Máquina de moer gente

Ex-detentas relatam abandono do sistema prisional de São Paulo

Sem condições mínimas para a sobrevivência nos presídios e sem apoio do Estado para a ressocialização, presas vivem cotidiano de horror, como contaram durante audiência na Câmara

Reprodução/TVT

Caso da mulher presa com o filho em carceragem da polícia em São Paulo chocou o país

São Paulo – Após repercussão do caso Jéssica Monteiro, detida junto com o filho recém-nascido na carceragem da polícia, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara de São Paulo ouviu, nesta terça-feira (27), o seu depoimento e de outras mulheres com passagens pelo sistema penitenciário, que relataram uma série de abusos, violências e violações de direitos. 

Jéssica foi detida em suposto flagrante por tráfico de drogas, depois de uma batida da polícia em uma ocupação. Grávida, ela entrou em trabalho de parto, e só foi levada a um hospital após outro detento com formação em enfermagem alertar para alto risco de contaminação, caso desse à luz dentro de uma cela improvisada sem condições mínimas de higiene, como era a vontade das autoridades policiais. 

“Vivi num lugar imundo, esperando uma vaga para ir para uma penitenciária. Tive que pedir lençol aos outros presos (homens) para pelo menos poder tampar o banheiro para usar. Não tinha nem chuveiro.  Só fui tomar banho na penitenciária. Para cuidar do bebê, conseguiram um balde de água morna, e eu consegui dar um banho nele, só assim”, relatou Jéssica. 

Após o nascimento, ela foi levada de volta à delegacia, e o carcereiro orientou para que contactasse a família, para que o bebê fosse levado. Jéssica resistiu, alegando a necessidade de amamentar a criança. 

Na cela, não havia banheiro – apenas um buraco no chão –, e ela conta que só foi tomar banho um dia depois do parto, quando foi levada à Penitenciária Feminina de Santana. Dois dias após a prisão, a Justiça acatou um pedido de habeas corpus, e agora ela cumpre prisão domiciliar enquanto aguarda o julgamento. 

Além da falta de condições básicas, ela contou que era humilhada, pois diziam que ela e a criança estavam naquela situação devido ao seu envolvimento com o tráfico, o que Jéssica nega, alegando que foi vítima de flagrante forjado. 

O Brasil tem a quarta maior população carcerária feminina do mundo, com cerca de 42 mil presas. Pelo menos 4.500 são gestantes ou mães de crianças com até 12 anos de idade. 

De acordo com o Marco Legal da Primeira Infância, em benefício da criança, é garantido o direito às mães com filhos de até 12 anos ou com deficiência de aguardarem o julgamento em casa. Apesar da letra da Lei, foi preciso que o Supremo Tribunal Federal (STF) concedesse habeas corpus coletivo para que a determinação fosse cumprida. 

Tainara Dias do Nascimento foi outra ex-detenta que também deu à luz dentro do sistema prisional. Ela conta que, durante o trabalho de parto, foi deixada sozinha, algemada, na parte de trás de uma ambulância. “Quando eu fui para ganhar dar à luz à minha filha, eles me trataram que nem bicho.” Ela também conta que teve o direito de amamentar negado, e a própria maternidade contestada, pois alegavam que a criança não tinha o mesmo tom de pele da mãe, que é negra. 

Ela também relata a dificuldade em ter acesso a um advogado e não tinha meios sequer para escrever uma carta. “Tudo é troca. Se você quer um pedaço de papel e uma ponta de um lápis, você tem que ter o seu cigarro, alguma coisa para fazer para aquela pessoa te dar aquilo”, conta. 

Já no regime semi-aberto, ela conta que passou para concurso para assistente de saúde, mas não pode assumir, pois não conseguia tirar segunda via do título de eleitor. Sem emprego, ela conta que vende água e refrigerante nas ruas, como ambulante, mais já teve o seu carrinho apreendido por diversas vezes. 

Maria da Penha Silva, que ficou sete dias detida em uma penitenciária do interior paulista, contou que as presas provisórias são completamente esquecidas, e sequer o telefone da Defensória Pública é disponibilizado às presas. Sobre a falta de condições, ela diz as detentas chegam a brigar por um punhado de sabão em pó para poderem fazer a limpeza das celas. 

“Dentro de um pavilhão, que chamam de ‘raio’, existem 135 mulheres, nove celas. Em cada cela, 12 camas. Vi ali 17 mulheres em cada cela. Elas me contaram que estava bom, porque já teve 30 mulheres em cada uma”, relatou Maria da Penha. “Quem passava mal, eu ouvia chorando e voltava com um envelope de paracetamol (remédio para febre e dor de cabeça)”.

Assista à reportagem do Seu Jornal, da TVT:

Leia também

Últimas notícias