Livro de Sérgio Vaz é crônica da periferia

“Minha poesia é bipolar: / ora com um sorriso no rosto, / ora com uma pedra na mão”. Quando se for estudar a literatura brasileira desse novo milênio, o nome […]

“Minha poesia é bipolar: / ora com um sorriso no rosto, / ora com uma pedra na mão”. Quando se for estudar a literatura brasileira desse novo milênio, o nome do poeta Sérgio Vaz será indispensável. Vaz transformou poesia em biscoitos finos, como pedia Oswald de Andrade, mas também acessíveis, na periferia de São Paulo, ao criar a Cooperativa Cultural da Periferia (Cooperifa). O coletivo tem um sarau que reúne centenas de pessoas para ouvir, pasme, poesia. 

“A periferia nunca esteve tão violenta: pelas manhãs é comum ver, nos ônibus, homens e mulheres segurando armas de até quatrocentas páginas. Jovens traficando contos, adultos, romances. Os mais desesperados, cheirando crônicas sem parar. Outro dia um cara enrolou um soneto bem na frente da minha filha. Dei-lhe um acróstico bem forte na cara. Ficou com a rima quebrada por uma semana”, passeia o autor, em “Literatura, Pão e Poesia”, escrito em julho de 2007 e que dá título ao seu recém-lançado primeiro livro de crônicas. 

Esse trecho remete a um poema escrito por Chacal, carioca denominado marginal nos anos 1970, e publicado em seu livro “Quampérios”: “A poesia é magistral, mas marginal pra mim é novidade / Você que é bem informado, mi diga: a poesia matou alguém, andou roubando, aplicou algum cheque frio, jogou alguma bomba no senado?”. Não é à toa que a professora Heloísa Buarque de Hollanda, uma das maiores defensoras e divulgadoras dessa poesia setentista, assina o prefácio do novo livro de Sérgio Vaz e milita com toda a força a favor dessa nova literatura escrita nas periferias.

Também é possível estabelecer referências com Oswald de Andrade e os poetas modernistas dos anos 1920. Não é à toa, portanto, que Sergio Vaz organizou uma Semana de Arte Moderna da Periferia, para a qual escreveu um “Manifesto da Antropofagia Periférica”. “Sugiro com ênfase um estudo comparativo dos dois manifestos e instintos antropofágicos ali registrados. O pesquisador, além de encontrar muito assunto para se debruçar, vai se deliciar espelhando e especulando sobre esses dois momentos sintomáticos dos séculos 20 e do 21”, garante Heloísa.

Um otimismo irresistível e não conformista paira nos textos de Sérgio Vaz, que, em várias crônicas, manifesta seu amor incontido por Taboão da Serra, cidade da Grande São Paulo, que garante que o escolheu como sua nova terra, e pelos professores, para ele, quase seres mágicos e fundamentais para a construção de uma sociedade. “As coisas não nasceram para dar certo, somos nós que fazemos as coisas acontecerem, ou não. Acredito que a gente tem que ter um foco a seguir, traçar metas, viver por elas. Ou morrer tentando. Jamais queimar etapas e saber reconhecer quando é a sua hora”, relata em “Felicidade”, de maio de 2011.

Há outros textos no livro igualmente fascinantes, caso de “Sugestões poéticas para o acordo ortográfico e outros acordos”, onde relata de maneira poética o que mudou e/ou deveria mudar na Língua Portuguesa e, por tabela, na nossa sociedade; “O inferno somos nós”, de abril de 2007, a respeito de uma bala perdida que havia encontrado mais uma criança; “Como nasce um taboanense”, onde relata seu amor pela cidade que escolheu para passar boa parte da vida; e o divertido “Amanhã Talvez”, onde o personagem Asdrúbal tenta fugir de todos os modos da morte.

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