Rapper cearense Felipe Rima une versos fortes a boa música em CD de estreia

O artista de Fortaleza Felipe Rima surpreende com versatilidade do primeiro CD (Foto: gmmashoka.ning.com) “Sob o sol de Fortaleza / Eu corro atrás do que é meu / Terei a […]

O artista de Fortaleza Felipe Rima surpreende com versatilidade do primeiro CD (Foto: gmmashoka.ning.com)

“Sob o sol de Fortaleza / Eu corro atrás do que é meu / Terei a mão da princesa / Mesmo sendo um plebeu”. Esse é o fulgor e a energia transmitida pelo garoto Felipe Rima, de Fortaleza (CE). Rapper, escritor e poeta, ele acaba de lançar o ótimo CD de estreia, “Entre o batuque do coração e a poesia da vitória”, em que os versos fortes, de um guerreiro, caem como uma luva numa sonoridade dançante, que remete à black music da década de 1970. Portanto, ele consegue reunir o que há de mais importante no trabalho musical – versos afiados e uma musicalidade arrepiante.

A primeira faixa começa com sons que lembram o bater do coração e são acompanhados por uma letra que trata justamente da força da poesia. Ela abre espaço para a romântica “Batuque do Coração”, que contrasta com a sensual “Êxtase Magistral”, em que uma transa é descrita de maneira melosa, mas cria um contraste delicioso entre o suingue do vocalista Salmos Rafael e a aspereza dos versos do rap de Felipe Rima. Não é à toa que o CD vem acompanhado de uma camisinha.

O som do avião acompanha “Fui Vim”, em que, de modo suingado, Felipe Rima descreve sua vinda de Fortaleza para Guarulhos, na Grande São Paulo, e depois a volta para casa, com o orgulho de ser brasileiro, com direito a muitos efeitos ufanistas dignos das transmissões de futebol realizadas pela TV Globo. Mas aqui a lição é a de que vale a pena lutar pelos sonhos. “Recordando o que passei, o que lutei sentindo a vitória / palpável: Choro sozinho, feliz. / Por entre as nuvens meus sonhos voam como gaivotas / a dançarem no majestoso céu”, explica no encarte.

Claro que não faltam as críticas sociais contundentes, mas sem Felipe Rima soar piegas ou panfletário. É o que se percebe na quase épica “Meu Nome é Fome”, marcada pelos teclados comoventes de Enos de Lima. Depois da falta do que comer, vem a miséria, a milícia e os viciados da madrugada, em “Manifesto”. Mas o dia renasce com o céu azul, o sol e o mar, no reggae “Diante da Orla”, em que se pede por transformações. A alegria esperançosa segue em “Ser Guerreiro”.

O tom épico retorna na recitada “Teus Olhos”, emendada por “Doce de Leite”, com uma poesia extremamente romântica, com imagens de castelos e princesas. Mas tanto mel leva ao típico calor das praias nordestinas, no forró “Amar à Beira Mar”. A revolta retorna em seguida e se dirige a quem poderá criticá-lo em “Fazendo História”, mais uma mensagem de otimismo vindo de um menino que se diz um pivete que passou fome e hoje defende o amor e declara ter motivos para sonhar. Também é interessante a alfinetada que ele dá nas “picuinhas do rap”.

Mas quando você acredita que isso é tudo, Felipe Rima vem com algo ainda mais arrepiante – “Silêncio do Poeta”, que começa com um sampler de um trecho de “Mal Nenhum”, de Cazuza e Lobão; e, em seguida, Felipe Rima e Salmos Rafael dialogam com o Zeca Baleiro do megahit “Flor da Pele”. Estabelece-se, assim, um diálogo sublime entre o melhor da MPB, do rock e do rap nacional. “Entre o batuque do coração e a poesia da vitória / Às vezes eu me sinto o poeta mais feliz / Sinto meu peito transbordando de felicidade / Outrora eu sou apenas um”, diz Felipe Rima, emendado pelo canto de Zeca Baleiro: “Bicho solto, cão sem dono”.

Se esse é o ápice, ele abre espaço para o doce dedilhar de violão de Salmos Rafael e os versos românticos, em “Flores”. A temática da flor permanece no charme “Me Leve Pra Onde For”. Mesmo assim, talvez pela primeira vez, o corte musical soe brusco demais num álbum tão bem construído. Uma pena, mas nada que apague a beleza desse trabalho, que continua com a baladona “Me Leve Pra Onde For”, comprovando a versatilidade desse garoto. Aparecem ainda a entusiasmada “Um Brinde” e, para um final apoteótico, “Poesia da Vitória”, em que Felipe Rima defende a luta pelos sonhos, acompanhado pelo toque delicado dos teclados de Enos de Lima.

Há, portanto, dois aspectos que transformam “Entre o Batuque do Coração e a Poesia da Vitória” num álbum consistente, que revela um artista, Felipe Rima, que sabe identificar qual é o espaço que pretende ocupar e com quem deseja falar. O primeiro aspecto é o conjunto entre música e letra, sempre com um enriquecendo o outro, de maneira inesperada e contagiante. O segundo aspecto é mostrar que, no rap, também é possivel ser romântico e acreditar no futuro, sem se esquecer de abordar a dura realidade social de um país que permanece muito injusto.

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