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Para combater machismo, rodas de diálogo com jovens na periferia

O educador Rafael Cristiano do Nascimento reafirma que São Paulo segue uma cidade hostil contra a população LGBT e que o diálogo com os mais jovens pode romper a lógica da intolerância

Ivo Lindbergh/Metrô News

O educador Rafael Cristiano, durante lançamento da pesquisa Viver Bem São Paulo – Diversidade

São Paulo – Nesta semana, a Rede Nossa São Paulo e o Ibope Inteligência divulgaram a pesquisa Viver Bem São Paulo – Diversidade que revelou que a capital paulista ainda é uma cidade hostil à população LGBT –sigla para lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, travestis e outras identidades de gênero – principalmente quanto à rejeição às demonstrações de afeto em locais públicos ou na presença da família dos entrevistados. Dentre os convidados a falar sobre o tema, prevaleceu a percepção de que o machismo é um dos principais problemas “ocultos” nas respostas dos entrevistados.

Trabalhando para combater esse problema, o educador Rafael Cristiano do Nascimento conversou com a RBA sobre as rodas de conversa sobre o tema, promovidas com adolescentes na região de Parelheiros, extremo sul da capital paulista. As atividades são feitas em escolas e contam com o apoio de professores que abrem espaço em aulas para os diálogos.

Não há política pública na educação municipal para combater o machismo nas escolas e o tema foi um dos mais interditados durante as discussões do Plano Municipal de Educação, associado ao factoide da “ideologia de gênero” por extremistas religiosos.

Confira a entrevista.

Como você começou a desenvolver esse trabalho e qual a ideia?

A gente desenvolveu desde o começo do ano passado. Quando falo a gente é porque comecei com a biblioteca Caminhos da Leitura, então, a gente fazia em uma equipe. A biblioteca fazia um trabalho com as meninas dentro das escolas, em rodas sobre machismo, violência. Mas constatamos que, enquanto as meninas avançavam muito na discussão, os meninos iam regredindo. Pensamos ‘bom, a gente precisa traçar um diálogo com os meninos’.

Por que fazer isso na periferia?

Parelheiros é uma das regiões com maior índice de violência doméstica. Eu já pesquisava essa temática e fui convidado para desenvolver o trabalho lá. A principal questão é como fazer os adolescentes de periferia entrarem nessa discussão. E que isso não seja só mais uma aula chata. Como chego para falar sobre isso com esses meninos. Pensamos muito em análises de letras de funk e rap. A gente precisa falar de sistema prisional, precisa falar sobre o crime. Precisa falar sobre muitas coisas que a discussão sobre masculinidade talvez não paute.

Então esse é uma das primeiras coisas que a gente faz dentro das rodas. Pega músicas dos Racionais, do MC da Leste. Ouve e analisa junto: o que é característica de homem, porque se constrói dessa forma. Esses homens que escrevem os funks e Raps são eles. É muito próximo da realidade deles. Quando o educador chega com essa proposta a gente consegue abrir o espaço na chegada. Os meninos se sentirem confortáveis para falar. E eles falam bastante. Parece haver uma carência do adolescente para falar e ser ouvido. E eles vão se abrindo em umas camadas muito interessantes. Vi jovens marejar os olhos.

E como é o diálogo, a aceitação dos jovens?

A gente fala o menos possível. Eles falam mais. Eu acho isso o máximo. O objetivo da roda é que eles dialoguem, que se expressem, que conversem entre eles. Eu jogo o tema e eles vão discutindo entre eles e chegando em vários lugares. Uma atividade que fazemos é construir um homem para mandar para a sociedade. Eles vão dizendo o que um homem precisa ter e a gente vai problematizando.

Como se mantém o trabalho? Vocês têm apoio?

Conquistamos um VAI – Programa de Valorização das Iniciativas Culturais, sistema de apoio financeiro a projetos de jovens da Secretaria Municipal de Cultura – esse ano e a intenção é ir a fundo na pesquisa sobre masculinidades. Convidamos vários pesquisadores e educadores para pensar em como sistematizar essas rodas, para que elas ocorram em mais lugares: escolas, centros culturais, praças. Também conseguimos uma parceria com uma escola, que vai possibilitar fazer um trabalho mais aprofundado.

A gente depende de professores engajados com o tema, que nos convidam e cedem um espaço da sua aula para fazer a roda de conversa. Nosso maior problema é a continuidade. Não é fácil realizar mais que uma atividadeNão é uma política pública. A escola é um lugar importante para discutir masculinidade. Um lugar sem infraestrutura, sem boas condições. Mas os estudantes estão ali para ouvir, para conversar. A escola precisa ser esse espaço.

Você sofre resistência pra desenvolver esse trabalho?

A gente teve muito pouco retorno de problemas com família. É mais o problema com direções e coordenações. Família, só sei de uma mãe que ficou nervosa dizendo que a gente estava ensinando o filho dela a ser ‘viado’. O interessante é que os meninos não saem com uma visão negativa. Às vezes nos perguntam se essa discussão não devia rolar em casa. O problema é que, na periferia, os pais não estão em casa. A gente trabalha, trabalha, trabalha, chega de noite, ainda tem as tarefas domésticas. Quando tem um tempo quer descansar, o que é muito justo.

A maior resistência é da administração da escola, de outros professores, funcionários. Já teve caso de sermos perseguidos por professor machista que tinha alunos seguidores, uma coisa bizarra. Eu tento nem pensar nesse absurdo que falam de “ideologia de gênero”. Ninguém escolhe ou convence alguém (à homossexualidade). Eu me vejo como uma ratazana que vai buscar brechinhas para entrar, fazer essa roda, mesmo que seja uma. E mantemos contato com aqueles que querem trocar mais ideias para fazer fora da escola.

 

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