país do golpe

‘República de Curitiba’ encontrará seu lugar nos porões da História

Com o depoimento de Lula ao juiz Sergio Moro, mais uma vez fica em evidência que a espetacularização, a seletividade e a política feita sob o manto de Justiça tomam conta de parcelas do Judiciário

divulgação

Moro e Lula: juiz sem compromisso com o futuro econômico e social do Brasil ou o desenvolvimento nacional

Preocupado com a necessidade de não facilitar a comparação do réu com a de seus inquisidores, e em evidente e flagrante desrespeito à lei, o juiz Sergio Moro proibiu que a defesa do ex-presidente Lula filmasse, de forma independente e completa, o depoimento da última quarta-feira (10), alegando que o material poderia ser utilizado, mais tarde, de forma político-partidária.

Isso, pasmem, no âmbito de uma operação cuja principal característica é ter mais furos que uma peneira de cozinha, e ter sido constante e propositadamente vazada desde o início, incluído o episódio de divulgação dirigida do diálogo telefônico entre Lula e a então presidente da República, Dilma Rousseff, no ano passado.

Naquela ocasião, a justificativa usada por Moro foi diametralmente oposta à de agora, alegando que a mais ampla publicidade era necessária, por se tratar, o alvo “grampeado”, justamente de um ex-presidente da República.

Ora, ao proibir a gravação pela defesa, o meritíssimo magistrado estava cansado de saber que a filmagem feita pela “Justiça” seria sobejamente editada e utilizada, com fins ou consequências evidentemente políticas, por aqueles que o homem que estava interrogando identifica como seus adversários, a ponto das imagens terem sido imediatamente transformadas na mais nova e única novela brasileira a ser apresentada por alguns dias de forma seriada como parte de um telejornal diário.     

Atrabiliário e arrogante, o comportamento de Moro não espanta, em um país no qual uma juíza radicalmente antipetista, conservadora, assídua militante de redes sociais, proíbe o acampamento de simpatizantes do partido dos trabalhadores em Curitiba, sem nem sequer um comentário por parte de autoridades do Judiciário.

E um juiz envolvido com irregularidades na capital da República, apontadas pelo Conselho Nacional de Justiça e pelo próprio Ministério Público, desde 2015, que já tinha transformado Lula em réu com a subjetiva acusação de “obstrução de justiça”, proíbe o funcionamento de um instituto político, o Instituto Lula, com a justificativa de o local ter sido usado para reuniões que ele considera criminosas, tentando tolher o seu funcionamento e estrangulando as atividades profissionais de um ex-presidente, em uma ação típica de “lawfare”, quando essas supostas reuniões poderiam, e ainda podem, caso houvesse alguma coisa a esconder, ser feitas em qualquer outro lugar, fora do alcance da vigilância da “Justiça”.  

Moro parece querer, junto com os farsescos procuradores da força tarefa de uma operação que quebrou o país, passar a impressão de que é um cavaleiro solitário, equilibrado  e imparcial na luta do bem contra o mal, símbolo de um sistema judiciário impoluto e exemplar aos olhos do mundo.

“Acorda, Mutley!”, diria o narrador para o simpático cãozinho do desenho do Dick Vigarista.

O conceito da Justiça brasileira aos olhos do planeta não é o da Força Tarefa que posa de Eliott Ness para a câmera com seus armanianos ternos, mas o que se escancara no relatório com 240 recomendações de dezenas de países da ONU, do dia 9 deste mês de maio de 2017, incluídos Alemanha, Grã Bretanha, Estados Unidos, que condena o Brasil e exige que o governo central e o dos estados tomem imediatas providências com relação ao que classifica de graves crimes contra a dignidade humana.

Este o país das masmorras medievais superlotadas, onde padecem, por anos, presos contaminados por aids e tuberculose, em prisões em que não se assegura a sobrevivência e a incolumidade física de detidos que, sem sequer ter ido a julgamento, podem ser decapitados a qualquer momento, diante de câmeras de celulares.

O país dos autos de resistência, da tortura e dos assassinatos, impunes, em casos que se contam aos milhares, de civis e prisioneiros já rendidos ou desarmados. O país do racismo e da perseguição a minorias. O país que mais mata no mundo em números absolutos, com uma Justiça que apresenta uma das mais baixas taxas de solução de assassinatos.

O país dos altíssimos salários e benesses de juízes e procuradores.

Assim como ocorreu com  a Operação Mãos Limpas, na Itália, a “República de Curitiba” não vai acabar com a corrupção no Brasil.

Mas já acabou com a engenharia nacional, com sua expertise, acumulada ao longo de décadas de trabalho, e com a sua reputação no exterior.

Com dezenas de projetos, muitos deles estratégicos, paralisando e sucateando, por meio  da Jurisprudência da Destruição, pontes, rodovias, ferrovias, refinarias, navios, plataformas, usinas e sondas petrolíferas.

