LETRAS PRETAS

Identidade negra na literatura é tema de festival do livro na zona leste de SP

Evento, que se inicia nesta quarta-feira (8), ocupará bibliotecas, praças, espaços culturais e escolas, com atividades em mais de 50 locais do bairro de São Miguel Paulista

DIVULGAÇÃO

Festival tem como objetivo discutir o racismo e a equidade racial na produção literária

São Paulo – Para expor e discutir o racismo e a luta pela equidade racial na produção literária, o Festival do Livro e da Literatura de São Miguel, que este ano realiza sua oitava edição, tem como tema “Letras Pretas: poéticas de corpo e liberdade”. O evento, que se inicia nesta quarta-feira (8) ocupará bibliotecas, praças, espaços culturais e escolas, com atividades para mais de 50 pontos da zona leste de São Paulo até sexta-feira (10).

Inácio Pereira, coordenador da projetos da Fundação Tide Setubal, realizadora do festival, explica que a literatura é trabalhada como um instrumento de mediação para abordar temas importantes. “Em 2015, após constatarmos um aumento da intolerância e da ausência de escuta no país, decidimos trabalhar a importância das diferentes vozes na sociedade. Para incentivar o diálogo, optamos por tornar mais audíveis algumas dessas vozes, fundamentais para a equidade na sociedade, então escolhemos como tema para 2016 o feminino e o feminismo, trabalhando a igualdade de gênero, e este ano terminamos essa trilogia debatendo a questão racial e a literatura negra.”

Neide Almeida, coordenadora do Núcleo de Educação do Museu Afro Brasil, afirma que o festival dá mais visibilidade para a produção cultural da população negra e periférica.  “A gente tem uma distância imensa entre as pessoas que tiveram acesso aos livros, bibliotecas e livrarias desde sempre, e aquelas que precisam construir esses caminhos. O acesso deve ser entendido além da condição de chegar”, explica. “A gente está num campo de tensões, de forçar o rompimento das fronteiras para que as produções (de artistas negros) passem a ser reconhecidas como legítimas”, acrescenta.

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“A arte periférica está transbordando, não tem como não enxergar. Então, se transborda, é porque existe uma represa”, acrescenta Renato Gama, músico, compositor e criador da banda Nhocuné Soul.

Além de valorizar a produção literária negra, a ideia é convidar o público a refletir sobre a representatividade do negro na literatura nacional, visto que, apesar de 53% da população brasileira se autodeclarar negra, de acordo com dados do IBGE, 94% dos autores brasileiros publicados pelas três maiores editoras do país são brancos, assim como 92% dos personagens, como aponta estudo da pesquisadora Regina Dalcastagnè que resultou no livro “Literatura Contemporânea – Um Território Contestado” (2012).

“Eu tinha uma representatividade negativa de mulheres negras na literatura. Quando eu tive contato com Carolina e a realidade que ela descreve, eu olhei para o que escrevia e pensei: é esse diálogo que eu quero travar também”, conta Débora Garcia, poetisa e criadora do Sarau das Pretas.

Outra perspectiva

Para elaborar a programação, que também envolve artistas e grupos culturais que trabalham com a perspectiva da população periférica, foi formado um grupo de curadoria com artistas, educadores e ativistas. O objetivo foi fazer com que o festival não só traga atrações de outros espaços, mas que a produção da comunidade e de fora ocupe a região de diversas formas. “A ideia não é só ocupar a praça, mas também ocupar o simbólico”, explica Inácio Pereira.

Como exemplo desse tipo de experimentação, o coordenador cita a releitura feita por um grupo de alunos da personagem Tia Nastácia, de Monteiro Lobato, presente nas histórias do Sítio do Pica-Pau Amarelo. “A Tia Nastácia, dentro da lógica do Monteiro Lobato, você não conhece a história da família dela, não sabe se foi casada, se teve netos. Ela uma figura acessória para contar a história de uma família branca”, explicou. Porém, os estudantes, em um esquete montado para o festival, criam um momento em que a cozinheira negra conta a própria história para a boneca Emília.

A necessidade de recontar a história das mulheres negras, não só de uma perspectiva social e racial diferente, mas desconstruindo estereótipos de gênero tem fomentado diversos grupos culturais na periferia, segundo Débora Garcia. “O nosso corpo sempre foi colocado à disposição do outro: essa coisa da maternidade, da ama de leite, da mulher hipersexualizada. Então, hoje, nós mulheres negras temos uma demanda muito forte de olharmos para nós mesmas”, ressaltou, em entrevista à Agência Brasil.

“Nós acreditamos que a literatura é um lugar de fala muito importante, porque historicamente nós não tivemos acesso à escrita formal, à nossa história. As nossas questões sempre foram trazidas pela oralidade”, disse, ao lembrar que as mulheres negras sofrem com mais intensidade as consequências da falta de escolaridade. “As mulheres negras ainda estão na base da pirâmide social, são as que têm a menor escolaridade, as que acessam aos piores salários e cargos de emprego”, completa a poetisa.

Programação

Entre as atrações do 8˚ Festival do Livro e da Literatura de São Miguel, estão intervenções artísticas, saraus, peças de teatro, contação de histórias, conversas com autores, cortejos literários, interpretações de programas de TVs na rua, venda e troca de livros, além de oficinas de criação de turbantes e das tradicionais bonecas Abayomi, que serão realizadas nas escolas do bairro. 

Nos destaques da programação estão os debates com autores e especialistas na área, no painel “O corpo – da literatura à psique”, que encerrará o primeiro dia de festival, a partir das 20h, no auditório D da Universidade Cruzeiro do Sul, com uma reflexão sobre os impactos do racismo e os caminhos traçados por autores negros na busca de garantir pluralidade e diversidade às narrativas. Confira aqui a programação completa.

Vídeo

A Mova, a Fundação Tide Setubal e o Festival do Livro e da Literatura de São Miguel produziram uma série com quatro vídeos sobre o tema do evento. Confira o primeiro:

* Com informações da Agência Brasil

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