‘Tribunais não devem conceder privilégios, mas fazer justiça’, diz advogado sem-teto

Manuel Del Rio comenta a relação entre movimento de luta por moradia e o Judiciário paulista. 'Se o poder público estivesse ativo, a população não iria para os tribunais'

São Paulo – Manuel Del Rio está envolvido com os movimentos de moradia de São Paulo há mais de 30 anos. “Comecei como militante, depois me formei advogado e passei a defender os sem-teto na Justiça”, diz, enquanto caminhamos entre tambores e gritos de ordem na marcha que a Frente de Luta por Moradia (FLM), com a ajuda de uma série de organizações populares, realizou hoje (11) para protestar contra reintegrações de posse e remoções forçadas em curso na capital.

Nesta entrevista, Del Rio explica que os prédios abandonados que pipocam pelo centro de São Paulo estão em situação ilegal porque não obedecem à função social da propriedade definida pela Constituição de 1988. O advogado da FLM também comenta o trabalho dos tribunais paulistas, que, segundo ele, ainda não percebeu que deve promover a justiça e não conceder benefícios aos setores mais abastados da sociedade.

Diante da subjetividade dos juízes na hora de emitir veredictos sobre reintegrações de posse e remoções forçadas, Del Rio ressalta a importância das mobilizações sociais para mostrar ao Judiciário e ao poder público que o povo está organizado e não vai abrir mão de seus direitos. O advogado comenta ainda que a luta por moradia em São Paulo ocorre principalmente nos tribunais porque o governo estadual e o municipal não fazem seu trabalho.

Qual é a situação jurídica dos prédios abandonados no centro de São Paulo?

Os prédios abandonados estão ilegalmente no centro da cidade. Uma propriedade deve ter função social, segundo nossa lei. Tem de ter uma utilidade. Se estiver fechado, está ilegal. Enquanto isso, o direito à moradia não é efetivo, não é concretizado.

Quantas ocupações a FLM mantém no centro atualmente?

São seis ocupações. Estamos defendendo a desapropriação e construção de moradia popular nestes prédios, como é o caso do Prestes Maia, Mauá, São João, Rio Branco… Queremos a desapropriação e adaptação para moradia popular.

Como está a situação jurídica dos prédios?

Todos estão sofrendo ameaças de reintegração de posse. De um modo geral, há negociações na tentativa de que o poder público compre esses imóveis e os transforme em moradia popular.

Como a justiça paulista lida com a ocupação de prédios abandonados no centro?

A justiça é muito retardatária e ainda não compreendeu o próprio ordenamento jurídico do país. A justiça deve fazer justiça, e não conceder privilégio para algumas pessoas. Quando ela dá reintegração de posse a um proprietário que não exerce domínio sobre a propriedade, ela está tomando uma atitude ilegal, injusta. Não está fazendo justiça. A sociedade moderna exige um Judiciário que promova um equilíbrio na sociedade. A justiça não pode ser utilizada pra intensificar o desequilíbrio dando direito a quem não tem.

Cada juiz julga de uma maneira?

Depende do juiz, claro, mas depende também mais das circunstâncias. Se o Judiciário perceber que a população está bem organizada, que a população não quer abrir mão daquele direito, então eles retrocedem. Se o Judiciário não perceber essa pressão social, ele dá a reintegração e joga o pessoal no meio da rua. Então, depende muito da circunstância e da conjuntura. Por isso é importante a manifestação, para mostrar ao Judiciário e ao poder público que os sem-teto não estão a fim de abrir mão de seus direitos.

Como você avalia o trabalho do Tribunal de Justiça de São Paulo?

Normalmente, na segunda instância o Judiciário é mais reacionário ainda e caça as liminares que os juízes dão favoravelmente aos sem-teto, porque é um grupo vinculado ao poder econômico, que não reconhece o direito da população.

Boa parte da luta por moradia em São Paulo se dá nos tribunais. Por quê?

Isso tem a ver com a inércia do poder público. Se o estivesse ativo, intervindo, fazendo moradia, atendendo à população necessitada, ela não iria para os tribunais. É uma pena ter de ir à justiça, sendo que a coisa poderia ser resolvida pelo poder público municipal, estadual e federal junto com a população. Seria mais democrático. Mas a paralisia do governo joga paro tribunal, e depois o tribunal joga as forças de ordem contra os sem-teto, que estão desarmados, lutando por seus direitos. Não tem cabimento esse tipo de coisa.

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