Com centenas de milhares de empregos e de carreiras, acarretando, para a Nação, um incalculável prejuízo econômico e social.

Com as maiores empresas brasileiras, seus investidores, acionistas e fornecedores, incluídas aquelas de outras áreas, que não a engenharia, como a da carne, que são punidas e perseguidas por tentar se expandir vitoriosamente no exterior.

Ao mesmo tempo em que se promove a entrega do país, de nossas reservas de petróleo e outras matérias primas, de empresas do porte e da importância de refinarias petroquímicas, construídas nos últimos anos, a preço de banana, para empresas multinacionais estrangeiras, sob as bençãos e os olhos brilhantes e complacentes da Justiça brasileira.

Sem garantir, sequer – vários setores da plutocracia do Estado querem aparecer e se digladiam por isso, concorrendo como protagonistas dessa inútil e deletéria caça às bruxas – os acordos de leniência arrancados a fórceps de grandes grupos nacionais, penalizados também por gigantescas multas “cíveis” de bilhões de reais, estabelecidas, na ausência  de provas, com base em critérios elásticos e subjetivos, para engrossar, artificialmente, o dinheiro supostamente “recuperado” por certa “operação”.

Tudo porque não se optou por perseguir a corrupção sem quebrar as empresas e porque a espetacularização, a seletividade, o partidarismo e a política descaradamente feita sob o manto de Justiça tomaram conta de parcelas do Judiciário e do Ministério Público.

Sem nenhuma preocupação ou compromisso com o futuro econômico e social do Brasil ou o desenvolvimento nacional. 

Destruindo-se, com a criminalização da política tradicional e a quebra da normalidade institucional advinda do golpe de 2016, o equilíbrio entre os diferentes poderes da República, o presidencialismo de coalizão e a governabilidade do Estado, na inútil busca da perfeição onde ela não pode existir, já que a Democracia é um  regime por natureza imperfeito, baseado justamente na permanente acomodação dos interesses dos diferentes segmentos e setores sociais, em busca de um equilíbrio possível – embora mutante e dinâmico – fora do qual só subsistem a “paz” dos cemitérios e das masmorras, do arbítrio e do autoritarismo.

Promovendo-se, para isso, uma campanha de ódio, mentira e  hipocrisia que se tornou a matriz referencial de um discurso único, que desagua em comportamento de manada, tornando-se paradigmática do estado de espírito de boa parte da população, em um processo que está abrindo, como nunca antes, o caminho da país para o fascismo.

Como todo homem público, Lula não é santo, e trabalha – ou deveria trabalhar,  sempre, com a perspicácia característica da atividade política.

Isso, embora sua excessiva confiança no instinto o leve a cometer erros graves, como ocorreu no seu depoimento, quando não obrigou o juiz e seus interrogadores a se limitarem aos temas – principalmente aqueles ligados ao “triplex do Guarujá” – que serviram como base jurídica para sua convocação para a Curitiba.

O ex-presidente da República poderia, tranquilamente, ter usado o direito constitucional que tinha de não responder a certas questões, considerando-se a razão, plenamente justificável, de que sua defesa não teve tempo ou a possibilidade de examinar os documentos relativos às ultimas delações de que foi objeto, por parte de um exército de barrabases que aguardam, ansiosos, para ceder-lhe o lugar no Gólgota da Lava Jato.   

Como Jerusalém, Curitiba não pode ser culpada pelos dramas – bíblicos ou trevisanianos – que nela acontecem.

Aqueles que estamparam, com orgulho, nos out-doors,  graciosamente pagos por “colaboradores”, o termo “República de Curitiba” e depois – quem sabe obedecendo às recomendações do “chefe” – não conseguiram colocar mais do que cinquenta gatos pingados nas ruas para defender a Operação Lava Jato, deveriam voltar  aos bancos escolares.

A expressão que veneram tem como base a famigerada “República do Galeão”, que comandou a escalada da pressão jurídico-militar contra Getúlio Vargas e o levou ao suicídio, em 1954, abrindo caminho para as tentativas de se derrubar Juscelino Kubitscheck, para a inconsequente renúncia de Jânio Quadros e para o golpe contra João Goulart, de 31 de março de 1964, que mergulhou o país em duas décadas de violência, sangue e autoritarismo.

É ao lado da “República do Galeão”, de triste memória e tropical macartismo lacerdista – apesar do juiz Sergio Moro tentar mostrar ao mundo suas mãos limpas, como se tivessem sido lavadas em pilática bacia de lata – que o futuro irá colocar a “República de Curitiba”, quando terminarem estes tempos vergonhosos e hipócritas que estamos  vivendo.

No mesmo baú fétido e escuro em que jazem, não na sala de estar, mas na recôndita sombra dos porões empoeirados da História, outros episódios lamentáveis, deletérios e infames do passado brasileiro.

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