Comunidade critica liberação do projeto Nova Luz em SP

Responsável por ação contra Nova Luz, que garantiu liminar em janeiro, promete recorrer

Projeto que prevê desapropriações e demolições em região histórica de São Paulo é rejeitada por moradores e comerciantes da área (Foto: Maurício Morais)

São Paulo – Lojistas da região da rua Santa Ifigênia, no bairro da Luz, no centro da capital, lamentaram nesta sexta-feira (17) a suspensão da liminar que barrava o andamento do projeto de requalificação “Nova Luz”. Moradores estão preocupados por se tratar de um projeto com duração de 15 anos que pode sair do papel justamente em um “ano eleitoral e tumultuado”. De iniciativa da Prefeitura de São Paulo, o projeto Nova Luz prevê, entre outras ações, transferir a gestão de 45 quadras do bairro da Luz à iniciativa privada. No projeto do prefeito Gilberto Kassab (PSD) também está prevista a desapropriação e demolição de 50% da área compreendida no perímetro formado pela Rua Mauá e as avenidas São João, Ipiranga, Cásper Líbero e Duque de Caxias.

Na quarta-feira (15), decisão da desembargadora Vera Angrisani, garantiu a retomada do projeto. Em seu parecer, a magistrada avaliou a medida de iniciativa da Prefeitura de São Paulo, que será colocada em prática por empresa privada, como “política pública de ousada magnitude”. Ela também creditou ao projeto a missão de “reconduzir certa porção do território paulistano à condição original, visando a dignidade da pessoa humana, a cidadania e a função social da cidade, adequando-a aos tempos atuais”. Em outro trecho, ela cita que a liminar concedida anteriormente “agride a razoabilidade e a proporcionalidade exigíveis de todo ato estatal, administrativo, legislativo ou jurisdicional… Logo, não há que se falar em ausência de publicidade da concessão urbanística, estando presentes o fumus boni iuris (fumaça do bom direito) e o periculum in mora (perigo de demora) capazes de ensejar a concessão do efeito suspensivo pleiteado na peça recursal”. Liminar concedida pela 8ª Vara da Fazenda Pública, em 26 de janeiro, havia determinado a paralisação das ações do projeto urbanístico.

O projeto Nova Luz sofre oposição de lojistas e moradores da área. Para lideranças do bairro, a Prefeitura usa a rótulo de revitalização para promover uma privatização do local. “Se a prefeitura implantar a concessão urbanística via projeto Nova Luz, essa metodologia vai se alastrar pela cidade. Sabemos o que virá depois: Nova Lapa, novo tudo e ninguém mais vai ter tranquilidade nesta cidade”, apontou o empresário Assad Nader, membro do conselho gestor da Zona Especial de Interesse Social (Zeis) do projeto Nova Luz.

Após diversos embates jurídicos com a prefeitura, atualmente o principal temor de moradores e empresários que atuam na área é a abertura da licitação para escolher a empresa responsável por concretizar o plano de remodelação da região. A escolhida terá o direito de desapropriar imóveis, vender e alugá-los por 20 anos. Arquitetos e urbanistas também são contrários à medida por considerarem que representa a desconfiguração do último bairro histórico de São Paulo com traçado urbanístico do século 18.

De acordo com Joseph Riachi, presidente licenciado da Câmara de Dirigentes Lojistas da Santa Ifigênia, é “lamentável a simpatia do Tribunal de Justiça pelo projeto Nova Luz”. Segundo ele, os lojistas estão dispostos a melhorar a região, mas continuam sem aceitar as imposições do projeto, que não teve participação popular. “Somos a favor de revitalizar a área, mas da forma que a prefeitura age é uma pretensão maldosa”, disse.

O representante dos comerciantes promete aumentar a resistência ao projeto, se ele seguir com desapropriações por empresa privada e retirada de moradores e negócios da área. “A prefeitura e a administração local tem de entender o que a região precisa, não o que a prefeitura quer. Esperamos um projeto real, viável, adequado à região”, explicou. “No padrão que está, continuaremos a oposição com unhas e dentes para bloqueá-lo.”

Para a presidenta da Associação de Moradores AmoaLuz, Paula Ribas, o Conselho Gestor da Zeis, que voltará a funcionar com a suspensão da liminar que paralisou as ações, é uma oportunidade de construir um projeto social dentro do Nova Luz. Entretanto, ela se opõe ao início de um projeto que tem previsão para durar 15 anos e encontra oposição da comunidade.  “O desenvolvimento de um projeto desse porte em ano eleitoral preocupa. Vai se transformar num canteiro de obras e não há como isso ser saudável, no centro, porque não adianta chegar e demolir”, avaliou.

Propaganda enganosa

Para a urbanista e ativista da região Suely Mandelbaum, a decisão da desembargadora Vera Angrisani demonstra que ela “foi ofuscada” pela propaganda da prefeitura. Suely compara a publicidade maciça de Kassab à estratégia do ministro da Propaganda de Adolf Hitler, Paul Joseph Goebbels. “É aquela história do ministro de Hitler: uma mentira dita inúmeras vezes se tornará verdade,” citou. “Quando a desembargadora fala em dignidade, só se for do especulador imobiliário”, disse Suely.

Parte dos imóveis listados para desapropriação é de prédios novos ou recentemente reformados.

Novas medidas

O advogado responsável pela ação popular que obteve a segunda liminar contrária ao projeto Nova luz, Sergio Livovschi, afirmou que vai recorrer da liminar que suspendeu a decisão de primeira instância. Logo após o Carnaval, ele entrará com agravo regimental reiterando os pedidos da petição inicial. Ele esclareceu que a suspensão da liminar é válida até o julgamento definitivo do caso.

A ação movida por Livovschi questiona a participação popular na regulamentação da concessão urbanística. Segundo o artigo 180 da Constituição Estadual, qualquer legislação que altere quesitos de urbanismo deve ser motivo de audiência pública. Ele afirmou que o fato de a regulamentação da concessão urbanística (lei nº 14917/2009) ser publicada no mesmo dia da lei que autorizou a aplicação da medida na Luz, alterando inclusive o nome do bairro para Nova Luz ((lei nº 14918/2009), demonstra a ausência de discussão sobre o tema.

Outro problema no projeto da Prefeitura seria o “desvio de finalidade”. “O projeto de lei do Kassab dizia que não haveria investimento público. Mas, no desenvolvimento do projeto foi constatado o aporte de R$ 350 a R$ 600 milhões do poder público”, detalhou o advogado. “Se o projeto iria isentar a prefeitura de investimentos no local ,e depois se provou o contrário, havia um motivo falso. Ele enganou a própria Câmara que aprovou o projeto.” 

Embate

A requalificação da Luz já foi alvo de outra liminar em 25 de abril. Na ocasião, o desembargador Souza Lima, do Órgão Especial do Tribunal de Justiça, entendeu que a proposta da prefeitura poderia trazer uma “ampla intervenção urbanística sem observância do devido processo penal” e determinou a suspensão do projeto Nova Luz. A decisão atendeu a um pedido de Ação Direta de Inconstitucionalidade do Sindicato do Comércio Varejista de Material Elétrico e Aparelhos Eletrodomésticos no Estado de São Paulo.

A paralisação das ações de planejamento do projeto duraram uma semana. O próprio magistrado voltou atrás e garantiu a retomada do Nova Luz. O processo, sob responsabilidade do advogado Kiyoshi Harada, atacou a constitucionalidade da concessão urbanística e consequente transferência de um bairro histórico para a iniciativa privada. Ele analisou que a medida do prefeito fere o direito de propriedade assegurado na Constituição.

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