Gestão Doria

Gestor do Redenção diz que não conhecia Cracolândia e que não tem equipe de trabalho

Em debate na noite de ontem, horas após o anúncio das diretrizes do programa que substitui o De Braços Abertos, psiquiatra Arthur Guerra expõe improviso da proposta da gestão Doria, com foco na internação

Cecilia Bastos/Jornal da USP

‘Sou obrigado a admitir que esse é um problema que eu conheço muito pouco’, disse Guerra sobre a Cracolândia

São Paulo – O coordenador do programa Redenção, da gestão João Doria (PSDB), o psiquiatra Arthur Guerra de Andrade, disse na noite de ontem (26) que não conhecia a Cracolândia e que ainda não tem equipe de trabalho.  

“Sou obrigado a admitir que esse é um problema que eu conheço muito pouco. Conheço assunto de álcool, de drogas. Mas de Cracolândia, projeto Redenção, eu confesso que meu conhecimento ainda é muito pequeno. Estou nesse grupo há um mês”, disse, logo no início de sua participação.

Diferentemente do pouco diálogo que vem marcando o governo tucano da capital paulista, Guerra compareceu ao debate Acolha, não puna: drogas e internação contra a vontade, promovido pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) na noite de ontem (26).

Desde 2001, a Organização Mundial da Saúde promove uma campanha global para conscientizar a população para uma mudança na maneira de encarar as pessoas que fazem uso problemático de drogas. 

“Pode ser que não para vocês, mas para mim Cracolândia era um assunto novo. Tenho uma visão mais externa. A partir desse convite, eu tive a oportunidade de entender um pouquinho mais, nestas quatro semanas, o que é esse problema. Eu nunca tinha ido à Cracolândia. Na semana passada, quando houve mudança no (chamado) Fluxo e eu estava lá, confesso que senti medo. Eu não gostei, mas não foi tão ruim como eu tinha imaginado. Foi até uma abordagem amistosa”, afirmou.

Na parte final do debate, dirigindo-se a uma participante na plateia que identificou-se como servidora concursada da prefeitura, ele disse: “Quem sabe possamos trabalhar juntos. Minha equipe é composta por mim, só. Ah não, desculpa. Tem uma assessora de imprensa. Vou repetir: a minha equipe, na minha sala. Talvez pessoas como você possam vir me ajudar a construir um programa mais consistente.”

Horas antes, o prefeito João Doria (PSDB) havia anunciado as principais diretrizes do Redenção – um projeto, conforme a prefeitura, “assistencial singular”, que prevê o tratamento do paciente em sua integralidade, durante e após desintoxicação, conforme suas especificidades do quadro de dependência, por meio de política de redução de danos e/ou promoção de abstinência.

As diretrizes preveem ainda a criação de uma rede de moradias monitoradas no município e de residências terapêuticas para a continuidade do tratamento. Também serão utilizadas comunidades terapêuticas, em conjunto com o governo do Estado, para dar apoio a dependentes químicos desintoxicados e sem outros problemas de saúde associados.

No dia 27 de maio, o secretário municipal de Saúde, Wilson Pollara, publicou autorização para contratação de leitos de desintoxicação e de intervenção na crise para pacientes com problemas relacionados ao uso de álcool e outras drogas junto ao Hospital Cantareira e Casa de Saúde São João de Deus.

O Cantareira é gerido pela Organização Social SPDM, que tem como presidente do conselho administrativo o psiquiatra Ronaldo Laranjeira. O médico é ainda consultor técnico do Cantareira e coordenador do programa Recomeço, vinculado ao governo de Geraldo Alckmin (PSDB)

Dias depois, o governo Alckmin e a prefeitura, anunciaram a criação de 290 leitos para desintoxicação, que se somarão às 3 mil vagas oferecidas pelo Estado. 

Guerra chegou a admitir que o programa da gestão de Fernando Haddad, De Braços Abertos, tem pontos positivos que, se fossem mantidos, o Redenção teria mais sucesso. “E se pudermos pegar os pontos que não são positivos e pudermos reformulá-los, vamos estar contentes em relação a isso”, disse.

Medicalização da pobreza

O foco do programa Redenção na internação foi criticado pelo professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o psiquiatra Dartiu Xavier.

Mencionando resultados de pesquisas realizadas no Canadá, Dartiu disse que as internações, além de caras, não trazem resultados melhores do que aqueles obtidos em tratamento ambulatorial.

“Internações custam de 50 a 100 vezes mais e, na melhor das hipóteses oferecem resultados iguais àqueles obtidos em tratamento ambulatorial, com o paciente em liberdade”, disse, destacando que as internações, principalmente as compulsórias, para as quais Doria queria obter autorização do Tribunal de Justiça, não encontram respaldo nem do ponto de vista científico.

Para Dartiu, internar o usuário de drogas como defende Doria equivale a internar pessoas obesas que estiverem em lanchonetes de redes de fast-food.

Ele advertiu ainda para a questão da criminalização dos usuários pobres, que para grande parte da sociedade, e das autoridades, a polícia principalmente, são traficantes. “Quando as pessoas não entendem que usuário não é traficante e que nem todo morador de rua é usuário, corre-se o risco de começarmos a medicalizar a pobreza.”  

Internação e democracia

Integrante do IBCCrim, o advogado Maurides de Melo Ribeiro defendeu o tratamento em liberdade na perspectiva de liberdade como pilar da democracia. “Contrariando a reforma psiquiátrica, que estabelece a internação como última opção, a medida nada mais é que a suspensão da liberdade”.

Ele lembrou as declarações de Doria e a abordagem da mídia a partir da madrugada do dia 21 de maio, quando prefeitura e governo de São Paulo expulsaram usuários e moradores da cracolândia com violência policial, que incluiu bombas.

“Tudo apontava para a internação compulsória, a superinternação, como temos o superencarceramento dos pobres, negros. O público-alvo é sempre o mesmo. Nunca vi uma política de internação em massa de usuários de cocaína inalada em raves e festas nos Jardins. Isso ninguém nunca cogitou.”