasil Atual, a Rádio Brasil Atual e a TVT apresentam esta semana uma série de reportagens sobre os 10 anos do Plano Diretor Estratégico de São Paulo. O que foi implementado, o que ficou de lado, quais os interesses envolvidos no debate. A Rádio Brasil Atual pode ser sintonizada na Grande São Paulo pela frequência 98,9 FM, no Noroeste paulista em 102,7 FM e no litoral paulista em 93,3 FM, ou em nossa página na internet.

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