43 anos depois

Brasil é responsável por não investigar tortura e assassinato de Vladimir Herzog

Corte Interamericana responsabiliza o país pela morte do jornalista no DOI-Codi, em 1975. O Brasil precisa investigar crimes da ditadura, reitera filho de Vlado

Instituo Vladimir Herzog e Acervo EM

Herzog, com Clarice e Ivo: vítimas de crime de Estado. Na Sé, culto ecumênico histórico desafiou o regime assassino

São Paulo – O Estado brasileiro é responsável por não investigar os episódios que levaram a prisão política, tortura e assassinato – considerados crimes contra a humanidade – do jornalista Vladimir Herzog, o Vlado. Diretor de Jornalismo da TV Cultura, de São Paulo, ele foi encontrado morto em 25 de outubro de 1975 nas dependências do DOI-Codi, no local onde hoje funciona uma delegacia policial.

A decisão foi anunciada nesta quarta-feira (4) pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA). O tribunal intercontinental sentenciou ainda o Estado pela violação dos direitos dos familiares do jornalista de conhecer a verdade e de omitir-se quanto a assegurar sua integridade pessoal.

O documento da CIDH assinala que já era fato conhecido dos órgão competentes do Estado brasileiro a operação que levou Herzog à prisão e a interrogatórios sob tortura até que fosse assassinado. Menciona também o ambiente de perseguição que marcou o período da ditadura civil-militar, classificando-o como “um contexto de ataques sistemáticos e generalizados contra civis considerados opositores”.

Corte lembra que o II Comando do Exército mentiu, divulgando em “versão oficial dos fatos” que Herzog cometeu suicídio. A Justiça Militar também mentiu, ao confirmar a versão após “investigação”. Em 1992, as autoridades brasileiras iniciaram uma nova investigação, mas esta foi arquivada a pretexto de cumprir a Lei de Anistia, que valeria para opositores e apoiadores do regime. A lei, no entanto, não poderia proteger autores de crimes contra a humanidade, que são também imprescritíveis.

Relatório da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos apresentado 25 anos depois, em 2007, voltou a provocar o Ministério Público Federal a, finalmente, proceder investigações. O pedido voltou a ser arquivado pela Justiça brasileira, ratificando o argumento de 1992, com com base na Lei de Anistia, e alegando ausência de tipificação dos crimes contra a humanidade e, portanto, uma suposta prescrição dos crimes.

Com a abertura do processo perante a Corte Interamericana, o governo do Brasil reconheceu a conduta arbitrária do Estado – a prisão, a tortura e a morte de Vladimir Herzog – e os traumas decorrente desses crimes à família do jornalista. A CIDH reiterou a existência de crime contra a humanidade, de acordo com a definição dada pelo Direito Internacional. O Estado, portanto, não poderia alegar ou Lei de Anistia para justificar sua omissão no dever de investigar e punir os responsáveis.

Responsável pelo instituto que leva o nome do pai, Ivo Herzog escreveu um texto emocionado sobre a decisão. “Há 43 anos eu perdi meu pai. Assassinado violentamente. Uma pessoa de paz, que gostava de pescar, fotografar a família, de astronomia. Eu tinha 9 anos, meu irmão 7 e minha mãe 34. Ele morreu por desejar que todos tivessem o direito à livre manifestação em um Estado democrático. Pude conhecê-lo pouco. Ficaram 43 anos de luta para que provássemos que ele foi barbaramente torturado e assassinado. Ficou a luta, capitaneada por Clarice Herzog, pela Verdade e pela Justiça”, afirmou.

Não encontramos esta resposta no país que meu pai adotou como pátria. Tivemos que buscar nas Cortes Internacionais. Finalmente, hoje, saiu a sentença tão aguardada. Resultado de um processo doloroso que consumiu nossa família. O Brasil TEM que investigar os crimes da Ditadura. O Brasil precisa ter, como política de Estado, a Verdade e a Justiça, se queremos ter um país melhor, menos violento, justo”, disse ainda Ivo, agradecendo pelo empenho do Centro pela Justiça e Direito Internacional (Cejil) no processo. 

Termino agradecendo um lutadora implacável: minha mãe que dedicou TODA sua vida para que a verdade sobre a morte do pai de seus filhos viesse à tona. E que a justiça fosse feita. Obrigado mãe.”

A sentença completa do tribunal de direitos humanos da OEA pode ser lida aqui.

 

Confira a íntegra do comunicado da CIDH:

A Corte Interamericana concluiu que, devido à falta de investigação, bem como de julgamento e punição dos responsáveis pela tortura e pelo assassinato de Vladimir Herzog, cometidos em um contexto de ataques sistemáticos e generalizados contra civis, o Brasil violou os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial de Zora, Clarice, André e Ivo Herzog, estabelecidos nos artigos 8 e 25 da Convenção Americana, em relação com a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura.

Além disso, a Corte concluiu que o Brasil não cumpriu sua obrigação de adaptar sua legislação interna à Convenção, em virtude da aplicação da Lei da Anistia e de outras causas de exclusão de responsabilidade proibidas pelo Direito Internacional, descumprindo assim o artigo 2 da Convenção Americana.

Além disso, a Corte Interamericana concluiu que, embora o Brasil tenha empreendido diversos esforços para realizar o direito à verdade da família do Sr. Herzog e da sociedade em geral, a falta de esclarecimento judicial, a ausência de punições individuais em relação à tortura e ao assassinato de Vladimir Herzog, e a recusa em apresentar informações e fornecer acesso aos arquivos militares da época dos fatos violaram o direito de conhecer a verdade em detrimento de Zora, Clarice, André e Ivo Herzog, estabelecido nos artigos 8 e 25 da Convenção Americana.

Em virtude dessas violações de direitos humanos, a Corte ordenou várias medidas de reparação, incluindo aquelas destinadas a reiniciar, com a devida diligência, a investigação e o processo penal relativos aos eventos ocorridos em 25 de outubro de 1975, para identificar, processar e, se for o caso, punir os responsáveis pela tortura e pelo assassinato de Vladimir Herzog. A Corte também determinou que o Estado brasileiro deve adotar as medidas mais apropriadas, de acordo com suas instituições, para que se reconheça, sem exceções, a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade e dos crimes internacionais.