transparência

Poder público intimida quem busca dados via Lei de Acesso à Informação

Seis anos após a promulgação, ainda são comuns os casos em que integrantes de órgãos públicos intimidam e ameaçam os requerentes. Conclusão é de estudo da organização Artigo 19

Pixabay

Ong apresenta propostas para mitigar os efeitos da censura decorrentes de uma cultura do sigilo no poder público brasileiro

São Paulo – Após seis anos de sanção da Lei de Acesso à Informação (12.527/2011), órgãos públicos ainda impõem barreiras para a livre circulação de dados. O documento intitulado “Identidade Revelada: Entraves na busca por informação pública no Brasil”, lançado ontem (15) pela ONG Artigo 19, reúne 16 casos emblemáticos sobre o tema.

Para a apresentação do levantamento, a livraria Tapera Taperá, no centro de São Paulo, recebeu a oficial da área de acesso à informação da Artigo 19, Joara Marchezini, além da pesquisadora Juliana Sakai, da ONG Transparência Brasil. O debate foi mediado pela gerente executiva da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Marina Atoji. “São seis anos de Lei de Acesso à Informação (LAI) e nos reunimos para celebrar sua existência e trazer discussões para que ela melhore e seja cumprida em sua integralidade”, disse a mediadora.

O principal problema apontado pelas entidades diz respeito à necessidade do requerente de uma informação pública ter que informar sua identidade. “Fizemos a pesquisa entre novembro e março deste ano. Foram 28 relatos e selecionamos 16. A intenção não é de trazer números e sim as pessoas por trás da história”, apontou Joara. “A identidade é um problema do qual precisamos falar. A lei fala que a identificação não pode conter exigências que dificultem o pedido, mas isso acontece e atrapalha o processo.”

Joara apresentou um caso pessoal sobre os desdobramentos da necessidade de identificação em pedidos via LAI. “A primeira vez que aconteceu comigo foi logo quando entrei na Artigo 19. Estava em um evento em Brasília e alguém me ofereceu carona no fim. Entrei no carro, a pessoa fechou a porta e falou sobre um pedido de informação que fiz para o Ministério da Educação. Eu não esperava essa situação. Primeiro, como a pessoa sabia? Segundo, por que estávamos discutindo aquilo a portas fechadas? Terceiro, meu Deus, o que respondo? Foi constrangedor”, disse.

O documento produzido pela ONG resume, em sua introdução, a natureza do problema. “Uma das principais conclusões deste estudo é de que existe um considerável risco de discriminação no provimento de informações públicas em decorrência da identidade do solicitante (seu setor profissional, seu gênero etc.). Essa discriminação é subsidiada pela livre ou quase-livre circulação dos dados pessoais fornecidos pelo requerente entre os funcionários dos órgãos, empresas ou autarquias demandadas.”

Joara afirmou que seu posicionamento foi sempre o de questionar quem perguntava a ela sobre os pedidos de informação. “Uma das nossas condutas é de perguntar se a pessoa sabe que ela não pode fazer aquilo, se tem treinamento. Teve um caso constrangedor e bizarro sobre Tribunais de Justiça. Fizemos pedidos de informação em meu nome. Eles descobriram no Google que eu trabalhava na Artigo 19 e ligaram pedindo para falar comigo. Perguntaram o porquê de eu querer saber aquilo, se eu achava que eles trabalhavam para mim, daí pra cima”, disse.

A identificação pode resultar em intimidação. “Esses atos são inadequados. Toda vez que isso acontece penso nas pessoas em municípios pequenos que não sabem que não precisam apresentar motivo e sofrem com este tipo de entrave. As situações são diversas formas de perseguições, ligações no trabalho”, disse. “Também temos muitos casos de tratamentos inadequados com jornalistas. Basicamente, o profissional faz um pedido, não se identifica como jornalista e recebe um e-mail o orientando a falar com a assessoria de imprensa”, completou.

“Queremos que todos recebam a informação, que é de direito delas e que todos tenham o mesmo tratamento adequado.” O documento cita outro caso envolvendo a própria Artigo 19 e a Polícia Militar. “Em 2013, foi realizado um pedido de informação relacionado às normas jurídicas que regulamentam a captação e utilização de filmagens feitas por agentes de segurança em manifestações públicas. A resposta, assinada por um tenente-coronel, foi proferida em tom de intimidação, fazendo referências a características da organização solicitante, inclusive em relação a suas fontes de financiamento.”

Ações possíveis

Além de apontar os problemas e intimidações, a organização apresenta propostas para mitigar os efeitos da censura decorrentes de uma cultura do sigilo no poder público brasileiro. “Uma lei não está completa quando é promulgada. A letra é viva, e aperfeiçoa-se com o uso e tensionamento nas discussões públicas que acompanham sua implementação (…) Ainda há avanços a se fazer. A proteção dos dados dos requerentes, sejam pessoas físicas ou jurídicas, no interior das administrações públicas mostra-se problemática”, diz o relatório.

Neste sentido, a ONG recomenda “a garantia da existência de instrumentos eletrônicos adequados para o envio de pedidos de informação e que os mesmos possuam mecanismos de anonimização (possivelmente com o uso de criptografia) para preservar a identidade do requerente, impedindo o acesso dos seus dados pessoais a qualquer servidor público”.