Poema épico em homenagem a Lênin amplia obra de Maiakovski em português

O poeta Vladimir Maiakovsky, cronista da revolução russa, cuja obra em português ganha mais um título (cc/konstruktivizm.com/Alexander Rodchenko) Em 1924, o poeta russo Vladimir Maiakovski ficou abalado, como toda a […]

O poeta Vladimir Maiakovsky, cronista da revolução russa, cuja obra em português ganha mais um título (cc/konstruktivizm.com/Alexander Rodchenko)

Em 1924, o poeta russo Vladimir Maiakovski ficou abalado, como toda a então União Soviética, com a morte de Lênin, em 21 de janeiro. Foi quando resolveu escrever um poema épico como uma ode à Revolução Socialista, que foi retratada também pelo cineasta Sergei Eisenstein, no filme “Outubro”, de 1927. Desde então, “Poema Vladimir Ilitch Lenin” carece de uma tradução no Brasil, diretamente do original, papel que coube agora a Zoia Prestes, numa bela edição de capa dura e muito bem ilustrada pelo projeto gráfico da artista plástica e designer Mazé Leite.

Dedicado ao Partido Comunista russo, ao qual Maiakovski aderiu em 1908, com apenas 15 anos, o poema começa pedindo o cessar das lamentações: “Não devemos / nos derramar / em poços de lágrimas, – / Lenin / ainda / está mais vivo do que os vivos / É nosso saber – / nossa força e arma”. E logo será feita a associação entre Lenin e o Partido Comunista: “O Partido e Lenin – / são irmãos gêmeos – / quem é mais / valioso do que a mãe-história? / Dizemos Lenin – / subentendemos – / Partido, / Dizemos / Partido, / subentendemos – / Lenin”.

A luta pela revolução vai, porém, aos poucos, se impondo até tomar conta completamente do poema, como na passagem “Não é a vassoura / a arma é o fuzil. / Mil vezes / a mesma coisa / ele prega / no ouvido surdo / e amanhã / cada um erguerá / as mãos / que entenderam as duas. / Ontem foram quatro, / hoje são quatrocentos. / Escondemo-nos, / mas amanhã / vamos de peito aberto, / e esses / quatrocentos / serão mil”.

Para concluir no final: “Dessa bandeira / de cada dobra / novamente / vivo / Lenin conclama: / – Proletários, / formem-se / para a última batalha! / Escravos, / endireitem / as colunas e os joelhos! / Exército dos proletários, / levante-se esguio! / Viva a revolução, / radiante e veloz! / Essa – / é a única / grande guerra / de todas / que a história já viveu”. A Revolução Russa aconteceu em duas etapas em 1917 e representou a queda da autocracia russa e a tomada de poder do Partido Bolchevique, de Lenin. A primeira etapa foi em março, com a derrubada do Czar Nicolau II; e a segunda, foi em outubro (novembro, no calendário ocidental), quando o Partido Bolchevique impôs o governo socialista soviético.

O que impressiona muito nesse poema-épico é a descrição que faz dos eventos que envolveram a Revolução Russa e, nesse sentido, se aproxima muito de pelo menos outros dois clássicos, esses da língua portuguesa – “Os Lusíadas”, de Luís de Camões, e “Romanceiro da Inconfidência”, de Cecília Meirelles. “Marchem / para o deserto / mais ardido que o fogo! / Façam espuma / mais branca que o papel! / Começam / remendar com preto / os oásis / dos deleites com palmeiras”. Ou: “As revoluções / aumentam / após explosões dos levantes. / É severa / a insubmissão / dos burgueses enraivecidos. / Estraçalhadas por terrieres, / uivando e gemendo, / as sombras dos tataravós / comunardos de Paris, / agora também / resmungam / em parede parisiense: / – Ouçam, camaradas! / Vejam, irmãos! / Desgraça aos solitários – / aprendam conosco!”.

Claro que a tônica política também perpassa todo o poema, muitas vezes com muito bom humor, como nessa passagem bastante didática: “Para os netos / escrevo / numa folha / o retrato / genético do capitalismo. / O capitalismo / quando jovem / Era um rapaz / até interessante: / primeiro a trabalhar – / e não temia então, / que o trabalho / sujasse sua camisa. / O tricô feudal / lhe era estreito! / Cabia / tão bem / como cabe hoje. / O capitalismo / com revoluções / floresceu / em sua primavera / e até / cantava a ‘Marselhesa’. / Pensou e / inventou / uma máquina. / Pessoas / e as outras também! / Ele, / pelo universo / a perder de vista / de operários, / procriou / filhos. / De vez / reinados / e condados devorou / com suas coroas / e suas águias”.

Numa outra passagem, o pensador alemão Karl Marx aparece numa imagem extremamente cândida: “Marx! / surge aos olhos / das molduras do retrato grisalho. / Como / sua vida / está distante das imagens! / As pessoas / veem / emparedado no mármore, / com gesso, / um velho gélido. / Mas quando / pela trilha revolucionária / os operários / davam / seu primeiro / passinho, / oh, com que / incrível fornalha / Marx / acendeu / seu coração / e sua ideia!”.

O jornalista e poeta Adalberto Monteiro parece definir com perfeição, na apresentação do livro, os trabalhos do poeta russo: “Em seus poemas, Maiakovski frequentemente se dirige ao futuro, conversa com as gerações de séculos vindouros. Por este e outros motivos, seus adversários diziam que ele padecia de gigantomania. Os desafetos da atualidade assacam-no: sua poesia teria sido enterrada no mesmo túmulo onde jaz a URSS. Mas, a autoprofecia vai se confirmando. Sua poesia, como uma seta, atravessa a carne macia do tempo. Primeiro porque ela brilha com a luz de cem sóis. Segundo, porque seu lirismo só perderá atualidade se os humanos se tornarem assexuados e destituídos da capacidade de amar”. Portanto, “Poema Vladimir Ilitch Lenin” é uma ótima oportunidade de redescobrir um dos momentos mais importantes da história universal através da lupa primorosa do poeta Vladimir Maiakovski.

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