Especialistas defendem que Jobim deixe sentença da OEA para Judiciário e Itamaraty

Juízes para a Democracia e professora de Direito Internacional consideram inadequada declaração de ministro sobre condenação do Brasil por episódios da Guerrilha do Araguaia

O atual e futuro ministro da Defesa, Nelson Jobim, tem opinião diferente de diversos integrantes do governo federal (Foto: ABr/Arquivo)

São Paulo – O ministro da Defesa, Nelson Jobim, deveria ter evitado a declaração a respeito da condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos, avaliam especialistas ouvidos pela Rede Brasil Atual.

“Essa insistência de Jobim é absolutamente inadequada. O Brasil subscreveu os tratados internacionais e reconhece a jurisdição da Corte Interamericana e, portanto, o governo não tem como não cumprir”, pontua Luís Fernando Camargo de Barros Vidal, presidente da Associação Juízes para a Democracia, que considera que cabe ao Itamaraty falar a respeito.

Na quarta-feira (15), Jobim apontou que a decisão do órgão integrante da Organização dos Estados Americanos (OEA) de punir a omissão do Estado em relação a episódios da ditadura não produz efeitos jurídicos. O ministro considera que o direito nacional está acima da decisão da Corte e, portanto, a decisão de maio deste ano do Supremo Tribunal Federal (STF) encerra o caso. Na ocasião, a maioria dos ministros votou pela impossibilidade de punir torturadores sob a tese de que a Lei de Anistia foi fruto de um amplo acordo da sociedade.

A Corte Interamericana, por outro lado, considera que a lei de 1979 não pode ser usada como obstáculo à punição de violações de direitos humanos, crime considerado imprescritível pela jurisprudência internacional. A decisão do Supremo, com isso, deixa de ser um obstáculo à abertura de novas ações penais em primeira e segunda instâncias, sem contar a possibilidade de desarquivamento de antigos processos que haviam ido para a gaveta com a decisão do Supremo.

Elizabeth de Almeida Meirelles, professora de Direito Internacional Público da Faculdade de Direito da USP, pede que Jobim se lembre que não é mais ministro do STF, função que deixou de exercer em 2006. “A competência constitucional para se manifestar sobre conflito entre tratado e lei nacional é do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo.”

O Pacto de São José, carta que guia os passos da Corte Interamericana, foi ratificado pelo Brasil em 1992. O artigo 2º do texto prevê que os signatários devem, inclusive, promover mudanças em suas leis para ficarem de acordo com o previsto pela OEA. Os especialistas avaliam que, com isso, a mais alta corte do país não terá como se eximir de uma nova avaliação sobre o tema.

“Acredito que o STF tenha uma vocação cosmopolita e uma abertura para a tutela dos direitos fundamentais que vai permitir a ele estabelecer, no futuro, disposições que conciliem os seus entendimentos com o fato novo, que é a decisão internacional”, argumenta Barros Vidal, que acrescenta que a Associação Juízes para a Democracia será parte da pressão política para que sejam aplicados todos os pontos previstos na sentença. “É uma outra fase, um outro processo, uma circunstância política e uma circunstância jurídica diferentes. O que o Estado não pode é desconsiderar olimpicamente, como se não houvesse um tribunal internacional, normas internacionais.”

Além da jurisdição da Corte Interamericana, o Congresso Nacional aprovou em 2009, com quatro décadas de atraso, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, o que significa que o país se compromete a cumprir todos os acordos internacionais dos quais é signatário, aceitando as sanções decorrentes do não cumprimento. Na prática, isso significa que é pouco provável que o Brasil não respeite a decisão porque pode, inclusive, ter sua participação suspensa em organismos multilaterais – um problema e tanto para quem luta para obter a reforma do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). “A decisão do STF foi excessivamente polêmica. Então, acho mais provável que se volte a discutir a questão. Agora, pelo Acordo de São José, a gente tem que cumprir as determinações. Com ou sem STF”, afirma Elizabeth de Almeida. 

Conflitos

A declaração do ministro da Defesa, por outro lado, corresponde a uma linha que tem guiado sua atuação na pasta. Jobim é visto como um porta-voz das Forças Armadas e, portanto, era esperado que se manifestasse a favor dos militares, já que, se aplicada a decisão da Corte, haverá possibilidade de reabrir as ações que visam à condenação penal dos que cometeram infrações aos direitos humanos durante a ditadura. Além disso, os integrantes de Exército, Aeronáutica e Marinha terão de passar por cursos sobre direitos humanos.

A questão é que a fala de Jobim se choca com o discurso adotado pelas demais pastas do governo. O Itamaraty, ministério habilitado a se pronunciar em nome do governo brasileiro em questões internacionais, informou por meio de nota que o Estado vem se esforçando para cumprir as normas internas e internacionais, e acrescentou que fará o trabalho necessário para se adequar ao imposto pela Corte. O ministro da Secretaria de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, lembrou que o país tem obrigação de cumprir a sentença e pediu que os militares não vejam a decisão como um revanchismo em relação aos crimes cometidos no passado.

“Eu sustento e reitero que contrária às Forças Armadas é a posição de proteger torturadores -só  porque foram membros das Forças Armadas – que violaram sexualmente e esquartejaram [perseguidos políticos]. Isso mancha a dignidade da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. Esse equívoco o Brasil tem que corrigir e as Forças Armadas têm de entender que a ação desses criminosos sádicos não pode ser protegida pela corporação”, afirmou Vannuchi, que espera que o Congresso aprove, finalmente, a criação da Comissão da Verdade, que visa o levantamento histórico dos crimes ocorridos no período.