Operação policial na cracolândia começou ‘pelo lado contrário’

Parlamentares, religiosos e representantes de entidades da sociedade civil e do judiciário concordam ao criticar a abordagem nas áreas de consumo de crack no centro de São Paulo

São Paulo – “Operação desastrosa” foi a avaliação mais recorrente durante um debate nesta quarta-feira (11) para definir a ação policial na região da Luz, no centro da capital paulista, taxada de “cracolândia” por concentrar usuários da droga. A discussão foi promovida na Câmara Municipal de São Paulo. A ação integrada entre o governo estadual e a prefeitura na região promovida desde a semana passada foi criticada por parlamentares, juízes e representantes de entidades de defesa de direitos da população em situação de rua.

O motivo de tamanha desaprovação é a percepção de que o caminho preferido pelas administrações do governador Geraldo Alckmin (PSDB) e do prefeito Gilberto Kassab (PSD) foi o da truculência na abordagem policial. Ao deixarem de lado o tratamento adequado aos dependentes que ali permaneciam e que foram apenas dispersados, a operação “começou pelo fim”, na definição dos ativistas.

“Seria o mesmo que acabar com o alcoolismo prendendo todo mundo que bebe”, resumiu o padre Júlio Lancelotti, da Pastoral do Povo de Rua. Durante um dos frequentes momentos de tensão nas abordagens policiais nos entornos da rua Helvétia, no centro da capital, o padre diz ter sido ameaçado por um policial com uma arma, enquanto tentava proteger os usuários de excessos praticados por agentes de segurança pública. “Estamos entrando numa política de extermínio. O estado não pode adotar uma postura criminosa”, disse.

A “Operação Sufoco”, como é intitulada a ação, tomou força a partir de 3 de janeiro e segue nesta semana. Atualmente, 2 mil pessoas vivem na área, segundo dados da Polícia Civil. Mais de 30% delas, são crianças e adolescentes. A Secretaria de Segurança de São Paulo anunciou, na terça-feira (10), a ampliação do contingente de policiais militares no local.

Relatos de alguns dos dependentes químicos na mídia revelam a violência adotada pela PM. Lancelotti, que acompanha os casos de perto todos os dias (e os orienta em um local, chamado “Cristolândia”), torce para que se “desentorpeçam” as mentes dos que administram as ações. “A operação começou do fim, começou do lado contrário. Muita gente diz que tinha de se fazer ‘alguma coisa’, mas não poderia ser ‘qualquer coisa’. A polícia escolheu o pior caminho”, lamentou.

Ele defende que a operação seja suspensa imediatamente e que, em seu lugar, se instalem outras ações, que priorizem o tratamento médico dos dependentes químicos. Um programa do governo federal previa intervenções com uma abordagem de saúde pública a partir de abril, mas as administrações municipal e estadual decidiram agir antes, sem esse tipo de preocupação.

Excessos

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo nega ser contra a ação policial contra o tráfico em si, mas condena o estilo de repressão adotado. “É exacerbado”, criticou Carlos Weis, em referência ao uso de armas não letais (ou menos letais, como definem defensores de direitos humanos), como bombas de gás lacrimogênio e munição de borracha.

“Também há poucos agentes de saúde, e não vemos nos nossos acompamentos um tratamento adequado. É uma violação de direitos humanos”, afirmou. As unidades de auxílio, como os centros de Atendimento Médico Ambulatorial (AMA), abrem apenas durante o horário comercial. Na prática, isso quer dizer que fecham às 18h. A instalação de Centros de Atenção Psicossociais (Caps), que operam por 24 horas por dia, são reivindicados.

Para Ariel de Castro Alves, presidente da Fundação Criança e vice-presidente da Comissão Nacional da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), existe somente a dispersão dos problemas. “Em vez de uma cracolândia, teremos pelo menos umas 30”, calculou. O trabalho de repressão direcionado ao tráfico de drogas também foi criticado: “Até para combater o tráfico esta operação é incompetente e ineficaz. É preciso um trabalho de inteligência e de dedicação, para que as reais ameaças sejam surpreendidas com a ação policial”.

A Polícia Civil já fazia um trabalho de mapeamento na área, mas o trabalho foi ignorado pela Polícia Militar – ambas vinculadas à Secretaria de Segurança Pública – e pela Guarda Civil Metropolitana, segundo Ariel. “Quando a cracolândia foi criada, há 20 anos, foi sustentada também da mesma corrupção policial”.

O direito de se locomover

Um dos objetivos da operação é dispersar os grupos de dependentes químicos do crack da região da Luz, e não permitir a formação de nenhum novo grupo. No entanto, segundo os debatedores, a ordem infringe um dos direitos previstos em Constituição. “A violação do direito de permanecer e se reunir em grupos pacificamente está previsto em Constituição Federal. Estas pessoas, se não estiverem cometendo um crime, têm todo o direito de permanecerem unidas, aglomeradas, e não se locomover se não for de sua vontade”, esclareceu Carlos Weis.

Em defesa da Guarda Civil Metropolitana (GCM), apontado como participante da repressão truculenta nas operações, o diretor do Sindicato dos Guardas Civis Metropolitanos de São Paulo, Clóvis Roberto Pereira, compareceu ao encontro e prestou seu testemunho. “Nossa categoria faz parte da administração pública. Muitas vezes os trabalhadores que represento acabam vitimados nestas circunstâncias. Todo o restante do serviço público falha e acaba atingindo os trabalhadores que represento”, disse.

Segundo ele, as únicas orientações passadas são para que o local não seja chamado de cracolândia e sim, de Nova Luz, e que as pessoas sejam retiradas do local.

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