Direitos Humanos

Na ONU, Brasil é cobrado por implantação do Plano Nacional de Educação

“Governo apresentou relatório alheio à realidade e sai pressionado”, diz coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Representante do MEC defendeu engessamento dos gastos sociais

ONU

Secretária-executiva do Ministério da Educação não comentou sobre a não implementação do PNE

São Paulo – O mundo acompanha atentamente os desdobramentos das políticas públicas no Brasil. O Plano Nacional de Educação (PNE), definido pela lei 13.005, de 2014 – discutido durante todo o primeiro mandato de Dilma Rousseff junto à comunidade educacional – e seus desdobramentos em níveis estaduais e municipais, foi um dos desta semana em Genebra, Suíça. 

Lá está sendo avaliada a situação brasileira em direitos humanos no Conselho de Direitos Humanos da ONU. A audiência faz parte do terceiro ciclo da Revisão Periódica Universal (RPU), principal mecanismo de avaliação na área em relação aos Estados-membros da organização, que ocorre a cada quatro anos e meio.

Dos 109 países que participaram da sessão, 17 citaram explicitamente a necessidade de o Brasil implementar o PNE, entre eles África do Sul, Coreia do Sul, Indonésia, Irã, Iraque, Israel, Líbia, Madagascar, Marrocos, Nepal, Paraguai, Peru, Serra Leoa, Sudão e Timor Leste.

O Japão recomendou a implementação plena do PNE e indicou que o Brasil continue a tomar medidas para reduzir desigualdades educacionais, destacando que elas têm intrínseca relação com as desigualdades de renda. A Malásia recomendou que se garanta uma verba específica para colocar o plano em prática, e a China sugeriu um aumento do investimento em infraestrutura educacional, especialmente em áreas rurais.

Ao todo, 10 países, entre eles África do Sul, Nepal, Paraguai, Japão e Peru, recomendaram que o governo brasileiro invista em políticas de educação, afirmando inclusive que o descumprimento do PNE tem relação com políticas econômicas regressivas. A Venezuela criticou duramente a aprovação da Emenda Constitucional 95, que impõe o teto de gastos aos investimentos sociais, inclusive em educação. Finlândia, Haiti, e Honduras citaram a necessidade de o Brasil incluir todas as crianças e os adolescentes na escola e melhorar a qualidade da educação.

“Foi uma vitória da sociedade civil. As compilações das contribuições da sociedade civil e das Nações Unidas foram bem incorporadas pelos países, especialmente no tocante ao direito à educação. O governo sai pressionado, pois apresentou um relatório alheio à realidade”, afirmou Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que acompanha a sessão da ONU em Genebra.

A secretária-executiva do Ministério da Educação (MEC), Maria Helena Guimarães de Castro, não comentou sobre a não implementação do PNE, e defendeu o teto de gastos, argumentando que a medida não representa um risco para a qualidade na educação no país, em contradição com sua própria afirmação na reunião com a sociedade civil na Missão Permanente do Brasil em Genebra, na última quarta-feira (3).

“Quem faz contas, com o mínimo de cuidado, sabe: se é preciso construir escolas, melhorar a remuneração dos professores, adequar o número de alunos por turma, equipar prédios escolares e aumentar matrículas no ensino superior, é preciso mais recurso. Não há fenômeno demográfico capaz de mudar essa necessidade, como argumenta o governo. Tem muita gente fora da escola e a educação pública não respeita o padrão mínimo de qualidade”, disse o cientista político Daniel Cara, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

A Finlândia criticou a exclusão da abordagem de questões de gênero e de combate à homofobia nas políticas de educação, em referência à retirada dos temas da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Os relatores especiais da ONU para educação e direitos humanos haviam enviado uma carta ao governo brasileiro em 13 de abril, questionando a mudança e expressando preocupação com o programa Escola Sem Partido.

Após intensa pressão internacional, a secretária do Ministério da Educação afirmou que o governo brasileiro se posicionou contra o Escola Sem Partido. “O MEC diz que é contra o Escola Sem Partido, mas excluiu ‘orientação sexual’ e ‘identidade de gênero’ da BNCC e das suas falas públicas”, afirmou Cara.

Sistema judiciário e prisional 

Em sabatina realizada na Organização das Nações Unidas (ONU), a ministra de Direitos Humanos, Luislinda Valois, assumiu o compromisso de que o governo brasileiro reduzirá em 10% a população carcerária até 2019. Ao todo, 622 mil pessoas estão atrás das grades no Brasil, segundo dados de 2014 do Ministério da Justiça.

O panorama atual dos presídios do Brasil foi um dos destaques da sessão. Ao todo, 109 países se inscreveram para fazer comentários ao governo brasileiro, sendo que 17 recomendações foram sobre as condições do sistema prisional e acesso à Justiça, feitas por países como Estados Unidos, Espanha, Itália, Tailândia, Japão, África do Sul, Suécia, Reino Unido e Dinamarca.

