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‘Quando há um golpe, guerra, crise do capitalismo, mulheres são as primeiras a perder’

Soniamara Maranho, dirigente do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), avalia impactos da exploração dos trabalhadores e privatização das riquezas nacionais pelo governo Temer

Lidyane Ponciano/MAB

Soniamara Maranho: ‘Empresa privada não investe, se apropria do que já existe’

Brasil de Fato – O atual governo não eleito de Michel Temer tem aprofundado medidas que aumentam a exploração dos trabalhadores e privatizam as riquezas nacionais. As mulheres são as principais afetadas pela agenda do governo que chegou lá através de um golpe. Essa é a avaliação de Soniamara Maranho, dirigente do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), movimento que realiza seu 8º encontro nacional em outubro deste ano. Confira na íntegra:

Qual é o cenário atual no setor energético, no que diz respeito ao petróleo e à energia elétrica do Brasil?

No caso do petróleo, existe uma disputa entre duas grandes potências pelas riquezas do planeta: a China e os Estados Unidos. Nos governos Lula e Dilma, quem avançou sobre o petróleo no Brasil foram os chineses. Ao mesmo tempo, há uma disputa geopolítica dos EUA pelo controle de todo o processo de comercialização e produção. Com o Trump na Presidência, há uma tendência a investir cada vez mais no desenvolvimento das forças produtivas dentro dos Estados Unidos, parando um pouco a tendência anterior, de fazer um governo voltado para o capital financeiro, a especulação.

Essa história do petróleo trouxe uma reviravolta na América Latina. Brasil e Venezuela têm, juntos, capacidade para produzir bilhões de barris de petróleo. Sabemos que reservas tão importantes podem gerar muito lucro no curto prazo. Por conta disso, nesses países, pode haver guerras e existem várias investidas do imperialismo e um verdadeiro aniquilamento do Estado. Um exemplo: os presidentes passam a ser meros diplomatas, não são mais quem manda no país.

No caso da energia hidrelétrica os chineses compram barragens que têm custo de produção baixíssimo. O grande negócio é privatizar essas hidrelétricas e vender a energia a um dos preços mais caros do mundo. Então, quem tem a energia a transforma em mercadoria. Veja o caso da Samarco: comprou energia subsidiada da Cemig, usou a metade para produzir minério e vendeu a outra parte no mercado livre, lucrando com a venda de energia.

Nos governos Lula e Dilma, foram produzidas várias barragens, em processos nos quais os direitos dos atingidos foram desrespeitados. Já no próximo período, não vemos perspectivas de construção de novas barragens. Agora, importa ao capital sugar, privatizar o que tem e terceirizar. Empresa privada não investe, se apropria do que já existe. Ao mesmo tempo, a tendência é que o Estado busque elaborar leis que facilitem esse processo de acumulação de capital. Adotando novas tecnologias, eles vão potencializar a retomada das taxas de acumulação com menos trabalhadores e mais precarização do trabalho. Em contrapartida, para as famílias, vão aumentar ainda mais as tarifas de energia.

O Brasil tem uma das principais reservas de água do planeta, com dois dos maiores aquíferos já identificados: o Alter do Chão e o Guarani. Existe alguma movimentação do governo para privatizar essas reservas?

Esses aquíferos têm sido estudados por universidades ligadas a empresas privadas, principalmente Nestlé e Coca Cola. Não temos muitas informações além disso, mas sabemos que há um grande mapeamento de todas as fontes de água no país, a fim de privatizá-las no futuro. Há dez anos, eu vi esse mapeamento no Sul do país e agora estou vendo aqui em Minas Gerais. E não são apenas os aquíferos, mas todo o potencial hídrico disponível para consumo humano no Brasil, que tem 12% da reserva de água doce do mundo.

Hoje, a água está mais cara que gasolina ou leite. O Aquífero Alter do Chão, aliás, tem uma das melhores águas potáveis, com um processo de filtração diferente, por exemplo, do Aquífero Guarani. Os gringos estão de olho nisso. Sem contar que grande parte da água potável também vai embora junto com a mineração, nas barragens de rejeitos e nos dutos que transportam o minério para os portos. As mineradoras usam muita água e misturam produtos químicos nas águas que são usadas no consumo das comunidades.

O crime da Samarco (Vale e BHP Billiton) em Mariana já tem mais de um ano. Como está a luta dos atingidos hoje?

O crime da Samarco foi um dos maiores já cometidos nos níveis nacional e mundial. O processo de negociação entre empresa e atingidos foi privatizado, colocando-se o próprio responsável pelo crime para cuidar das vítimas, numa perspectiva de construir as casas das famílias em cinco, seis anos. O orçamento é baixo, frente a todo o impacto nos mais de 800 km de extensão da Bacia do Rio Doce. Mais de 4 milhões de pessoas usam a água na bacia, desde Mariana até o Espírito Santo. Elas enfrentam problemas com contaminação da água, produtos que ficam como resíduo, focos de febre amarela, entre outros. Portanto, o maior crime está acontecendo agora e consiste em negar os direitos dos atingidos.

