Entidades criticam documento da Rio+20, mas acham que texto final poderia ser pior

Direcionar economia verde ao desenvolvimento sustentável, sem mercantilização de recursos naturais públicos, é ponto positivo; ativista vê pouca clareza em questão de gênero

Rio de Janeiro – Entidades da sociedade civil vieram a público imediatamente após o anúncio do texto final da Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável afirmar que o documento aprovado hoje (18) no Rio de Janeiro é ruim, mas poderia ser pior. O principal alívio se deu em torno da reafirmação de princípios dos encontros passados da ONU sobre ambiente, em Estocolmo, em 1972, e na própria capital fluminense, em 1992.

“A forma como a economia verde estava sendo abordada nas negociações intergovernamentais era uma maquiagem verde. Era transformar tudo em grandes empresas onde a água, a agricultura, enfim, o mercado chegaria aos últimos instrumentos públicos do planeta”, afirmou em entrevista no Riocentro a diretora da Rede de Trabalho do Terceiro Mundo, Yoke Ling Chee.

Yoke rejeitou associar o Brasil a um suposto fracasso na negociação, e lembrou que os países ricos foram os principais opositores da tentativa de criar um fundo de financiamento global voltado à transição para o desenvolvimento sustentável.

O capítulo sobre economia verde no texto aprovado tem a mesma linha da maior parte do documento: a de intenções futuras. Fica claro que a dificuldade em encontrar um consenso sobre o conceito da economia barrou a colocação de um ponto mais assertivo quanto aos caminhos que levariam a um novo modelo de relações entre Estados, sociedade e empresas.

“Consideramos a economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza como uma das ferramentas importantes disponíveis para atingir o desenvolvimento sustentável”, diz o documento, que será assinado pelos mais de 100 chefes de Estado presentes ao encontro que será realizado entre quarta (20) e sexta-feira (22).

Vicky Tauli Corpuz, da Rede de Trabalho das Mulheres Indígenas da Ásia, celebrou a inclusão de um pedido de respeito ao modo de vida dos povos originários como um pilar para alcançar o desenvolvimento sustentável. “Trabalhamos duro nas reuniões preparatórias para incluir nossa mensagem no texto. Estamos felizes em dizer que a maior parte das coisas que queríamos incluir no texto foram integradas”, disse. “Claro que não estamos totalmente felizes, pois todo o texto ainda fala sobre o paradigma do crescimento econômico, que levou aos problemas que enfrentamos agora. Alcançamos algumas coisas, perdemos algumas coisas, mas conseguimos controlar os piores danos que imaginávamos.”

Proteção social

A reafirmação dos acordos passados e a colocação da economia verde como um aspecto do desenvolvimento sustentável foram pontos enfatizados pelos negociadores brasileiros, que consideram que foram dois dos pontos mais sensíveis nas conversas dos últimos dias. O acordo expressa ainda “profunda preocupação” com os elevados níveis de desemprego e subemprego, em particular entre os jovens, e pede uma estratégia para o fortalecimento da organização internacional dos trabalhadores, questão que havia sido solicitada esta semana ao governo de Dilma Rousseff pela Central Sindical Internacional (CSI) e pela Central Única dos Trabalhadores (CUT).

Trine Lise Sundnes, primeira-secretária da Confederação dos Trabalhadores da Noruega, ficou satisfeita com a sinalização de criação de um piso de proteção social, mas entende que houve desequilíbrio no documento final entre os pilares do desenvolvimento sustentável: ambiente, economia e social. “Queríamos ver medidas concretas quanto à energia renovável. Houve falta de transparência nas últimas horas da negociação, este é um problema que deve ser corrigido.”

A questão de gênero também desapontou. Além das negociações em si, a realização de um seminário específico por parte da ONU Mulheres, encabeçada pela chilena Michelle Bachelet, e os pedidos de especialistas nomeados pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, criaram a expectativa de um compromisso efetivo em torno da redução das desigualdades.

Mas, no geral, as mulheres são citadas em uma série de artigos que dizem respeito à criação de trabalho decente e à igualdade de oportunidades. Apenas no parágrafo 146 há uma citação à necessidade de reduzir a mortalidade materna e infantil, com esforços também pela equidade de gênero e pelo livre arbítrio das mulheres em questões relacionadas à sexualidade.

“Estamos desapontados que alguns dos Estados não nos apoiaram como mulheres. Queremos não apenas uma declaração visionária, mas como será feita a implementação do texto”, resumiu Noelene Nabulivou, de um grupo feminista da ilha de Fiji, no Pacífico.

Na quinta-feira, Bachelet e Dilma farão uma sessão conjunta para debater de que maneira a desigualdade entre homens e mulheres nas oportunidades – na vida social, no mundo do trabalho, na política – se relaciona com a dificuldade em construir o desenvolvimento sustentável.

 

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