Invisibilidade

Evento discute preconceito e sexualidade das pessoas LGBT na velhice

'Viver sexualmente é fundamental para a manutenção da qualidade de vida', afirma antropóloga

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“Não nasci no corpo errado, mas na sociedade errada”, frisou a psicanalista trans Leticia Lanz

São Paulo – Para marcar o Dia Internacional do Orgulho LGBT, nesta quinta-feira (28), a ONG Eternamente Sou promoveu seminário que discutiu o preconceito e a violência que afetam essa parcela da população quando ultrapassam a vida adulta e alcançam idade avançada. Em uma sociedade baseada em um padrão heterossexual e que cultua a juventude, os idosos LGBT são relegados à dupla invisibilidade.

Excluídas do mercado de trabalho, afastados das famílias, os idosos LGBT muitas vezes são obrigados a esconder a sua identidade de gênero e voltar novamente para o “armário” quando buscam abrigo em instituições de longa permanência. Se a sexualidade na terceira idade pouco a pouco deixa de ser tabu, as formas de relacionamento não convencionais ainda são recriminadas. As políticas públicas de acolhimento e saúde voltadas para a população LGBT, por exemplo, são pensadas apenas para as pessoas adultas, sem nada especificamente voltado para aqueles que já passaram dos 60.

Para a antropóloga da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Guita Debert, que estuda os desafios da gerontologia LGBT, a primeira questão que deve ser combatida é o mito da velhice assexuada. “A sexualidade não se esgota na velhice. Viver sexualmente é fundamental para a manutenção da qualidade de vida”, afirma a especialista. 

Ela destaca que as experiências sexuais durante o envelhecimento não cabem na divisão simplista entre héteros e homossexuais. “O avanço da idade é vivido de formas muito diferentes. Nada é natural, tudo é social e historicamente criado. O que interfere na vida sexual do velho é de ordem psicológica e social.” 

Segundo Guita, resgatar o direito sexual do idoso implica em pensar o amor em suas diferentes formas de transformação libidinal. Ela considera importante desvincular a vida sexual da função erétil do órgão sexual masculino, observando que nessa fase da vida a redução da frequência pode ser compensada por maior intensidade nas relações, com exploração de outras zonas de prazer no corpo do homem e da mulher.

A psicanalista transgênero Leticia Lanz, que também é lésbica, disse que levou “50 anos e um infarto” para superar o preconceito, “transgredir a norma” e assumir a sua identidade de gênero e orientação sexual. E que justamente agora, na velhice, vive a melhor fase da sua vida.  “Não nasci no corpo errado, mas na sociedade errada. O que molda as pessoas é a cultura.”

Além de bem-sucedida profissionalmente como escritora, ela diz que o que mais incomoda os conservadores é o fato manter uma boa relação com a sua família. Uma vez interpelado pelo neto sobre o porquê gostar de se vestir de mulher, devolveu a pergunta: “E por que você gosta de se vestir de Batman?”. A anedota explica que não é escolha, mas na identificação. “Escolha é baseada no princípio da melhor utilidade. Ninguém escolhe ser excluída.”

O vereador paulistano Toninho Vespoli (Psol), que apoiou a Eternamente Sou na realização do seminário, lembrou que, mais que discursos, é preciso ações efetivas de combate ao preconceito, com o fortalecimento de políticas públicas voltadas para tirar os idosos LGBT da invisibilidade. Mas ele apontou dificuldades, como o projeto proposto por ele que previa a criação de cotas em concursos públicos para pessoas trans – aos moldes da legislação que reservou vagas para negros – e que não foi aprovado.

Ao longo do dia, ainda serão discutidos temas como a LGBTfobia, a relação entre identidade de gênero e desigualdade social, medidas de fortalecimento da rede socioassistencial e de saúde, e demais estratégias para garantir direitos e combater a violência contra a população idosa LGBT. 

 

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