Estrutural

Desigualdade social compromete o acesso à Justiça e a imparcialidade do juiz

Mais ricos contam com a simpatia dos julgadores, enquanto os mais pobres recebem o rigor da lei ou ficam à margem do sistema legal

PT no Senado

Acesso desigual à Justiça divide as pessoas em “subcidadãos” e “supercidadãos”, diz jurista

São Paulo – A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CHD) do Senado discutiu nessa terça-feira (11) formas de garantir o acesso à Justiça e a imparcialidade dos julgadores, e lembrou casos de “justiçamento” e outras formas de abuso de autoridade, como a manifestação antecipada antes do julgamento e o risco apresentado pelas delações na busca pela verdade. 

Os especialistas do Direito que participaram da audiência pública destacaram que um dos fatores que afeta as condições de acesso à Justiça no Brasil é a forte desigualdade social, que coloca os mais pobres em condição de “subcidadania”, à margem da legalidade, enquanto pessoas de renda elevada são tratadas com privilégios. 

Em qualquer país onde massas imensas são excluídas, é claro que cai abruptamente o acesso à Justiça e, em conexão com isso, a imparcialidade do Judiciário”, afirmou o jurista e professor da Universidade de Brasília (UnB), Marcelo Neves. 

Ele defendeu “reformas sociais radicais” para combater distorções já “naturalizadas” como alguns dos supersalários do serviço público. Segundo ele, um magistrado que tem rendimentos que ultrapassam os 30 mil reais mensais tem dificuldades em conceber a realidade enfrentada pelas camadas mais pobres da população. Vem daí, também, os riscos à imparcialidade do juiz, que tende a se identificar com membros das elites. 

“Transformações sociais profundas são necessárias, mas, no momento político em que nós estamos, o retrocesso social tende a ser muito grande. A discussão tem que ser de confrontação política, de transformação da sociedade, e só secundariamente de institutos jurídicos”, disse o professor.

A senadora Regina Sousa (PT-PI), que convocou a audiência, lembrou da ex-primeira-dama Marisa Letícia e do reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier, como vítimas, segundo ela, do espetáculo que tem se tornado as ações policiais no Brasil.

Já o juiz do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) Rubens Casara não poupou críticas ao ativismo judicial e à politização da Justiça, quando o julgador é “tomado por uma espécie de certeza delirante” e busca, durante o julgamento, não o esclarecimento do ocorrido, mas a confirmação de uma hipótese elaborada anteriormente.  

“Quando ele adere, subjetivamente, a uma hipótese parcial, compromete a sua imparcialidade. Esses delírios de grandeza que vemos, vez por outra – ‘vou eliminar a corrupção, salvar o Brasil, os políticos não prestam’ –, esse tipo de discurso salvacionista é um típico sintoma dessa certeza delirante”, frisou Casara.

A promotora de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MP-DFT), Lúcia Helena Oliveira, defensora da ampliação das situações que caracterizem o impedimento de um juiz, afirmou que “não basta ele ser imparcial, mas também deve parecer imparcial”, e criticou os excessos cometidos pela Operação Lava Jato.

Se um juiz vai aos jornais, como o presidente do TRF-4 o fez, e faz apreciação de valor da sentença que ele vai julgar, e diz que a sentença do Moro é irrepreensível, ele já é suspeito. Fora dos autos, já diz o que acha da sentença. O que é isso? A Lava Jato precisa aprender a respeitar a lei e a Constituição”, ressaltou a promotora.

O diretor de Assuntos Legislativos da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Paulo Boal, também relacionou a desigualdade social e os arroubos autoritários que afetam determinados juízes. 

“O juiz autoritário é aquele que gosta de tornar submisso às pessoas que estão numa condição hierárquica ou econômica inferior, e, ao mesmo tempo, se mostra submisso a qualquer pessoa que esteja em condição hierárquica ou econômica superior. É um juiz que foge completamente da figura de independência que se espera de um magistrado”, disse Boal.

A diretora de Programas do Ministério dos Direitos Humanos do governo Temer, Fabiana Gadelha, reconheceu que, sem corrigir as atuais distorções de acesso à Justiça, é um erro pensar em enrijecer leis sob o pretexto de combater a criminalidade.

“Quando a Justiça deixa de aplicar o Direito e se torna justiceira, o resultado que vemos é esse estado difícil que temos vivido todos os dias, onde se tenta diminuir a maioridade penal por acreditar que isso trará justiça, quando, na verdade, vai trazer mais injustiça”, pontua.

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