feminismo moderno

‘Enquanto lutamos pelo direito ao nosso corpo, mulheres negras ainda lutam por educação’

Para advogada da OAB especialista em violência contra mulher, desafio do novo feminismo é superar também desigualdades entre as mulheres. 'Todas sofrem com machismo, mas de forma diferente”

ROVENA ROSA/ ABR

“Fala-se da mulher no trabalho, mas muitas vezes as negras não conseguem esse ingresso”, diz professora da FGV

São Paulo – Reconhecer que o machismo atinge de forma diferente as mulheres e engajá-las na luta para superar essas desigualdades são alguns dos desafios do feminismo da atualidade, segundo a advogada especialista em direitos da mulher, Ana Paula Braga, que integra a Comissão da Mulher Advogada da ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo. O tema foi debatido nesta sexta-feira (10) no Colóquio Gênero e Justiça, promovido pela Faculdade de Direito da USP, em razão do Dia Internacional da Mulher, celebrado na última quarta-feira (8).

“Enquanto estamos lutando pelo direito ao nosso corpo, as mulheres negras estão lutando ainda pelo direito à educação”, disse Ana Paula. “Precisamos parar, refletir e cair de novo na máxima de que precisamos de mais mulheres na zona de produção do direito e mais mulheres comprometidas com a pauta feminista e com a pauta feminista interseccional principalmente. Precisamos de representantes dessas minorias.”

A advogada dividiu o feminismo em outros dois momentos anteriores ao atual: primeiro pela conquista de direitos civis e um segundo, de luta por direitos ao próprio corpo, além dos direitos sexuais e reprodutivos. “Há o reconhecimento de que as mulheres sofrem machismo, mas sofrem de forma diferente. Ele vai afetar de maneira diferente as mulheres negras, as trans e as indígenas. Chegou na terceira onda do feminismo e cadê os direitos para esses grupos?”, questionou.

“Estamos começando a apresentar respostas muito lentas, porque de fato nosso sistema foi feito para falar de igualdade e não de equidade. Precisamos avançar nessa temática. Temos agora um pouco de políticas para as mulheres trans, como o reconhecimento do nome social, mas para as mulheres negras e indígenas não temos tantas políticas que tragam esses elementos”, frisou.

A professora da Escola de Direito da FGV-SP, Lígia Sica, que coordena o grupo de pesquisa em Direito e Gênero, concordou: “há uma grande divisão até dentro do movimento”. “Existem muitas desigualdades contra a mulher negra. Fala-se da mulher no mercado de trabalho, mas muitas vezes as mulheres negras não conseguem nem esse ingresso. É uma luta difícil de se fazer e não há muita escuta sobre isso.”

Feminicídio no direito penal

No Colóquio, as debatedoras não chegaram a um consenso se as penas para casos de feminicídio deveriam ou não ser regidas exclusivamente pelo direito penal, já que há uma super lotação do sistema carcerário no país e que a maioria dos sentenciados são pessoas pobres, com pouco acesso à educação e à justiça.

“Para todos nós é um dilema. Usa-se ou não o direito penal? Porque de fato há um abuso e um excesso de criminalização. Existe a ideia de que por meio do direito penal se resolvem todos os problemas, o que é uma mentira. Ele é resposta para uma determinada situação, mas o problema em si não é resolvido. Ao mesmo tempo, não dá pra negar que o direito penal tem um peso que é diferente dos outros. Não dá pra dizer que não tem repercussão nenhuma haver circunstâncias que aumentam a pena porque a vítima é mulher. Tem sim um peso diferente”, defendeu a professora da USP, Mariangela Gama de Magalhães Gomes.

Ela comparou o caso à criminalização do racismo. “Poderia ser resolvido de outra forma, enquadrando em leis e crimes que já existiam, mas na hora que trouxe para a Constituição um tratamento mais duro, isso teve um impacto também educacional”, disse. “É um eterno dilema do direito penal.

A defensora pública em São Paulo e membro do Núcleo da Mulher da Defensoria Pública, Nálida Coelho, lembrou que a Lei Maria da Penha tem um caráter “mais preventivo e assistencial do que retribucionista”. “Em 90% dos casos a mulher que procura a Justiça não quer ver o pai dos filhos dela, o irmão ou o pai presos. Ela quer sair de uma situação de violência, ser um sujeito de direitos, fazer valer alguma medida de caráter ressocializante para o homem”, disse.

“Por um lado, existe o tema da super lotação do sistema penitenciário e o uso excessivo do direito penal, que a gente quer abolir mas, por outro, como a gente vai combater a violência de gênero só com base na educação da sociedade? E enquanto isso as mulheres estão morrendo, estão apanhando, estão sendo estupradas e a gente deixa assim mesmo?”, questionou a advogada Ana Paula. “O reconhecimento do feminicídio serve para reconhecer  que as mulheres morrem pelo fato de serem mulheres, esse é o ponto. Mostra que isso é muito grave e que não pode deixar passar”.

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