OEA pede paralisação de Belo Monte, e governo manifesta ‘perplexidade’

Em nota, Itamaraty afirma considerar medidas previstas na sentença como 'precipitadas e injustificáveis'. Demanda de indígenas e populações ribeirinhas foi atendida

São Paulo – A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) solicitou ao governo brasileiro a suspensão do licenciamento ambiental da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, no percurso do Rio Xingu. Qualquer obra deve ainda ser impedida, conforme a demanda do organismo ligado à Organização dos Estados Americanos (OEA). Em nota, o Itamaraty manifesta que o governo recebeu a notícia “com perplexidade” e questiona a legitimidade da comissão para esse tipo de interferência.

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A questão foi levada à CIDH pelo Movimento Xingu Vivo Para Sempre, que reúne organizações não governamentais ligadas a populações indígenas e ribeirinhas contrárias à obra. O pedido de medida cautelar foi encaminhado em novembro de 2010, acusando falta de consulta às comunidades atingidas de forma apropriada. Em março, o governo brasileiro foi intimado a se manifestar e, no dia 1º de abril, a decisão foi emitida, e divulgada nesta terça-feira (5).

“O governo brasileiro (…) recorda que o caráter de tais sistemas é subsidiário ou complementar, razão pela qual sua atuação somente se legitima na hipótese de falha dos recursos de jurisdição interna”, pontua a nota do Itamaraty. O texto descreve as instâncias pelas quais o projeto passou, incluindo o Congresso Nacional, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

O diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Nelson Hübner, afirmou que a OEA não tem competência para questionar o licenciamento de Belo Monte. “Todos os processos foram cumpridos com o rigor da legislação brasileira. Isso já foi questionado em ações do Ministério Público e a Justiça brasileira considerou que todos os aspectos foram atendidos no processo, tanto que todas as liminares foram derrubadas e as obras foram autorizadas a serem iniciadas”, lembrou.

A assessoria de imprensa da Norte Energia, empresa responsável pela construção de Belo Monte, informou que, como a manifestação da OEA foi encaminhada ao governo do Brasil, o assunto deve ser tratado no âmbito do Itamaraty.

Decisão

Os motivos da decisão da comissão relacionam-se a demandas de comunidades indígenas da região. O órgão aponta a necessidade de processos de consulta pública e de que sejam seguidas a Convenção Americana de Direitos Humanos e a jurisprudência do sistema americano – decisões da própria comissão em casos parecidos.

“Ao reconhecer os direitos dos povos indígenas à consulta prévia e informada, a CIDH está determinando que o governo brasileiro paralise o processo de construção de Belo Monte e garanta o direito de decidir dos indígenas”, disse Roberta Amanajás, advogada da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH). “Dessa forma, a continuidade da obra sem a realização das oitivas indígenas se constituirá em descumprimento da determinação da CIDH e violação ao direito internacional e o governo brasileiro poderá ser responsabilizado internacionalmente pelos impactos negativos causados pelo empreendimento”.

A comissão ligada à OEA questiona o estudo e relatório de impacto ambiental aprovados provisoriamente pelo Ibama para a obra. A sentença determina que sejam asseguradas “vigorosas e abrangentes” medidas para preservar a vida e a integridade pessoal das populações indígenas. Um dos principais alvos da medida é o controle e prevenção de doenças nessas comunidades. A consulta à população deve ser “prévia, livre, informada, de boa-fé e culturalmente adequada”.

O governo tem prazo de 15 dias para apresentar informações sobre o cumprimento da sentença, contados a partir de 1º de abril. O secretário executivo da comissão, Santiago Canton, é quem assina a determinação.

“A decisão da CIDH deixa claro que as decisões ditatoriais do governo brasileiro e da Justiça, em busca de um desenvolvimento a qualquer custo, constituem uma afronta às leis do país e aos direitos humanos das populações tradicionais locais”, ataca Antonia Melo, coordenadora do Movimento Xingu Vivo. “Nossos líderes não podem mais usar o desenvolvimento econômico como desculpa para ignorar os direitos humanos e empurrar goela abaixo projetos de destruição e morte dos nossos recursos naturais, dos povos do Xingu e da Amazônia, como é o caso da hidrelétrica de Belo Monte”, afirmou.

Sheyla Juruna, liderança indígena da comunidade Juruna do km 17, de Altamira (PA), comemorou a decisão. “Hoje, mais do que nunca, tenho certeza que estamos certos em denunciar o governo e a justiça brasileira pelas violações contra os direitos dos povos indígenas do Xingu e de todos que estão juntos nesta luta em defesa da vida e do meio ambiente. Continuaremos firmes e resistentes nesta luta contra a implantação do Complexo de Belo Monte.”

Além do Movimento Xingu Vivo e da SDDH, integraram o pedido de posição pela CIDH a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), a  Prelazia do Xingu, o Conselho Indígena Missionário (Cimi), a Justiça Global, a Associação Interamericana para a Defesa do Ambiente (AIDA) e o Instituto Socioambiental.

 Com informações da Agência Brasil

Confira a nota do Itamaraty

Solicitação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA   

O Governo brasileiro tomou conhecimento, com perplexidade, das medidas que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) solicita sejam adotadas para “garantir a vida e a integridade pessoal dos membros dos povos indígenas” supostamente ameaçados pela construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.

O Governo brasileiro, sem minimizar a relevância do papel que desempenham os sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, recorda que o caráter de tais sistemas é subsidiário ou complementar, razão pela qual sua atuação somente se legitima na hipótese de falha dos recursos de jurisdição interna.

A autorização para implementação do Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte foi concedida pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 788/2005, que ressalvou como condição da autorização a realização de estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental, em especial “estudo de natureza antropológica, atinente às comunidades indígenas localizadas na área sob influência do empreendimento”, com a devida consulta a essas comunidades. Coube aos órgãos competentes para tanto, IBAMA e FUNAI, a concretização de estudos de impacto ambiental e de consultas às comunidades em questão, em atendimento ao que prevê o parágrafo 3º do artigo 231 da Constituição Federal.

O Governo brasileiro está ciente dos desafios socioambientais que projetos como o da Usina Hidrelétrica de Belo Monte podem acarretar. Por essa razão, estão sendo observadas, com rigor absoluto, as normas cabíveis para que a construção leve em conta todos os aspectos sociais e ambientais envolvidos. O Governo brasileiro tem atuado de forma efetiva e diligente para responder às demandas existentes.

O Governo brasileiro considera as solicitações da CIDH precipitadas e injustificáveis.

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