Ossadas

Recursos atuais não garantem manutenção do projeto de Perus, diz Unifesp

Ministério da Educação não libera recursos e prefeitura paulistana congela a maior parte da verba. Trabalho retomado em 2014 já analisou quase 700 caixas, mas pode parar

Reprodução

Moradores de Perus visitam Laboratório de Antropologia e Arqueologia Forense da Unifesp, onde se analisam as ossadas

São Paulo – O projeto de análise das ossadas de Perus e o próprio Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (Caaf) correm risco de interrupção por falta de recursos, segundo a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Neste momento, a principal dificuldade vem da prefeitura paulistana e do Ministério da Educação – a administração municipal congelou a maior parte das verbas, enquanto o MEC não libera recursos desde o ano passado.

“A Unifesp espera que as atividades de identificação continuem até o final do processo, mas são necessários recursos do governo federal e da prefeitura para garantir a contratação da equipe, além do custeio das atividades”, diz o professor Javier Amadeo, representante da instituição no Comitê Gestor do Grupo de Trabalho Perus (GTP). “Os recursos atuais não garantem a sua continuidade”, acrescenta.

Na semana passada, o Gabinete de Conciliação do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), em São Paulo, promoveu audiência para tentar um acordo, mas prefeitura e MEC mantiveram posturas consideradas intransigentes. O ministério diz que a liberação de recursos cabe à própria Unifesp. Procurado várias vezes, o MEC diz não ter “como oferecer fonte sobre o assunto” e que a posição do órgão está no processo.

A audiência refere-se à ação civil pública ajuizada em 2009 pelo Ministério Público Federal, contra a União e o Estado de São Paulo, para promover medidas adequadas à conclusão dos trabalhos de análise e identificação das ossadas encontradas em 1990 no Cemitério Dom Bosco, em Perus. Esse trabalho foi efetivamente retomado em 2014, após celebração de acordo de cooperação técnica entre a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a secretaria municipal paulistana e a Unifesp – que formam o Comitê Gestor, juntamente com a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos –, mas passou a enfrentar dificuldades após as mudanças de governo federal e municipal.

Depois da tentativa frustrada de conciliação, que será retomada em 17 de agosto, a presidenta da Comissão Especial, a procuradora da República Eugênia Gonzaga, fez críticas ao posicionamento dos órgãos públicos. “A ação judicial corre há quase dez anos, as ossadas estão exumadas há mais de vinte, as famílias aguardam enterrar seus mortos há mais de quarenta anos. E o trabalho ainda não é fruto de uma obrigação institucional assumida objetivamente e nem de condenação judicial. Segue dependendo apenas da boa vontade de algumas pessoas e pode parar diante da má vontade de outras”, escreveu a procuradora em rede social. Segundo ela, na reunião do TRF3, os representantes da prefeitura e do MEC foram “absolutamente omissos, insensíveis e até insolentes diante das propostas de acordo e dos debates”.

Na audiência, o representante do MEC foi o secretário-executivo adjunto, Felipe Sigollo, Pela secretaria municipal, a adjunta, Yara Cunha Costa. Segundo relatos de pessoas presentes, ela teria dito que “não há prioridade” na questão, enquanto ele insistiu que os gastos cabem à Unifesp.

Essa não é a posição da universidade, que diz estar fazendo “diversos contatos” com o ministério para obter recursos. “A Unifesp não tem recursos próprios. Foi acordado com o MEC que os recursos seriam enviados pelo próprio ministério”, diz Javier.

Análises

De acordo com a assessoria da Unifesp, de 1.048 (e não 1.049) caixas, até ontem (1º) 698 tinham sido abertas e limpas. Nelas foram encontradas ossadas de 504 homens adultos, 141 mulheres adultas e 49 classificados como “indivíduos subadultos”, que têm até aproximadamente 20 anos de idade. As análises mostraram 27 com lesões produzidas por projéteis de fogo e 245 com lesões perimortem (de todos os tipos).

Segundo a secretária nacional de Direitos Humanos, Flávia Piovesan, a carta-acordo para envio das 100 primeiras amostrar de material genético para análise em um laboratório no exterior (Haia, Holanda) está quase pronta. “A expectativa da Unifesp é começar com a etapa de identificação, que implica analisar as informações de DNA, fundamentais para esse processo”, comenta Javier Amadeo.

Não há previsão para o término dos trabalhos. Hoje, de acordo com o professor, há um equipe com quatro peritos fixos, além de peritos rotativos e um grupo de voluntários que colabora com a limpeza. “A Unifesp está finalizando um processo de contratação de mais cinco peritos fixos”, acrescenta. A SDH informa ter garantido orçamento de R$ 672 mil para a contratação de consultores.

No ano passado, a secretaria municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo, ainda na gestão Fernando Haddad, aprovou orçamento de R$ 880 mil para o GTP em 2017, dobrando o valor em relação a 2016. A atual administração, sob o comando de João Doria, decidiu congelar 74,75% daquele total. E pessoas envolvidas afirmam que mesmo o valor não bloqueado ainda não foi liberado.

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