Livro relata personagens e anos cruciais da história do rock

O jornalista e pesquisador Rodrigo Merheb morou durante muitos anos nos Estados Unidos, onde foi vice-cônsul em Chicago e essa experiência, de certo modo, despertou nele a vontade de mergulhar […]

O jornalista e pesquisador Rodrigo Merheb morou durante muitos anos nos Estados Unidos, onde foi vice-cônsul em Chicago e essa experiência, de certo modo, despertou nele a vontade de mergulhar profundamente na história de seus ídolos e descobrir o que poderia ter feito com que artistas tão libertários e criativos tivessem surgido praticamente ao mesmo tempo e atuado no mesmo curto período de quatro anos. O resultado é o livro “O Som da Revolução – Uma História Cultural do Rock 1965-1969”, recém-lançado pela editora Civilização Brasileira.

Rodrigo Merheb fez uma pesquisa extremamente profunda e dedicada, o que se percebe logo no início extremamente envolvente da leitura. O leitor ávido por informação e boas histórias terá bastante o que aprender nas mais de 500 páginas, a respeito de ícones do rock como Beatles, Rolling Stones, Pink Floyd, Led Zeppelin, Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrison, entre tantos outros.

“Meu primeiro estímulo para esta pesquisa foram as possibilidades da narrativa, mais até do que a enorme admiração por vários daqueles artistas. Por mais iconográficos que sejam os protagonistas (e estamos falando de Dylan, Beatles, Hendrix, Jim Morrison, para citar alguns), minha intenção foi tratá-los mais como personagens do que como mitos. O fato de não sentir nenhum tipo de nostalgia pelos anos 1960 foi fundamental inclusive para entender as engrenagens históricas e culturais que sedimentou essa mitologia”, explica o autor, na introdução.

Um dos personagens principais da obra é o cantor e compositor norte-americano Bob Dylan, que se tornou um ícone da contestação e do protesto em seu país, mesmo lutando o tempo todo para escapar desse rótulo, muitas vezes decepcionando seus fãs ao não “vestir tal carapuça”, realizando apresentações pouco empolgantes ou simplesmente não aparecendo em festivais como o de Woodstock. No livro, porém, há muitos detalhes curiosos a respeito do artista, como ele ter apresentado os primeiros baseados aos Beatles, o que refletiu, inclusive, na realização do filme “Help!”, dirigido por Richard Lester, em 1965.

Rodrigo Merheb garante também que outro subtítulo possível para essa obra é “de Newport a Altamont”. O festival de Newport, realizado em julho de 1965, foi considerado o maior festival de música folk dos Estados Unidos e marcou também o momento em que Bob Dylan trocou o violão pela guitarra elétrica, deixando o público entre incrédulo e deslumbrado, e marcando ali o início de uma revolução cultural, segundo o pesquisador.

Já Altamont, realizado no final de 1969, ficou marcado principalmente pela violência praticada pelos motoqueiros Hells Angels. Entre eles, há o “Verão do Amor”, em São Francisco; o festival de Monterrey, onde Jimi Hendrix roubou a cena; as várias canções de protesto contra a Guerra do Vietnã; e o mitológico festival de Woodstock, com as antológicas apresentações de Santana, The Who e The Sly and the Family Stone..

Também está ali a relação entre os Beatles e os Beach Boys, principalmente por meio do trabalho, com “Rubber Soul” influenciando “Pet Sounds”, que, por sua vez, inspirou “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”; o aparecimento do LSD, cujo termo remontaria aos escritos do psiquiatra inglês Humphry Osmond.

Há também, claro, espaço para os grandes filmes da época, como “Easy Rider”, o documentário “Sympathy for the Devil”, dirigido por Jean-Luc Godard e estrelado pelos Rolling Stones; e até “Os Monkees estão à solta”, baseado na banda criada através de um seriado de televisão norte-americano para competir com os Beatles e que contou com o roteiro “do jovem ator aspirante” Jack Nicholson.

A lista de artistas importantes que ocupam cada uma das páginas dessa obra é gigantesca. Dela, fazem parte, entre outros, desde The Who, Velvet Underground, Nico, Andy Warhol, Jeff Beck e Eric Clapton, passando por Grateful Dead, Jefferson Airplane, Traffic, Creedence Clearwater Revival, até chegar ao pré-punk MC5.

Afinal, centenas de informações e detalhes curiosos saltam o tempo todo, matando a sede de informação e boa literatura por parte de leitores que gostam realmente de ler e não se rendem a obras rápidas e rasteiras que vêm ocupando as prateleiras de boa parte das livrarias brasileiras.

Portanto, só há o que comemorar e agradecer a Rodrigo Merheb por ter realizado “O Som da Revolução” e, diante de algo tão intenso, o leitor certamente ficará com uma sede gigantesca pela vida.

Leia a seguir entrevista exclusiva com o autor Rodrigo Merheb.