Diante disso, a postura do governo estadual tem sido liberar licenças ambientais para essa empresa que, nesse meio tempo, já construiu outras quatro barragens. Eles estão reposicionando seu processo tecnológico porque ainda há cerca de R$ 1 trilhão de dólares para retirar em minério de ferro pelos próximos 100 anos. Mas, com inovação tecnológica, vão gastar bem menos tempo. Nesse processo, não é mais a Samarco quem passa a coordenar, mas a Vale, que chega com um discurso de que vai salvar a pátria para continuar o processo de mineração.

A empresa também está fazendo trabalho de base com os atingidos, tentando desmobilizar, convencer as famílias de que elas não têm direitos, não têm mais necessidades. Como as famílias sempre tiveram a mineração por perto e prefeitos e vereadores dizendo que a empresa é indispensável, agora colocam trabalhadores contra atingidos, com o discurso de que indenizar atingidos atrapalha o emprego dos trabalhadores. Enfrentar essa ideologia demora muito tempo e, nesse intervalo, a empresa tem se reorganizado na região. Mas, ao mesmo tempo, muita gente que confiava na empresa, que achava que ela era boazinha, já não acredita mais nisso e, então, se organiza e avança na construção da luta.

Você também participa da construção do 8 de março. Qual será o foco central da luta das mulheres nesse momento?

Simone de Beauvoir dizia: “Basta uma crise política, econômica e religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados”. Esses direitos não são permanentes, há que vigiar por toda a vida. Quando se coloca em crise qualquer processo democrático e soberano no qual as mulheres avançaram, quando há um golpe, guerra, crise do capitalismo, somos as primeiras a perder. Só para se ter uma ideia, já no fim do governo Dilma, 15% das mulheres negras estavam desempregadas.

No Brasil, a Previdência é uma área em que o capitalismo ainda estava por colocar a mão nos direitos das trabalhadoras. Como o capitalismo está em crise e só sairá dessa crise explorando ainda mais, não vai admitir que trabalhadoras tenham direitos. As mulheres do campo, por exemplo, perdem muito com isso. Além de acabar com a aposentadoria especial, a ideia do governo é que não vai haver desconto do INSS lá na venda do produto, mas o pagamento será feito de maneira individualizada. Cada pessoa vai ter que pagar cerca de R$ 50 por mês. Nesse sentido, se uma família tem 4 ou 5 pessoas, não vai dar para pagar isso, as famílias mais pobres recebem muito pouco. E muitas mulheres não detêm a economia da família na mão.

A luta do 8 de março vai contra todo o pacote de retirada de direitos conquistados e vamos às ruas. Também em março, nos dias 13 e 14 faremos a luta pelos direitos dos atingidos por barragens, e no dia 15 a Frente Brasil Popular está convocando atos em todo país contra a reforma da previdência. Não há sinais de conquista, mas ameaças de aniquilamento dos direitos já conquistados. Então, nosso desafio é denunciar e lutar para manter o que conquistamos à base de muita luta.

Entre os dias 1º e 5 de outubro, o MAB realiza seu 8º encontro nacional, com o lema “Água e energia com soberania, distribuição da riqueza e controle popular”. Que desafios o movimento identifica para o próximo período?

O desafio é pautar o modelo energético trazendo junto a vida das famílias que sofrem com falta acesso à agua e com energia cara. Precisamos construir isso com soberania e levando em conta o atual contexto de falta de democracia. O encontro será no Rio de Janeiro por entendermos que ali estão as estatais federais, incluindo a Petrobras, que no dia 3 de outubro completa 64 anos. Será um momento importante para desmistificarmos tudo o que a direita disse e difundiu a respeito da Petrobras: que ela teria falido e que é pura corrupção. A verdade é que, ao contrário do que se tem dito, no último período, a Petrobras esteve, como nunca, em um alto processo de produção e inovação, com grande retorno para o setor público.

Também teremos a oportunidade de debater junto a petroleiros, eletricitários, estudantes dentre outros, sobre o pré-sal brasileiro. Nessa ocasião, reuniremos mais de 4 mil militantes do MAB. Lutar pela distribuição significa que toda a riqueza produzida deve ser redistribuída e ter controle popular. Para tanto, precisamos construir um modelo alternativo ao capitalista. Não teremos outro caminho a não ser mudar a estrutura. Isso é algo muito importante na construção do projeto popular. É preciso estar presente no campo e na cidade e fortalecer a unidade e aliança com outras organizações. E é preciso denunciar as violências e os problemas ambientais que afetam diretamente a vida das famílias. Nessa oportunidade, nós também discutiremos os 100 anos da Revolução Russa, fazendo uma avaliação crítica do legado dessa importante experiência histórica.

Nosso desafio, enfim, é construir um novo modelo energético e uma grande articulação com trabalhadores da energia. Precisamos fortalecer a Frente Brasil Popular afim de podermos enfrentar o projeto privatista dos capitais internacionais e do PSDB.

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