Ambulantes organizam resistência jurídica contra perseguição em São Paulo

Uma pratica corrente da atual gestão municipal de São Paulo desde seu início foi pela primeira vez enunciada de forma clara pelo mandatário da cidade: Gilberto Kassab (PSD) quer tirar […]

Uma pratica corrente da atual gestão municipal de São Paulo desde seu início foi pela primeira vez enunciada de forma clara pelo mandatário da cidade: Gilberto Kassab (PSD) quer tirar todos os vendedores ambulantes das ruas da cidade. Notícia do Estado de São Paulo afirma que a prefeitura cassou os Termos de Permissão de Uso (TPUs) dos 470 ambulantes que ainda trabalhavam no centro da capital, como na região da Rua 25 de Março, o maior reduto do comércio popular de São Paulo, e na Praça da Sé.

“Todos têm um mês para desocupar as calçadas, segundo portaria publicada no sábado no Diário Oficial da Cidade. A medida atinge 270 deficientes físicos”, diz o texto. Também foram cassadas licenças de 512 ambulantes que trabalhavam nas ruas de Pinheiros e Lapa, na zona oeste, e de São Miguel Paulista, na zona leste. As licenças remanescentes devem ser revogadas nos próximos dias.

As gestões e José Serra (PSDB) e Gilberto Kassab à frente da prefeitura adotaram desde o início uma postura de perseguição contra os vendedores ambulantes. As licenças de trabalho têm sido cassadas de forma arbitrária, sem que os ambulantes tenham direito de defesa ou discussão nas Comissões Permanentes de Ambulantes (CPA), conforme previsto na lei municipal.

Além disso, muitas das faltas alegadas nas punições não estão previstas na legislação. “As alegações para as cassações são totalmente arbitrárias. Você está com guarda-sol, não pode, está cassado. Não está no ponto no dia 25 de dezembro, Natal, um domingo, está cassado. Não estava trabalhando às 8h da manhã, está cassado. Se foi ao banheiro e não está no ponto na hora em que passa a fiscalização, cassado. Essas normas não existem”, afirma Luciana Itikawa, da equipe do projeto “Trabalho Informal e Direito à Cidade”, do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos. 

Ela lembra ainda que a lei municipal que regula o trabalho dos ambulantes foi concebida para ser uma reserva de mercado para as pessoas com deficiência, que devem ter 2/3 das licenças emitidas. “Vamos tentar criar uma estratégia para reverter essa extinção sumária de uma categoria”, afirma Luciana.

O Centro Gaspar Garcia está ajudando a articular lideranças regionais de ambulantes para encaminhar uma estratégia política e uma jurídica de resistência às ações da Prefeitura. “Já tentamos com a Defensoria Pública o Ministério Público de São Paulo. Agora vamos buscar outros níveis, como o Ministério Público do Trabalho, a Secretaria de Direitos Humanos da presidência, a Relatoria de Direitos Humanos da ONU. Queremos encaminhar como um grupo, uma frente articulada de lideranças na cidade”, explica. “Vamos entrar com uma Ação Civil Pública junto com a Defensoria e uma medida cautelar para tentar estancar as cassações.”

Além disso, os trabalhadores estão articulando a realização de uma Audiência Pública na Câmara Municipal de São Paulo. Entre os convidados, está o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, que como vereador da capital, presidiu em 1995 a CPI dos Ambulantes, que culminou com denúncia criminal pelo Ministério Público contra 29 pessoas acusadas de corrupção”, afirma Luciana. Também será realizado um ato em frente à prefeitura no próximo dia 31 de maio. 

Direito ao trabalho

A justificativa de Kassab inclui o aquecimento da economia formal que absorveria os trabalhadores ambulantes. Para Luciana, essa justificativa é tecnicamente contrariada por uma pesquisa feita pelo Dieese que traçou o perfil sócio-econômico dos ambulantes da cidade. “São pessoas de baixa escolaridade, acima de 50 anos, muitas delas idosas, com famílias pobres. É um perfil com muita dificuldade de inserção no mercado de trabalho formal”, afirma. Para ela, a medida da prefeitura vai contra também o direito ao trabalho, assegurado pela Constituição Federal. “São pessoas têm dificuldades reais de inserção no mercado e a prefeitura não dá alternativa. São mais de 4 mil pessoas e seus auxiliares tolhidos em seu direito ao trabalho”, afirma.

A prefeitura promete ainda criar três shoppings populares para alocar os ambulantes. Segundo Kassab, já estão definidas uma área em São Miguel Paulista e outra no centro, atrás do Pátio do Colégio – a terceira , na zona sul, ainda não estaria definida. Luciana duvida da viabilidade da proposta, que pode ser apenas um “factóide”. “Acompanhamos esse processo desde 2011 e em nenhum momento a prefeitura disse que implantaria algo assim. Agora é muito difícil que neste período de menos de seis meses até a eleição consigam realizar três shoppings populares da envergadura das cassações que foram realizadas. Espaços como esses devem passar por processos administrativos e jurídicos que extrapolariam esse período do mandato do prefeito”, afirma. “Pela lei projetos desse tipo tem que ser discutidos nas CPAs. Fizemos reuniões recentemente com lideranças de Vila Formosa, Jabaquara, Itaquera, Santana, Brás, República e outras e nenhum projeto foi discutido nas comissões. Uma proposta dessas deveria ter passado nestes canais de negociação com os ambulantes”, explica.

Luciana conta que no Brás, foram cassadas mais de 350 licenças sob a alegação de falta de documentação dos ambulantes. No entanto, os trabalhadores estavam organizados e reuniram os documentos solicitados. “Mesmo assim, foram cassados”, lamenta.

Uma das lideranças dos trabalhadores do Brás, Vânia Maia, membro do Fórum Nacional dos Ambulantes conta as dificuldades que estão sendo enfrentadas na região. “Tiraram a gente da rua porque era irregular. Agora, estamos trabalhando em galpões ou estacionamentos, sem um pingo de estrutura. Hoje tem mais perigo de acidentes do que na rua”, afirma. Ela conta que lojistas e comerciantes da região estão utilizando estes galpões, diminuindo o espaço dos ambulantes.

“Tem gente que está passando necessidades. Tem pessoas de idade, deficientes, que precisam trabalhar. Tenho 53 anos, não tenho outra forma de viver, ninguém vai me pegar pra trabalhar. E tem gente de 60, 80 anos”, afirma. “Precisamos de um espaço suficiente para colocar todo mundo, que seja organizado, com estrutura. Estamos esperando a Prefeitura mostrar uma opção, colocar a gente em outro lugar, mas eles não querem oferecer nada”, lamenta.