Democracia atacada

Um AI-5 em câmera lenta ameaça o Brasil

Globo cumpre papel central na radicalização do golpe. Dá apoio a Temer para aprovar as “reformas”. E dá cobertura a Moro (e a qualquer guarda da esquina do Judiciário) que invista contra Lula

Fotoarena/Folhapress

Caravanas se dirigem a Curitiba em apoio a Lula e pedindo Justiça. Judiciário, porém, promove o ódio

Por Rodrigo Vianna, Portal Fórum – A decisão do juiz de Brasília, que mandou fechar o Instituto Lula, mostra que o arbítrio avança rapidamente. A decisão vem às vésperas do depoimento de Lula em Curitiba, onde outras decisões de juízes de primeira instância já indicavam que estamos em pleno regime autoritário de corte jurídico-midiático: uma juíza (ligada aos fascistas do MBL) proibiu manifestações na capital do Paraná; outro (Moro) quer impedir Lula de gravar o depoimento, em clara afronta ao que diz o Código de Processo Penal.

Em 1968, quando os militares decidiram aprofundar a ditadura com o AI-5 (que fechava o Congresso, impedia habeas corpus e dava poderes absolutos aos fardados), um civil que apoiava o regime se colocou contra a medida: era o vice presidente (e jurista) Pedro Aleixo. Ele disse: “o meu medo não é o presidente abusar da autoridade; o meu medo é o guarda da esquina”.

No Brasil do golpe, hoje, cada juiz virou um guarda da esquina. Os setores mais lúcidos do centro democrático, e mesmo da direita partidária, já perceberam que avançamos para uma situação de arbítrio que afundará a todos.

Desde o ano passado, em conversas reservadas com outros blogueiros, tenho dito que vivemos hoje numa situação parecida com o período entre 64 e 68: já havia autoritarismo, mas o povo organizado resistia, inclusive nas ruas com a passeata dos 100 mil. Espero que a greve geral de 28 de abril não tenha sido nossa passeata dos 100 mil (toc, toc – bate na madeira).

Mas tudo indica que avançamos rapidamente para um novo 1968, com um AI-5 em câmera lenta. Cada juizeco de primeira instância sente-se investido da autoridade para condenar “políticos”, construindo uma narrativa de que “contra a corrupção” qualquer exagero ou abuso pode ser justificado.

Repito aqui o que já escrevi em texto recentes. Temos no Brasil hoje três forças em disputa:

1 – a esquerda e os movimentos populares, sob liderança de Lula;

2 – a direita política, tucana sobretudo, mas agregando também PMDB e outros partidos de centro-direita;

3 – a direita judicial-midiática, sob comando de Moro e da Globo (surfando no discurso da antipolítica).

Os setores 2 e 3 se uniram para derrubar Dilma. Mas agora essa aliança se rompeu.

Reinaldo Azevedo e Gilmar Mendes, com suas críticas aos abusos da Lava-Jato, são a expressão desse giro: os tucanos e seus aliados percebem que o golpe cria uma situação perigosa, em que o campo 3 pode quase tudo.

O quadro de deterioração institucional nesse início de maio inclui ainda:

  • Congresso sitiado pela polícia, no dia da votação dos destaques do desmonte da Previdência; nova ordem judicial no Paraná, mandando cercar partes do acampamento da Democracia, montado para defender Lula do arbítrio de Moro (clique aqui pra saber mais).

  • A Globo cumpre papel central na radicalização do golpe. Dá apoio a Temer para aprovar as “reformas” – até debaixo de porrada, se necessário. E dá cobertura a Moro (e a qualquer guarda da esquina do Judiciário) que decidir investir contra Lula.

Os paralelos com os anos 60 são impressionantes:

• uma corporação do Estado (militares em 64; juízes/promotores no golpe atual) foi usada para criminalizar e derrubar o governo trabalhista;

• a direita política (UDN em 64; PSDB/DEM no golpe atual) insuflou essa corporação e pôs a classe média na rua;

• o centro fisiológico (PSD em 64; PMDB e outros menores no golpe atual) abandonou a aliança com o trabalhismo e bandeou-se para o golpismo;

• passado o golpe, a direita política tradicional (UDN = PSDB) minguou, o centro oportunista afundou (velho PSD = PMDB), e acabaram devorados pela direita estamental.

A diferença é que em 1964 derrubou-se Jango quando Vargas já estava morto. Dessa vez, Vargas está vivo e vai depor perante a República de Curitiba.

A direita não sabe o que fazer com Lula. Ele é um fantasma que se recusa a desaparecer. E volta para assombrar o golpismo.

Outra diferença central:

• em 1964, deu-se o golpe em nome da moralidade; e o poder ficou com um general “limpo” – Castelo Branco;.

• em 2016, deu-se o golpe também em nome da moralidade; e o poder ficou com um sujeito podre, Michel Temer e seu bando.

A figura nefasta de Temer cria dissonância; o golpe precisa urgentemente limpar sua imagem.

Por isso, a Globo abandonou o campo 2 (citado acima) da direita política. E apostou todas suas fichas na anti-política capitaneada por Moro e Janot.

Chama muita atenção que o diretor-geral da Globo e outros 12 empresários peso-pesados (do Itaú às Lojas Marisa) tenham se reunido ontem em caráter “reservado” com a presidenta do STF, Carmen Lúcia (clique aqui para saber mais).

Se as “reformas” de Temer minguarem, o decorativo pode ser defenestrado no TSE. Carmen Lúcia (a terceira na linha sucessória; os presidentes do Senado e da Câmara respondem a processos judiciais) seria uma forma de criar uma narrativa de “limpeza”, coerente com a necessidade absoluta de impedir Lula de concorrer em 2018.

A direita antipolítica vai aprofundar o golpismo nas próximas semanas. Depois de fechar o Instituto Lula, nada mais é proibido. Parafraseando Dostoievski: se a Constituição já não existe, tudo é permitido.

Só o combate na rua e nas redes pode esfarelar o golpe. A aliança com o centro (ou o que restou dele) é primordial.

Comandantes da PM, juizecos de primeira instância, chefes da quadrilha midiática: todos eles se julgam guardas da esquina, prontos a emparedar a democracia e aprofundar o golpe.

Nota da RBA

A proibição a manifestações por parte da referida juíza se restringe aos apoiadores de Lula. No início da madrugada desta quarta-feira (10), morteiros foram atirados contra o acampamento organizado pacificamente pelo MST em Curitiba. Pelo menos uma pessoas foi ferida. Veja postagem no Jornalistas Livres.

Enquanto isso acontecia, um grupo de fascistas permanecia livremente nas proximidades da Justiça Federal para gravar vídeo enaltecendo a República de Curitiba, informando que o acampamento seria alvo de perturbações.