Direito à moradia

Milhares de famílias podem ser despejadas em Guarulhos nos próximos seis meses

Decisão da Justiça sobre pedido do Ministério Público deve afetar cerca de 40 mil famílias em vários bairros do município

foto cedida por Aneli Queiróz da Silva

No bairro Ponte Alta, ações de urbanização para evitar riscos por conta do córrego da Raposa foram paralisadas

São Paulo – Cerca de 40 mil pessoas podem ser despejadas de suas casas em Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo, nos próximos 180 dias por decisão da Justiça paulista. Segundo pedido do promotor de justiça Ricardo Manuel Castro, essas famílias vivem em áreas de risco, próximas a córregos ou encostas, ou em áreas de preservação ambiental. Os moradores reclamam que não foram informados do processo e que a promotoria não visitou os locais. E alegam viver no local há décadas, considerando absurda uma decisão para deixar suas casas em apenas seis meses.

Entre os bairros afetados pelas 61 decisões judiciais estão: Cabuçu, Recreio São Jorge, São João, Bananal, Taboão, Pimentas, Bonsucesso, Ponte Alta, Álamos, Alvorada, Vila Rio, Sítio dos Morros, Cocaia, Vila Flórida, Monte Carmelo, Jardim Cumbica, Nova Cumbica, Itapegica, São Rafael e Presidente Dutra. São regiões que foram povoadas de forma irregular ou por loteamentos imobiliários ao longo de 40 anos. Em alguns bairros não foi pedida a retirada das famílias, mas o congelamento do local, o que impediria novas construções ou ampliação das existentes.

O maior temor dos moradores é serem retirados sem planejamento e ficar em alojamentos. A cuidadora de idosos Aneli Queiróz da Silva mora há 20 anos no bairro Ponte Alta. Segundo ela, nunca houve ação da prefeitura para remover as famílias por conta de risco com o Córrego da Raposa. Somente limpeza do local para evitar enchentes. “Mas também nunca foi uma situação muito grave. Desde que moro aqui, tivemos três enchentes mais graves. Mas é uma coisa que resolve com limpeza e obra, não precisa tirar a gente”, afirmou.

Ela mora com um filho de oito anos, uma filha de quatro anos e o marido em uma casa que até hoje está em construção. Foram anos de trabalho para erguer a moradia. “Minha casa tá ajeitadinha agora. Tudo que a gente consegue, dá uma arrumadinha, termina alguma parte. A cozinha está bem arrumada. Não quero sair daqui”, explicou. “Disseram (a prefeitura) pra gente não se preocupar, mas o tempo está passando. Meu maior medo é dar o prazo e levarem a gente pra alojamentos. Tem gente aqui que já está doente só de preocupação”, afirmou.

Ainda segundo Aneli, o número de famílias está subestimado, porque não considera que muitos filhos casam e permanecem vivendo na casa dos pais, construindo cômodos extras. Além disso, diz que a prefeitura não tomou nenhuma atitude ainda no local. “Queremos que façam uma medição para avaliar quais casas têm risco de verdade. A gente até gostaria de não morar perto de córrego, desde que isso seja um processo claro, que só saia depois que tiver uma moradia certa, tudo planejado junto com os moradores”, afirmou.

Moradora do Sítio dos Morros, a líder comunitária Maria Isabel de Castro disse que no bairro já havia um acerto entre prefeitura e Ministério Público para realizar obras no local. “Na gestão anterior foi firmado um Termo de Ajustamento de Conduta para ações de drenagem, pavimentação. São casas de alvenaria e sobrados, não tem mais nenhum risco. Mas a gestão atual parou as obras. Só precisa concluir e não vai precisar sair ninguém”, afirmou ela, que mora no local há 28 anos, com dois filhos, uma neta e um genro.

Maria relatou que seriam 210 casas afetadas pela decisão judicial. Cerca de mil famílias. “Já tivemos demanda judicial com um vendedor de terrenos, mas ganhamos. Depois foram as obras de urbanização. Nunca disseram que teria de sair do local. Agora isso. É uma sensação horrível. Sou líder comunitária há 17 anos. Estávamos encaminhando o processo, agora mudou e gestão e complicou tudo”, completou.

Já no bairro de São Rafael, o auxiliar de enfermagem Gilson de Souza Santos destacou que este é o terceiro processo de remoção de famílias em dois anos. Cerca de 400 famílias foram removidas por ações de distribuidoras de energia no local. Agora se fala em mil famílias. “A prefeitura não nos comunicou. A região fica próxima de um córrego e, desde 2009, tem previsão de uma ação com verba do Ministério das Cidades para urbanizar”, afirmou.

Gilson mora com a esposa e dois filhos adolescentes. Contou estar no bairro há quarenta anos. No local há ruas asfaltadas e outras ainda de terra. Parte das casas é de alvenaria – algumas até com escritura – e parte são barracos de madeira. “Nunca nos foi dito que era um local inabitável. Criei dois filhos aqui. Passei quase toda minha vida. Agora querem que a gente saia em seis meses? Não é possível”, protestou.

O deputado estadual Alencar Santana (PT), que é de Guarulhos, está articulando reuniões nos bairros para informar e mobilizar a população. No entanto, como o processo do Ministério Público é contra a prefeitura de Guarulhos, ainda não está claro como a população pode agir. “É uma ação tão surreal que é difícil de acreditar. O Ministério Público parece estar agindo com essa onda conservadora, querendo eliminar os pobres. Não se pode redesenhar uma cidade com uma canetada. E muito menos fazer isso da noite pro dia”, afirmou o deputado.

Para ele, o correto seria o Ministério Público propor um Termo de Ajustamento de Conduta, com tempo hábil para que a prefeitura realizasse obras, construísse moradias para quem mora em locais que não poderia mesmo permanecer.

O Ministério Público informou que o promotor Ricardo Manuel Castro está de férias e não poderia se pronunciar sobre o caso.

A RBA procurou a Secretaria da Habitação de Guarulhos mas não conseguiu contato. 

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