Marcas tradicionais da Santa Ifigênia podem desaparecer com o Nova Luz

Reformada há dois anos, Casa Aurora pode ser demolida para novos empreendimentos do projeto Nova Luz (Foto: Maurício Morais) São Paulo – Desapropriações previstas no projeto Nova Luz, de iniciativa […]

Reformada há dois anos, Casa Aurora pode ser demolida para novos empreendimentos do projeto Nova Luz (Foto: Maurício Morais)

São Paulo – Desapropriações previstas no projeto Nova Luz, de iniciativa da prefeitura de São Paulo, vão atingir empresas tradicionais de diferentes setores econômicos na região da Santa Ifigênia. Os prédios nos quais estão sediadas essas lojas constam no mapa de desapropriações, divulgado pelo projeto. Para representantes da Casa Aurora, Vedabras e JMC Comercial Elétrica, a localização do negócio é tão importante quanto a própria marca. 

“Padaria depende do ponto”, ensina Duarte Maurício Fernandes, dono da Casa Aurora. Além da insatisfação e das críticas direcionadas à falta de transparência e de diálogo com que a gestão do prefeito Gilberto Kassab (ex-DEM, a caminho do PSD) conduziu a questão, as empresas têm em comum o fato de estarem há mais de 30 anos no bairro.

Na região da Luz e da Santa Ifigênia, a prefeitura de São Paulo pretende implantar um projeto de “requalificação”, ainda no primeiro semestre de 2012. O principal argumento para levar o Nova Luz adiante é a degradação do bairro, estigmatizado como “cracolândia”, porque parte das ruas da região convive com concentração de usuários de drogas.

Moradores e comerciantes do bairro são contrários ao projeto por deixar de lado abordagens de saúde pública para lidar com o problema das drogas e por usar o modelo de concessão urbanística, que permite a empresas particulares promoverem desapropriações. A medida prevê intervenções com desapropriações e demolições de até 60% das construções de 45 quadras do bairro de Santa Ifigênia e Luz, na área delimitada pela rua Mauá e pelas avenidas Ipiranga, São João, Duque de Caxias e Cásper Líbero.

Insubstituível

Às vésperas de completar 50 anos, a Casa Aurora é sinônimo de pizza saborosa, que Fernandes começa a servir ainda no meio da manhã. Os três andares do empreendimento na rua Aurora também sediam restaurante industrial, padaria e escritório. O prédio foi reformado há dois anos e o financiamento de R$ 2 milhões contraído para revitalizar o prédio só terminará de ser pago no final de 2012.

Casa Aurora reformadaÉ comum a casa “exportar” pizzas para outras partes do Brasil, brinca o proprietário. “Nosso segredo são os ingredientes de primeira”, confidencia. No dia em que a reportagem esteve no local, Fernandes preparou pizzas para clientes levarem na bagagem em viagens a cidades de Goiás e do Pará.

A Casa Aurora emprega 60 funcionários, a maioria há 15 ou 20 anos. “Para alguns é o primeiro emprego”, diz. A possibilidade de mudar ou desapropriar a Casa Aurora é rechaçada pelo dono. “Tudo aqui: o mármore, os fornos, o inox da cozinha industrial, foram feitos sob medida. Não há como transferir para outro lugar, porque não é simples assim”, calcula.

Para Orlando Periotto Filho, proprietário da Vedabras, cuja loja de fábrica ocupa meia quadra da rua General Osório, seu ponto é “insubstituível”. “Muitos clientes não sabem nosso endereço, mas sabem que é aqui”, descreve.  Caso a intenção da prefeitura de desapropriar o imóvel seja confirmada, será “difícil a marca se refazer”, porque o endereço está atrelado à marca.

“A Vedabras tem muito mais valor do que o prédio. O problema não é o imóvel, é a localização que faz parte de nossa história”, sustenta. A empresa está há 36 anos no local e lidera vendas de vedações no país.

Pioneira

Sérgio Monteiro Camelo, proprietário da JMC Comercial Elétrica, tem o mesmo temor dos outros empresários. “Estamos aqui há 39 anos. Se houver a perda desse espaço, é irrecuperável”, avalia.  A loja foi uma das primeiras a se estabelecer na região que ficou conhecida como polo de comércio de materiais elétricos e informática. Na loja da rua Aurora, Sérgio emprega 112 pessoas entre a central de vendas, estoque e “balcão”. “Meu balcão sozinho vende tanto quanto uma loja inteira”, diz em alusão ao atendimento pessoal realizado na loja. 

Ele também avalia que a tradição do local, vale mais que a marca. “Não é exatamente o imóvel que importa, mas o fato dos clientes saberem que vamos fazer 40 anos no mesmo lugar”, afirma. “Não se muda isso de repente”.

O maior ressentimento do lojista é o fato de “a prefeitura nunca ter falado com as pessoas” sobre o projeto Nova Luz e o impacto dele com desapropriações. “Revitalizar é importante, mas somos totalmente contra pela forma como a prefeitura age”, aponta.  Apesar de ter seu imóvel listado para desapropriação, o lojista acredita na alternativa de os próprios empresários reformarem o bairro.