vergonha internacional

Os aleijões da política mundial

Tempos tristes e amargos como os de agora, com Michel Temer, Donald Trump e Kim Jong-un, são passageiros. Superá-los parece impossível, mas não é

Beto Barata/PR

Temer e Trump amputam de si, diariamente, a realidade: falam sobre seus países de uma forma que não existe

São Paulo – A política, em escala mundial, virou um caso ortopédico: amputar é o estilo de momento vencedor.

Vejam o nosso minipresidente, Michel Temer. Vai à China, não mais como um presidente, mas como um camelô. Leva 57 empresas estatais na mochila para oferece-las aos chineses. No discurso, é para impulsionar a economia. Na verdade, é para obter fundos para manter-se no poder, comprando votos de deputados e talvez, na sequência, de senadores. É uma amputação? É.

Temer amputou-se da realidade. Fala de um Brasil que não existe, de uma presidência que não existe, e se mantém no Palácio do Planalto graças a outras amputações: os milhões de coxinhas que amputaram seu bom senso e sua vergonha ao apoiarem – exigirem – o impeachment de Dilma, e que agora não sabem o que fazer com seu rabo entre as pernas (talvez as panelas também); tem a mídia conservadora, que desde sempre amputou a vocação jornalística de sua pauta; um Congresso mais vendido do que os comerciantes do Templo de Jerusalém no tempo de Jesus; um STF que amputou de si a vocação constitucional.

E Meirelles devaneia, achando que suas “reformas” impulsionarão sua candidatura.

Os juízes e promotores de Curitiba amputaram-se da Justiça. Preferem ser personagens de um filme financiado por fontes obscuras, maniqueísta e apalhaçado, do que exercer o seu papel de togados

Mas este não é um problema apenas brasileiro. Trump amputa de si, diariamente, a realidade. Está envolto num jogo perigoso com outro amputado, Kim Jong-un, e ambos brincam com armas nucleares como se fossem crianças brincando com armas de fogo na sala de visitas.

A mídia internacional, em grande parte, pinta Kim como um idiota sorridente que não deve ser levado a sério. Como pinta Trump? Como um idiota mal-encarado que deve ser levado a sério. Bom, talvez ele deva ser levado a sério na sua idiotice. E houve gente de esquerda no Brasil que amputou de si a inteligência e saudava a vitória de Trump contra Hillary – não que eu tenha qualquer simpatia por ela.

A própria mídia internacional amputa de si a realidade. E faz tempo. Disse que Saddam Hussein tinha armas de destruição em massa, quando todo mundo sabia que não tinha. Disse que a derrubada de Khadaffi na Líbia era para implantar a democracia, quando todo mundo sabia que não era. E martelou que a derrubada de Bashar Al-Assad na Síria era iminente, quando todo mundo sabia que não era. E que era para implantar a democracia, quando todo mundo sabia que não era.

Aqui na Europa a situação é mais suave, mas conceitualmente não é diversa. Milhões de pessoas e milhares de governantes, economistas, políticos, jornalistas, se aferram nos planos liberais de austeridade, definindo tudo o que deles se afaste – pela direita ou pela esquerda – igualmente como “populismo”.

Também amputaram de si a realidade ou vice-versa, como Temer, se amputaram da realidade. Qualquer tentativa de sair deste esquadro é logo esquadrinhada e atacada, como, mais radicalmente, Corbyn no Reino Unido ou Schulz aqui na Alemanha.

De fato, são tempos tristes. Não são os primeiros nem serão os últimos.

O que fazer?

Em primeiro lugar, manter a própria integridade: não se amputar de nada, nem nada de si mesmo. Aquela história de olhar-se no espelho de manhã e dizer: eu ainda conheço este cara, esta cara, e seus princípios.

Em segundo lugar, não se deixar levar pelo mau humor nem pela depressão que o quadro triste tende a provocar. Nem pelo desânimo.

Não entrar tampouco pela ilusão depressiva de algumas extremas-esquerdas de que tudo o que aconteceu nos governos populares da América Latina foi apenas uma ilusão, que nada mudou, que tirar milhões de pessoas do mapa da fome, durante mais de uma década foi algo “irrelevante”, porque não levou a “mudanças estruturais”.

Em terceiro lugar, recompor-se coletivamente para a História, assim com H maiúsculo. Só na história da nossa geração, a de 68, tivemos de fazer isto pelo menos três vezes: em 64, em 89, com a vitória de Collor e em 2003, positivamente, com a vitória de Lula. Agora temos de refazer este salto qualitativo, reinventar a história, uma quarta vez.

Por que não?

É difícil? É. E tem momentos amargos. Mas não é impossível.

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