ódio estimulado

Mentiras e boatos: especialistas apontam os riscos do compartilhamento de notícias falsas

Entre o descuido e a má intenção, usuários tendem a compartilhar conteúdos que colaborem com seus pontos de vista, independentemente de serem verdadeiros ou não

reprodução/Elijah Stanfield

As pessoas tendem a compartilhar links que dizem o que elas pensam, sem se importar se é verdade ou não

São Paulo – Especialistas em comunicação digital ouvidos pela RBA afirmam que é preciso cobrar mais responsabilidade de empresas como Facebook e Google, na verificação da veracidade dos conteúdos que distribui e que a imprensa tradicional, quando traz à tona a questão das notícias artificialmente plantadas, cumpre um importante papel para conscientizar e esclarecer a população sobre o tema.

No Brasil e no mundo é crescente a preocupação com a proliferação de boatos e notícias falsas pela internet, facilitada nos últimos anos a partir da popularização das redes sociais e plataformas móveis de comunicação, incluídas aí o WhatsApp e o Twitter, entre outras. Para os analistas, com o passar do tempo a população vai aprendendo a diferenciar o conteúdo falso do verdadeiro, mas alertam: as pessoas tendem a compartilhar links que dizem o que elas pensam, sem se importar se aquilo é verdade ou não. Em último caso, a saída é a Justiça.

“As pessoas tendem a compartilhar links que dizem o que elas pensam ou o que gostariam de ver nos noticiários, sem checar, sem pelo menos jogar no Google para ver se acha mais de uma fonte, por exemplo. Tem uma questão patológica, que foi acelerada pela internet, que as pessoas não checam as supostas informações que recebem. É algo que sempre ocorreu. Fofocas e boatos sempre ocorreram, mesmo antes da internet. Mas,  agora, a tendência é piorar”, afirma Rafael Sampaio, professor de Ciência Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR), especialista em comunicação política na internet. 

A discussão sobre a boataria, com viés de intolerância e ódio na internet ressurgiu após artigo publicado no domingo (5) pelo jornalista Leonardo Sakamoto, em que afirma que as ações, iniciadas a partir do AVC, seguido pela morte da mulher do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foram desencadeadas por agentes políticos com objetivos definidos.

O principal deles, segundo o artigo, seria desmontar a atmosfera de solidariedade criada a partir da morte Marisa Letícia, o que poderia contribuir para fortalecer uma eventual candidatura de Lula na próxima eleição presidencial. Entre as principais mentiras espalhadas pela rede, a de que a ex-primeira-dama estaria viva e teria fugido para o exterior, e de o próprio Lula teria tramado a morte da mulher, foram destaque. 

Sobre os ataques articulados, Marina Pita, jornalista e integrante do Conselho Diretor do Intervozes, organização que defende o direito à informação, diz que é preciso diferenciar quem produz conteúdo inverídico daqueles que descuidadamente os disseminam. 

Reprodução/Facebookboato1
Página no Facebook levanta dúvidas sobre a morte de Marisa

“Tem pessoas de todos os tipos fazendo essas atrocidades. Aproveitam-se dessa ignorância geral e aí acontece a onda. Querem disparar o seu ódio ali na internet achando que nada vai acontecer com elas. Tem que diferenciar quem produz esse tipo de conteúdo e punir quando infringe alguma lei, se tiver mensagens caluniosas, racistas, misóginas ou de estímulo a violência. A gente não pode abrir mão do instrumento jurídico. Tem que entrar com processo, sim”, afirma Marina.

Rafael Sampaio confirma a existência de “profissionais” que fazem uso de perfis falsos e robôs para atacar a reputação de figuras públicas, conforme revelou Sakamoto: “Esse profissionais existem. Está todo mundo muito preocupado com isso, porque se tornou algo eminente com as eleições norte-americanas, onde aconteceu muito (difusão de mentiras) e, em muitos casos, de maneira intencional.” 

Marina lembra que todas esses crimes estão tipificados no Código Penal e desmistifica a ideia de que um suposto “crime virtual” estaria livre de punição. “É uma parte do mundo real”, diz ela, que cita decisão da Justiça que determinou que o Facebook retirasse foto publicada por Kim Kataguiri, líder do MBL (movimento de direita que estimulou a derrubada da ex-presidenta Dilma Rousseff) acompanhado do cantor Ney Matogrosso, como se o artista referendasse as posturas do grupo. Ney desmentiu o suposto apoio, entrou com ação judicial e ganhou. “Essas decisões têm de ser divulgadas para acabar com a impressão de que a internet é uma terra sem lei”, diz a integrante do Intervozes. 

reprodução/Revista Fórum NEY
Ney Matogrosso ganhou ação contra foto de suposto apoio ao MBL

Para o secretário de comunicação nacional do PT, Alberto Cantalice, os ataques virtuais contra o partido e seus integrantes cresceram a partir das manifestações de 2013, com o objetivo de abalar a imagem de Dilma. Segundo ele, esses perfis falsos buscam respaldo compartilhando notícias negativas produzidas pela grande imprensa, para depois intercalar com material não verdadeiro. 

Ele aposta na força da militância dos setores de esquerda no contraponto à boataria política. “Temos uma militância muito forte e numerosa em toda a esquerda brasileira, que faz um bom contraponto a essa onda de calúnia diária”, acredita.  

Todos eles apontam para a necessidade das grandes empresas de internet serem mais ciosas com o conteúdo por elas divulgado. Contudo, Marina Pina alerta para o acúmulo de poder de Google e Facebook. “Ao mesmo tempo em que o Facebook está criando agências certificadoras de notícias, alguns canais de verificação, isso é muito perigoso. São duas corporações que já têm muito poder de escolher e distribuir conteúdo a partir de um critério próprio.”