Como surgiu a ideia de mergulhar na história da cultura roqueira dos Estados Unidos e da Inglaterra?
Eu morava em Chicago. Minha coluna no jornal “O Tempo” tinha sido extinta. Estava sentindo falta de escrever, mas queria trabalhar sem demanda de prazo, explorar vários ângulos de uma história e o rock dessa época abria possibilidades enormes. Aos poucos passei a ter uma percepção mais nítida da estrutura, do tipo de desenvolvimento que eu pretendia. O fato de não haver um livro que propusesse um recorte temporal semelhante me estimulou muito. O maior desafio foi combinar os resultados da pesquisa com uma linha narrativa coerente.
 
Como chegou a conclusão de que o período entre 1965 e 1969 era o mais importante para contá-la?
Não sei se é o mais importante, mas era o que se aproximava daquilo que fundamentalmente me interessa na música como pesquisador: a interlocução com uma conjuntura social e política caracterizada por rupturas. O rock foi a trilha sonora daquela efervescência, o principal responsável pela amplificação do discurso de rebelião. Ao mesmo tempo fomentou lucros astronômicos para a indústria de entretenimento. Cumpriu um papel contraditório e fascinante nessa arena de conflito,

Apesar de aparecer sempre avesso a imagem de contestador e símbolo da tal revolução, Bob Dylan é talvez o personagem mais importante de seu livro, sendo responsável por provocar transformações em vários e diferentes artistas. É isso mesmo? E o que você acha desse artista tão contraditório?
É comum em movimentos culturais, mesmo aqueles de caráter informal, um personagem pairar acima dos demais e contaminar a cena toda atuando quase como um coringa que confunde expectativas. O Dylan projetou para o consumo de massas a imagem da transgressão, numa escala muito maior que os escritores da geração beat nos anos 50.

Ele já tinha elevado o patamar da canção de protesto quando se reinventou como aquele hipster plugado e desafiador que expandia os limites da canção popular, eletrificando poesia de rua, Shakespeare e aspectos da mitologia rural dos Estados Unidos. Junto com os Beatles ele é sem dúvida o protagonista do livro. E, na minha opinião, o mais importante artista norte-americano da segunda metade do século 20.

Você acredita que a revolução sonora, mas que também extravasa para literatura, artes plásticas e cinema, como aparece no livro, continua influenciando as novas gerações? Por quê?
Tenho certeza que sim. Os anos 60 tiveram sua cota considerável de produção cultural datada e descartável como qualquer outro período, mas a consistência de algumas obras é impressionante. Isso tem muito a ver com a tentativa de responder criativamente a um tempo de mudança, mas também a uma determinação de inovar, de explorar fronteiras sem muito compromisso com regras mercadológicas.

Acho que rola tanto um interesse genuíno de jovens curiosos que freqüentam retrospectivas e baixam músicas como uma lógica de mercado nessa longevidade. A rebelião é bem mais sedutora que o conformismo. E os anos 60 funcionam como uma espécie de sumário de signos e gestos de rebeldia.

Então se cria todo um segmento de consumo sobre os 40 anos disto, os 35 anos daquilo. A indústria não precisa apenas acompanhar novas tendências, ela sabe perfeitamente como repaginar e vender o mesmo produto duas vezes. E ainda tem os artistas que fracassaram inicialmente e foram redescobertos, exercendo mais influência hoje do que no seu próprio tempo. Me esforcei para fazer justiça a esses coadjuvantes no livro.

Você concorda que esse momento dos anos 1960 nos Estados Unidos e na Inglaterra pode ser associado, de certo modo, ao que aconteceu no Brasil na década de 1980? Por quê?
Concordo até certo ponto. Os contextos são semelhantes , na medida que havia estruturas sociais próximas do colapso forjando a necessidade de reconstrução da linguagem em várias áreas de criação. Mas os ideais eram fundamentalmente diferentes.

Os anos 60 foram caracterizados por um projeto utópico que se refletia no uso de drogas lisérgicas, na vontade de denunciar toda a tradição judaico cristã como repressora e perversa. Havia um arcabouço teórico validando aquilo tudo. O Brasil dos anos 80 era um país buscando sua identidade pela redemocratização, sofrendo esse processo de forma isolada.

Não havia nenhuma ansiedade revolucionária mas, para a minha geração, a Copa de 82, as Diretas Já, a campanha presidencial de 89 foram experiências de vida definidoras, embora de resultados finais frustrantes. Nós também tivemos nosso maio de 68.

Você planeja se dedicar a algum novo projeto literário? Se sim, qual seria ele?
Eu pretendo realizar outra pesquisa sim, só não decidi sobre o quê. Como você sabe muito bem, escrever um livro é um prazer exaustivo. Só compensa com paixão pelo tema.

A figura do diplomata no Brasil é quase sempre associada ou a algo muito “sisudo” ou ao Vinicius de Moraes. Você concorda? E como é o diplomata roqueiro Rodrigo Merheb?
Bem, eu não sou diplomata. Minha carreira é outra, de Oficial de Chancelaria, mas é bem comum essa percepção de que todo mundo no serviço exterior é diplomata. Pois é, o Itamaraty sempre abrigou gente como o Vinicius, Guimarães Rosa, mas mantinha essa fachada austera, beletrista que não representa a pluralidade da instituição. Acredito que isto está mudando. Já tem um sindicato forte atuando lá dentro, o acesso ficou bem mais democrático. Aos poucos vai ficando com mais cara de rock do que de salão de valsa.

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