A Alemanha, por exemplo, recomendou que o país amplie o programa de audiências de custódia, por meio da aprovação do Projeto de Lei 554/11, e demandou que juízes e promotores que atuam nessas audiências passem por treinamento específico sobre o Protocolo de Istambul, que trata da prevenção e do combate à tortura.

“Essa promessa não dialoga com o tamanho dos desafios do sistema prisional. O Brasil prende cerca de 40 mil pessoas por ano, ou seja, quando a ‘meta’ anunciada for cumprida, o país já terá prendido outros 120 mil”, afirma Camila Asano, coordenadora do programa de Política Externa da organização não-governamental Conectas.

“Da maneira como foi apresentado, o compromisso é demagógico. Não há nada que indique que a política de encarceramento atual esteja mudando. Ao contrário: o Plano Nacional de Segurança apresentado pela ministra Valois como um ‘êxito’ apenas reforça a militarização que está na base do encarceramento massivo de jovens pobres e negros das periferias”, completa. “Esse debate não pode começar sem a revisão da atual Lei de Drogas, um dos motores do encarceramento em massa.”

O compromisso foi anunciado pela ministra em um momento de respostas da delegação brasileira, composta por representantes do Ministério dos Direitos Humanos, do Itamaraty, do Ministério da Educação, entre outros órgãos federais. Não houve participação de representantes do Ministério da Justiça, pasta responsável pelas políticas indígenas, sistema prisional e segurança pública.

A violência policial foi outro tema de destaque na avaliação do Brasil. Os Estados Unidos, por exemplo, pediram que o país dê início a investigações dos casos de execuções extrajudiciais. A Eslováquia recomendou que a polícia brasileira adote um código de conduta sobre uso da força em protestos.

Ajuste fiscal e povos indígenas

As autoridades brasileiras utilizaram grande parte dos seus momentos de intervenção para defender os ajustes econômicos e as reformas trabalhista e da Previdência que estão em discussão no Congresso. “O momento impõe sacrifícios no curto prazo”, disse a ministra. “O Brasil precisa de grandes reformas vitais para restaurar a credibilidade, que traz investimentos e gera empregos”, afirmou.

“Aprovamos uma emenda que visa a equilibrar as contas preservando programas sociais”, completou, fazendo referência à Emenda Constitucional 95, que congela os investimentos sociais do governo por 20 anos. Em dezembro de 2016, antes de sua aprovação pelo Congresso, a medida havia sido duramente criticada pelo relator especial da ONU para extrema pobreza, Philip Alston, que alertou que a medida afeta principalmente os mais pobres e é “inteiramente incompatível” com as obrigações de direitos humanos do país.

Outros temas que mereceram recomendações ao Brasil pelos Estados-membros da ONU foram trabalho escravo e a situação dos povos indígenas. O governo brasileiro se esforçou para condenar a violência contra essas populações, devido à repercussão internacional do ataque contra os índios Gamela ocorrido no Maranhão no último domingo (30). Ao menos 30 recomendações foram feitas sobre o tema, por países como Alemanha, França, Austrália, Áustria e Rússia. 

Divulgação
Audiência é principal mecanismo de avaliação da situação de direitos humanos dos Estados-membros da ONU

“O governo repudia nos termos mais veementes a violência contra os povos indígenas”, afirmou a ministra Valois. “Estamos comprometidos com a realização de consultas de boa-fé com representantes dos povos indígenas para a implementação de projetos que possam afetá-los. O projeto de São Luís, no rio Tapajós, é um caso em questão.”

Ao menos nove dos 53 relatórios enviados pela sociedade civil para contribuir com a revisão tratam da situação dos povos indígenas, do meio ambiente e da violência no campo. Em março, 30 entidades alertaram especialistas da ONU sobre 13 medidas encampadas pelo governo federal que violam compromissos internacionais assumidos pelo país na proteção aos indígenas, a como Proposta de Emenda Constitucional 215, que transfere a responsabilidade pela demarcação de terras ao Congresso.

A revisão

A Revisão Periódica Universal é aplicada a todos os países membros da ONU. Durante a sabatina, o país revisado recebe recomendações e presta contas do que tem feito para implementar compromissos assumidos em ciclos anteriores para garantir direitos humanos, além de dar resposta a novas violações surgidas no período.

O país sabatinado confronta, ainda, o relatório elaborado pelo Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos e os informes produzidos pela sociedade civil. Neste ano, 53 relatórios foram enviados à ONU por entidades brasileiras e internacionais referindo-se ao Brasil. Até setembro, o governo brasileiro deve definir quais recomendações acatará até o próximo ciclo da revisão.

 

Leia também

Últimas notícias