proteção à infância

Ampliar rede de atendimento à criança vítima de violência dependerá de verba

Projeto sancionado por Temer prevê que vítimas sejam atendidas em um único local e que depoimentos sejam tomados apenas uma vez, por profissionais capacitados

Danilo Ramos/ RBA

Atualmente, a criança vítima de violência precisa repetir o histórico da agressão diversas vezes, o que amplia o trauma, segundo especialistas

São Paulo – Efetivar o projeto de lei que cria um sistema único nacional de atendimento de crianças vítimas de violência dependerá de mais do que a sanção do presidente Michel Temer. Será necessária uma parceria sólida entre governos estaduais e municipais, além de verba para construção de centros de atendimento e capacitação dos profissionais que trabalharão com as crianças, de acordo com a organização não governamental Childhood Brasil, que encampou o projeto no Legislativo. O PL foi sancionado na terça-feira (4) e tornou-se a Lei 13.431.

“Os próximos passos exigirão um pacto entre prefeituras e governos estaduais, sobretudo porque ele é o responsável pela segurança pública. Exames de corpo delito e a escuta das crianças são feitas muitas vezes por agentes do Estado. Será preciso também de verba para implantar o projeto”, diz o gerente de advocacy da ONG, Itamar Batista Gonçalves. “Será uma mudança estrutural no atendimento de crianças e adolescentes. Não paramos para pensar, mas elas são atendidas como adultos, ficam na frente de quem a agrediu e falam com pessoas que nunca viram.”

O projeto determina que a União, os estados, os municípios e o Distrito Federal efetivem políticas para assegurar direitos de crianças e adolescentes. Um dos objetivos é colocar em prática um modelo de atendimento em que crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, sobretudo sexual, possam ser ouvidos pelos sistemas de segurança, de saúde, assistência social e Justiça em um só local, onde farão exames e receberão tratamento médico necessário, além de apoio psicológico.

Para isso, a lei aconselha que estados e municípios criem centros de atendimento integrado às crianças e adolescentes vítimas de violência, onde todos os serviços necessários sejam prestados em apenas um local. O equipamento deve contar com um sistema de transporte, que permita o deslocamento de crianças de cidades que não possuem o centro.

Um projeto piloto já está em operação, em Brasília. “Só não conseguimos incorporar ainda os serviços de saúde, mas um psicólogo e um assistente social acompanham a criança”, diz Itamar. “Pretendemos que pelo menos cada capital brasileira tenha um centro integrado”, afirmou.

O projeto de lei, de autoria da deputada Maria do Rosário (PT-RS), cria também o “depoimento especial”. Atualmente, a criança vítima de violência precisa repetir o histórico da agressão diversas vezes, seja nos Conselhos Tutelares, nos órgãos de saúde ou na delegacia de polícia, um processo que amplia o trauma, segundo especialistas. Com a mudança, ela irá testemunhar em um espaço acolhedor e amigável, assessorada por uma equipe multidisciplinar capacitada para a entrevista forense. O depoimento será gravado em áudio e vídeo, para que ela não tenha que repetir a história e reviver a violência.

A capacitação dos profissionais evitará que a vítima ouça perguntas inadequadas e constrangedoras, como ocorreu em 2016 com a adolescente vítima de um estupro coletivo no Rio de Janeiro, que passou por um interrogatório considerado abusivo por organizações de proteção à infância, feito pelo delegado inicialmente responsável, Alessandro Thiers, titular da Delegacia de Repressão a Crimes de Informática (DRCI). A delegada que assumiu posteriormente e deu andamento ao processo, Cristiana Bento, é a responsável pela Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima (DCAV) e possuía conhecimento específico para tratar do tema.

A Childhood Brasil já auxiliou na implantação de mais de 150 salas no país para depoimento especial. “Isto ainda é irrisório se pensarmos que temos uma criança vítima de violência sexual no país a cada quatro horas. Nossa meta é universalizar o atendimento de forma centralizada e construir um padrão operacional, com formação dos funcionários, principalmente na segurança pública, que tenha um padrão para receber a criança e para aplicar a entrevista”, diz Gonçalves.

Experiências anteriores

O modelo começou a ser utilizado em 2003 pela 2ª Vara da Infância e Juventude de Porto Alegre, pioneira no país. Na capital gaúcha, a tomada de depoimento é feita em um ambiente separado da sala de audiência e especialmente projetado para o acolhimento da criança, que narra sua história por meio de um circuito fechado de televisão, conectado com a sala de audiência, onde também é feito o registro audiovisual da oitiva.

O depoimento especial tornou-se o modelo de referência nas comarcas do interior do Rio Grande do Sul e de outros estados, como o Acre, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Rio Grande do Norte e São Paulo.

Com o sucesso da experiência em Porto Alegre, em 2007 a Childhood Brasil realizou um mapeamento inédito das melhores práticas em tomada de depoimento especial de crianças e adolescentes no Brasil e em outros países, publicando estudos sobre o tema e realizando eventos para discutir a situação brasileira.

Em paralelo, foi firmada uma parceria com o Conselho Nacional de Justiça, em 2011, com o objetivo de capacitar profissionais do Judiciário para atuarem com crianças vítimas de violência por meio de uma plataforma de ensino à distância e por cursos presenciais. Pelo menos 5 mil profissionais da rede de proteção à infância, incluindo os sistemas de segurança e justiça, participaram da formação sobre como agir na hora da tomada de depoimentos. Na quinta-feira (6), o acordo foi renovado por mais um ano.

Estas experiências motivaram a elaboração do Projeto de Lei 3.792/2015, que estabelece o sistema de garantia de direitos. O projeto foi aprovado na Câmara em 21 de fevereiro e no Senado em 29 de março. “A lei é um grande avanço para a proteção das vítimas e testemunhas de violência”, disse a deputada, que coordenada a Frente Parlamentar de Proteção e Defesa das Crianças e dos Adolescentes.

 

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