Especial: médico foi mediador de greve de fome e tem prêmio em direitos humanos

Paulo César Sampaio atuou em hospital psiquiátrico de Franco da Rocha pela primeira vez na década de 1980, quando foi implantada a desinternação progressiva

Os sequestradores do empresário Abílio Diniz acostumaram-se a enviar cartas a Paulo César Sampaio, como esta, durante a greve de fome na qual conseguiram a extradição

Desde segunda-feira (15) a Rede Brasil Atual apresenta uma série de reportagens que investiga uma séria acusação feita ao ex-coordenador de Saúde da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo, Paulo César Sampaio. Militante da área de direitos humanos, o psiquiatra é investigado pelo Ministério Público Estadual (MPE) por supostamente ministrar remédios como punição a pacientes envolvidos em um motim. A repercussão das denúncias levou o médico a pedir exoneração do cargo e os reflexos já são sentidos pelos pacientes e funcionários que participam dos programas de recuperação social por ele implantados.

Nesta quinta e última matéria da série “Um Estranho no Ninho”,  João Peres relata algumas das passagens que fizeram da atuação de Sampaio referência no ativismo pelos direitos humanos junto ao sistema prisional de São Paulo, e que agora sofre forte ataque por parte do governo estadual.

A trajetória de Paulo César Sampaio pelos direitos humanos é um dos motivos que levam seus amigos a acreditarem que as denúncias feitas por encarcerados – e usadas pelo Minisério Público Estadual – contra ele não têm qualquer fundamento.

O psiquiatra, formado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), recebeu em 1998 menção honrosa da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) por conta do trabalho de reinserção de detentos.

Antes disso, na segunda metade da década de 1980, Sampaio assumiu a direção do antigo Manicômio Judiciário de Franco da Rocha, onde deu início a um projeto de desinternação progressiva. A ideia, que ganhou força entre suas convicções durante as décadas seguintes, era de que o paciente com problemas psicológicos precisa ser reintegrado à sociedade, e não esquecido em uma cela.

O primeiro trabalho de Sampaio em Franco da Rocha foi narrado na edição 26 da revista Trip, de março de 1992. A reportagem Tan Tan Club, de Ricardo Soares, tem uma frase que o psiquiatra jamais esqueceu: “Paulo, quando entra no enorme pátio interno, é saudado como um pequeno Jesus entrando em Jerusalém no Domingo de Ramos”. O repórter informa que ali, há cinco anos, a lei da chibata foi substituída por conversa e arte-terapia.

Foi conversa também o que aproximou o médico e o grupo de chilenos indiciados como sequestradores do empresário Abílio Diniz – ocorrido em dezembro de 1989. Na condição de diretor de saúde do Sistema Penitenciário de São Paulo, Sampaio recebia cartas dos acusados e repassava informações quando, em 1998, os estrangeiros decidiram fazer greve de fome.

Os sete sequestradores queriam extradição, e pediam indulto ao brasileiro que integrava o grupo. Uma folha de papel recebida no 33º dia de greve de fome  (de um total de 46) diz que os presos gostariam de ter Sampaio como porta-voz. “E ajude a todos aqueles que ainda se encontram internados ou são recém-egressos do sistema para que possam encontrar um lugar útil e atuante na sociedade, recuperando a dignidade social”, pedem.

Em 2008, ao assumir a Coordenadoria de Saúde da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), o psiquiatra insistiu para ter em seu escopo, como narrado na primeira reportagem da série, o  Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Dr. Arnaldo Amado Ferreira, de Taubaté. A ideia era transformar o tratamento prisional da unidade em um trabalho mais humanizado.

Integrando as três unidades do sistema manicomial paulista, Sampaio esperava implantar o Sistema de Atenção Integral à Pessoa em Medida de Segurança (Saipems), projeto que vinha sendo debatido entre integrantes dos Poderes Judiciário e Executivo, faculdades e Defensoria Pública. A intenção era de que todos funcionassem a exemplo da Unidade de Tratamento para Usuários de Múltiplas Drogas (Utumd), tema da quarta reportagem desta série.

No trabalho em Franco da Rocha, o primeiro a receber alta foi Marcos Oliveira, de 28 anos. Antes de iniciar tratamento para livrar-se da cocaína, passou por diversos presídios, promoveu fugas e roubos. Dois meses depois de ganhar a rua e após uma década de confusões, ele garante que está disposto a empreender mudanças: acertou a venda do bar de seu pai, local que foi proibido de frequentar pelo psiquiatra, e está à procura de emprego.

Histórias que Sampaio acredita serem suficientes para provar sua inocência e alegar que, no MPE e na Secretaria de Administração Carcerária, quiseram simplesmente atingi-lo.”Tentam me desqualificar no mais forte que eu tinha. Querem continuar com um trabalho porco, sujo”, afirma.

A reportagem da Revista Trip de 1992 convida o leitor a uma viagem na qual não há certo e errado, bom e mau, bonito e feio

Quando o promotor Paulo Roberto de Palma visitou a Casa de Custódia de Taubaté para averiguar as denúncias de uso indevido de remédios, o diretor da unidade, Adriano César Maldonado, afirmou desconhecer se as acusações eram reais, “até porque não possui conhecimento técnico a respeito”, sentencia Sampaio.

Em carta de resposta ao relatório do MPE, na semana passada, o psiquiatra apontou que a afirmação de seu antigo colega “é de causar espécie (…). O doutor Adriano é Diretor Técnico do hospital há seis anos, possui formação acadêmica em Psicologia, o que deveria ser suficiente para, ao menos, deter algum conhecimento, mesmo que não aprofundado, sobre o tratamento ministrado aos pacientes sob sua responsabilidade.”

Suas próprias conclusões

Com a quinta reportagem, a Rede Brasil Atual encerra a série “Um estranho no ninho”, que traz as acusações contra Paulo César Sampaio. O leitor teve acesso a relatos do próprio profissional, de pacientes e das partes envolvidas na denúncia contra o ex-coordenador de Saúde da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), investigado pelo Ministério Público Estadual (MPE) de que teria usado medicação como forma de punição a internos que tinham participado de uma rebelião na Casa de Custódia de Taubaté.

Tentamos ouvir todas as partes e, nos casos em que não houve resposta, relatamos aquilo que está em documentos, ofícios e trocas de mensagens eletrônicas. Isso para que, ao fim da série, o leitor tire suas próprias impressões a respeito do caso. Para quem não acompanhou a série desde o início, continuam à disposição todas as reportagens da série. Boa leitura.

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